Times de que Gostamos: Deportivo La Coruña 1999-2000

Da segunda divisão ao topo em pouco mais de 10 anos. Este foi o feito protagonizado pelo Deportivo La Coruña em 1999-00, fruto da união do pragmatismo de seu treinador, evidenciado pela solidez do setor defensivo, e do talento de jogadores de culto, como Djalminha, Fran e Víctor. Não teve para ninguém.

Deportivo La Coruña 1999 2000
Em pé: Roy Makaay, Mauro Silva, Romero, Jokanovic, Naybet, Songo'o. Agachados: Manuel Pablo, Victor, Fran, Donato e Djalminha.

Time: Deportivo La Coruña

Período: 1999-2000

Time base: Jacques Songo’o; Manuel Pablo, Naybet, Donato, Romero; Mauro Silva, Flávio Conceição; Victor, Djalminha, Fran; Makaay. Téc. Javier Irureta.

Conquista: Campeonato Espanhol

Donato Deportivo La Liga 2000
Foto: Diario AS

Na transição para o século XXI, duas forças ameaçaram o duopólio que Barcelona e Real Madrid exercem no futebol espanhol. Além do Valencia, o Deportivo La Coruña chegou ao topo, orgulhando a Galícia.

A história começou a ser escrita em 1988. Após uma assembleia histórica, foi eleito o presidente Augusto César Lendoiro. O momento era dos mais conturbados. O Dépor terminara a temporada 1987-88 em 16º lugar na segunda divisão, apenas uma posição acima do rebaixamento. O escolhido era o terceiro mandatário do ano, após a saída Andrés García Yáñez e breves passagens de Luis Carlos Morato Miguel e Julio Meana Álvarez.

Com uma direção mais moderna, Lendoiro chamou a torcida para perto, abaixando o valor dos ingressos e tomou uma das decisões mais determinantes para a história do clube: contratou o treinador Arsenio Iglesias. El Brujo de Arteixo passara pela Corunha nos anos 1950, como atleta, e começara a carreira nos bancos ali mesmo, duas décadas mais tarde. Representava um elo com um passado importante: estava no Riazor nas últimas passagens pela elite do futebol espanhol.

Em 1989-90, faltou muito pouco para o acesso. Nos playoffs, o Dépor caiu diante do Tenerife. No ano seguinte, o retorno seria consumado com o vice-campeonato. Após uma temporada difícil, em que o time ficou entre os últimos e precisou disputar uma eliminatória de permanência contra o Betis, os investimentos começaram a ser feitos. Logo com dois brasileiros: Mauro Silva e Bebeto. Os resultados vieram rápido.

Quando se desenhou a campanha de 1999-00, os galegos já haviam sentido o gosto de um primeiro título de grande importância, com a Copa do Rei de 1994-95. Além disso, acumulavam dois vice-campeonatos espanhóis. Primeiro em 1993-94, dependendo apenas de suas forças para levantar o caneco, falhando na hora H, e eternizando o famoso pênalti desperdiçado por Miroslav Đukić e que as más línguas sempre disseram que competia a Bebeto bater; depois em 1994-95. Após o título da copa, Iglesias deixou o clube. 


No final da década, já calejado, o time treinado por Javier Irureta (contratado após insucessos com John Toshack, Carlos Alberto Silva e José Manuel Corral) finalmente encontrou a consagração nacional máxima. 

O time de 1999-00 podia ser sintetizado pela força de sua defesa e a competência do setor de frente. O Deportivo teve a quinta melhor defesa de La Liga: concedeu 44 gols. Apenas Valencia, Zaragoza, Alavés e Celta sofreram menos. Entretanto, a equipe não se resumia a evitar gols. Com 66 bolas nas redes rivais, sagrou-se o segundo melhor ataque do certame, atrás do Barcelona.

Importante: o La Coruña se destacou sobremaneira nas partidas em seus domínios, em sua fortaleza, no Riazor. Em 19 jogos como mandante, foram 16 vitórias, incluindo jogos contra o Barcelona, Valencia, Real Madrid e Atlético de Madrid. Só empatou um encontro e perdeu outros dois. Seriam apenas cinco triunfos como visitante.

Grande parte da solidez da retaguarda blanquiazul se deveu aos papéis desempenhados por uma dupla de brasileiros: Mauro Silva, que se tornaria o terceiro jogador a mais vezes vestir a camisa do Deportivo (369 jogos), e Flávio Conceição constituiam um muro à frente da defesa galega. Juntos, montavam guarda e bloqueavam a entrada da área galega.

Isso facilitava o trabalho dos zagueiros Noureddine Naybet, marroquino, e Donato, hispano-brasileiro. Isso sem falar na do veteraníssimo goleiro camaronês Jacques Songo'o. Aos 36 anos, o arqueiro, que chegara ao clube em 1996 e logo seria suplantado por José Francisco Molina, finalmente teve a chance de fazer de suas defesas algo maior.

Manuel Pablo, lenda da lateral direita do Dépor e quarto homem que mais vezes representou os galegos (341 vezes), era a personificação de um pulmão no pico de suas forças, atacando e defendendo constantemente e com qualidade. Com um pouco menos de destaque individual, pela lateral esquerda, atuava Enrique Romero, jogador que entrou em campo em mais de 200 partidas pela equipe.

Mauro Silva Deportivo
Foto: Folha Vitória

Do meio para frente, a equipe era só talento. Pela direita, Victor Sanchez, jogador agudo formado no Real Madrid, era certeza de bons cruzamentos. Sua habilidade e velocidade tornavam-o um jogador muito difícil de ser marcado e crucial no fomento do atacante de área. Do outro lado, a estrela era Fran, que escreveu um capítulo particular na história do Dépor. O meia defendeu a equipe da Coruña por 550 ocasiões, recorde absoluto. Podia decidir um jogo tanto com um drible quanto assistindo a um companheiro.

No coração criativo do time galego, atuava um gênio brasileiro: Djalminha. Exemplar bem acabado de camisa 10, tinha rara habilidade, abusava de dribles desconcertantes e era perigo constante com sua fortíssima bola parada. O canhotinho foi o cérebro do time na trajetória para o título. Apesar disso, após desferir uma cabeçada em Irureta, acabaria descartado por Luiz Felipe Scolari, às vésperas da Copa de 2002. Mesmo sem se dar bem com o chefe, o brasileiro vivia seu auge.

"Eu não concordava com as ideias futebolísticas dele. Eu jogava, mas não concordava. Achava que nosso time poderia ser mais ofensivo, tinha jogadores para isso. Para ele, como era um treinador de mentalidade pequena, chegar em quarto, quinto ou terceiro, estava excelente", contou ao UOL

Djalminha Deportivo
Foto: AllsportUK/Getty Images

O clima pesado não impediu o Dépor de triunfar. No ataque, um matador implacável ostentava a camisa 7 e garantia que não faltassem motivos para a torcida comemorar. Roy Makaay era um centroavante frio e calculista, dono de um cabeceio de impressionante aproveitamento e capaz de marcar gols de todas as formas. Ninguém fica conhecido como The Phantom (O Fantasma) por acaso. O apelido se devia à capacidade de fazer gols aparecendo nas condições mais improváveis possíveis. 

O holandês tinha uma missão e a exerceu com maestria: foi o quarto colocado na artilharia de La Liga, com 22 gols, ficando atrás de Salva, Jimmy Floyd Hasselbaink e do hispano-brasileiro Catanha. Na temporada completa, foram 29 gols.

Roy Makaay Deportivo
Foto: Andreas Rentz/Bongarts/Getty Images

O clube contava, ainda, com bons jogadores entre os reservas. Atletas famosos como o goleador português Pauleta, os argentinos Lionel Scaloni e Toro Flores, além do sérvio Slavisa Jokanovic, que mais tarde se transferiria para o Chelsea, compunham o elenco do Deportivo. 

A corrida para o inédito título espanhol teria momentos marcantes. Os galegos foram especialmente perseguidos por Barcelona e Valencia. Em seus domínios, venceram os dois. O título ficou para a última rodada. Contra o Espanyol, Donato adiantou o Deportivo no placar logo no início da disputa. Makaay confirmaria a glória. Na Copa da Uefa, o time não foi longe, caindo para o Arsenal nos 16 avos de final — mesma fase em que sucumbiu diante do Osasuna na Copa do Rei.

Ainda sob Irureta, o time se manteria atuando em alto padrão até a metade da década de 2000. Gradativamente, foi caindo. E caindo. E caindo. Sua imagem passou a ter escassa semelhança com o time que começou o milênio entre os melhores do mundo.

Jogos importantes no período


8ª rodada do Campeonato Espanhol: Deportivo 4 x 1 Málaga


Estádio Riazor, La Coruña

Gols: Catanha ’14 (Málaga), Donato ’36, Djalminha 57’ e 73’, Víctor ’66 (Deportivo)

Deportivo: Songo’o; Scaloni (Manuel Pablo), Naybet, Donato, Romero; Flávio Conceição, Jokanovic, Djalminha (Toro Flores) e Victor; Pauleta (Fernando) e Makaay. Téc. Irureta.

Málaga: Contreras; Larrainzar, López Bravo, Rojas (Luque), Valcarce; Fernando Sanz (Movilla), Rufete, G. de Los Santos, Sandro; Catanha e Edgar. Téc. Peirò.

10ª rodada do Campeonato Espanhol: Deportivo 2 x 1 Barcelona


Estádio Riazor, La Coruña

Gols: Roy Makaay ‘1 e ’15 (Deportivo) e Rivaldo ‘66

Deportivo: Songo’o; Manuel Pablo, Naybet, Donato e Romero; Mauro Silva, Jokanovic, Victor (Scaloni) e Djalminha; Roy Makaay (Pauleta) e Toro Flores (Fernando). Téc. Irureta.

Barcelona: Arnau; Reiziger, Dehu (Puyol), Abelardo (Simão), Sergi; Guardiola, Cocu, Gabri (Ronald de Boer) e Figo; Rivaldo e Dani. Téc. Van Gaal.

23ª rodada do Campeonato Espanhol: Deportivo 5 x 2 Real Madrid


Estádio Riazor, La Coruña

Gols: Roy Makaay ‘6, Djalminha ’17, Victor 48’, Toro Flores ’74 e 84’ (Deportivo) e Morientes ’36 e Hierro 88’ (Real Madrid)

Deportivo:  Songo’o; Manuel Pablo, Donato, Schürrer e Romero; Mauro Silva, Jaime; Victor, Djalminha (Toro Flores), Fran (Fernando); Roy Makaay (Pauleta). Téc. Irureta

Real Madrid: Casillas; Michel Salgado, Hierro, Sanchís e Roberto Carlos; Helguera (Meca), Karanka, Redondo e Guti (McManaman); Raúl e Morientes (Ognjenovic). Téc. Vicente Del Bosque

28ª rodada do Campeonato Espanhol: Deportivo 2 x 0 Valencia


Estádio Riazor, La Coruña

Gols: Fran ’24 e Flávio Conceição ’50 (Deportivo)

Deportivo: Songo’o; Manuel Pablo, Donato, Schürrer e Romero; Flávio Conceição, Jokanovic; Victor, Djalminha (Scaloni) e Fran (Fernando); Roy Makaay (Pauleta). Téc. Irureta

Valencia: Cañizares; Bjorklund, Dukic, Carboni e Angloma; Gerard, Mendieta, Farinós, Kily González (Angulo) ; Cláudio López (Óscar) e Adrian Ilie (Juan Sanchez). Téc. Héctor Cúper.

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