Times de que gostamos: FC Porto 2003-2004

O ato de vencer não é natural; precisa ser construído. Nos primeiros anos após a virada para o século XXI, o Porto vinha recuperando forças, depois de viver proveitosa década de 1990. Apostou em quem queria chegar ao topo e acertou em cheio. A ambição do treinador foi incutida em um grupo de jogadores que ascendia ou buscava encerrar a carreira com chave de ouro. Deu liga de um jeito que poucas pessoas esperavam.

Porto 2003-04
Em pé: Vitor Baía, Jorge Costa, Nuno Valente, Ricardo Carvalho, Costinha;
Agachados: Deco, Alenichev, Maniche, Carlos Alberto, Paulo Ferreira e McCarthy

Time: FC Porto

Período: 2003-2004

Time base: Vitor Baia; Paulo Ferreira (Seitaridis), Jorge Costa, Ricardo Carvalho (Pedro Emanuel) e Nuno Valente; Costinha, Maniche, Deco (Diego) e Carlos Alberto; Derlei e Benni McCarthy (Luís Fabiano). Téc. José Mourinho (Victor Fernández)

Conquistas: Liga dos Campeões, Campeonato Português, Supercopa de Portugal e Mundial Interclubes

Os primeiros sucessos de José Mourinho aconteceram no Porto, uma história que começou a ser construída em janeiro de 2002 e que não demorou a ser exitosa. Foi um casamento intenso e com muitos pontos altos. O Special One, alcunha que ganharia nos anos seguintes, vinha construindo um nome vitorioso quando se avizinhou a temporada 2003-04. 

Naquele momento, era um treinador diferente do estereótipo que viria a se cristalizar ao seu redor. "Prometo que minha intenção é fazer o time jogar da maneira ofensiva. Prometo que trabalharemos para esse objetivo todos os dias até que alcancemos um modelo de jogo perfeitamente sistematizado e automático. Quando esse momento chegar, prometo um futebol de ataque", falou em sua apresentação. E cumpriu.

Em sua primeira campanha completa dando ordens aos Dragões — a de 2002-03 —, recolocou o Porto na senda dos títulos nacionais após três temporadas e, além disso, devolveu protagonismo continental ao clube. Mou conduziu os portista à conquista do caneco da Copa da Uefa, em uma emocionante final ante o Celtic. E os escoceses não eram um adversário qualquer. Sob o treinador Martin O'Neill, os Bhoys alinhavam figuras como a do campeão europeu Paul Lambert e dos atacantes Chris Sutton e Henrik Larsson.

José Mourinho UEFA Champions League 2003-04
Foto: Twitter FC Porto

No retorno à Liga dos Campeões e em bom momento no futebol doméstico, para desafiar as maiores potências da Europa, o treinador português optou pelo tradicional esquema tático 4-4-2 (ou 4-3-1-2), formatado com uma linha convencional de quatro defensores, aos quais se somaram dois volantes, um armador, um meia ofensivo e dois atacantes, um de maior velocidade associado a um centroavante goleador. Era muito o poder de fogo. "Com jogadores como os do Porto, não faria sentido transformar uma filosofia ofensiva em um modelo mais defensivo", justificou o comandante.

Apesar da vocação ofensiva, os Dragões se notabilizaram como uma equipe consistente defensivamente. Na liga portuguesa, sofreram apenas 19 tentos em 34 rodadas, de longe o melhor número entre os competidores. A vida foi menos fácil na disputa europeia, mas o fato de só ter sido batido em uma partida — contra o Real Madrid, ainda na fase de grupos — expressa o quão organizada era aquela equipe.

A retaguarda tinha a experiência de líderes como o goleiro Vítor Baía (35), que embora não fosse sinônimo de segurança ainda fazia defesas espetaculares e era ídolo, e de Jorge Costa (35), o capitão. 

Além deles, o setor costumava ter o zagueiro Ricardo Carvalho, que se encaminhava para o auge vivido no Chelsea, e pelos disciplinados laterais Nuno Valente, um velho conhecido do treinador dos tempos de União Leiria, e Paulo Ferreira, meio-campista convertido; se não eram alas possantes, também não eram avenidas que qualquer adversário pudesse atacar. Jogadores de beirada habilidosos como Ryan Giggs e Ludovic Giuly testemunhariam a competência da dupla portista.

Embora a linha de defensores fosse segura e eficiente, havia ainda um elo vital para o balanço defensivo e o funcionamento do setor de frente. A dupla de volantes, com Costinha e Maniche, garantia a sintonia fina da equipe. Enquanto o primeiro se dedicava, sobretudo, à destruição das jogadas dos rivais, o segundo aliava dotes defensivos a uma saída de bola limpa e muita movimentação, com constantes chegadas à frente e chutes potentes, que ajudavam no setor criativo.

Jorge Costa Vitor Baía FC Porto
Foto: Getty Images

As qualidades dos atletas eram potencializadas pela forma como o Porto impunha sua estratégia. A extrema competitividade e o vigor impulsionados por Mourinho nos treinamentos podiam demandar esforços fatigantes de seus atletas, mas os reflexos se materializavam no campo. O time marcava por pressão e mantinha a linha defensiva muito avançada, que costumava deixar os ataques adversários em impedimento.

"A forma de trabalhar e comunicar foi uma novidade tremenda. Sabíamos que ele vinha com uma bagagem muito forte e tinha experiência de vestiário, mas faltava o cunho pessoal. A confiança transmitida era tão forte que pensávamos que éramos excelentes jogadores", contou Maniche à Agência Lusa, como reproduzido pelo Record.

Na criação das jogadas, havia dois jogadores em momento genial. Com toques de magia, Deco era o armador responsável pela distribuição da bola, com passes milimétricos e cobranças de falta inspiradas; dividia espaço com Carlos Alberto — então um jovem de 19 para 20 anos, de futebol imprevisível, rápido, dado a dribles, inventivo, despreocupado e letal. O ex-jogador do Fluminense vivia uma fase em que pará-lo era missão para poucos.

Convém notar que o fato de se tratarem de jogadores de vocação ofensiva, ambos tinham papel crucial quando o Porto perdia a bola. Enquanto Deco baixava e formava um triângulo com Maniche e Costinha, Carlos Alberto cobria um dos flancos.

No ataque, o esquadrão português contava com uma dupla que se completava. Com sua velocidade e habilidade, o brasileiro Derlei apoiava a equipe vindo de faixas externas do campo; McCarthy, por sua vez, cuidada de se colocar bem na área adversária e empurrar a bola para as redes — o que fazia com propriedade. Os avançados estavam afinados, impressão reforçada por seus números. Foram 16 gols, em 27 jogos, para Derlei; e 25 tentos, em 47 encontros, para seu parceiro sul-africano. 

Não era sempre assim, mas a estratégia mudava pouco. Quando precisava fortalecer o meio-campo, ocasionalmente Mourinho trocava seu centroavante por mais um meio-campista, em geral Pedro Mendes, mas em outras ocasiões o russo Dmitri Alenichev. O entendimento do time permitia, inclusive, migrar do 4-3-1-2 para o 4-3-3 em fases diferentes do jogo.

O jogo portista era determinado. Quando a equipe tinha a posse da bola, a redonda era direcionada para Deco, o regente da orquestra, que buscava desmarcações em velocidade de Carlos Alberto e Derlei, ou tentava um “passe a rasgar” para o centroavante McCarthy. Mesmo o adversário conhecendo as armas do selecionado azul e branco, a equipe mantinha um bom nível de imprevisibilidade. O que se acentuaria em pouco tempo, com as chegadas de Diego Ribas e Ricardo Quaresma.

Deco Porto
Foto: Getty Images

Além de ter sido uma equipe muito ajustada, em alguns momentos, o Porto também teve a chamada “sorte de campeão”. Depois de superar uma fase de grupos com adversários duros, vendo o Real Madrid avançar com a liderança e Marseille e Partizan serem eliminados, o time viajou à Inglaterra.

Nas oitavas de finais da Champions, o Porto bateu o Manchester United em casa por 2 a 1 e perdia o jogo de volta, 1 a 0, até o minuto final, placar que o eliminaria. Então, o improvável aconteceu. Costinha, o cão de guarda da defesa, aproveitou o rebote de uma falta cobrada por McCarthy e empatou o jogo, classificando o Porto para as quartas. Improtante: os Red Devils tiveram um gol mal anulado, convertido por Paul Scholes.

A equipe passaria ainda pelo Lyon, outro quadro que vivia um momento excelente, o Deportivo La Coruña, e o Mônaco, treinado por Didier Deschamps, na final. Outra vez, a sorte a acompanharia. Giuly não era apenas uma referência técnica crucial para os planos monegascos, mas também seu capitão. Transcorrida metade do primeiro tempo da decisão em Gelsenkirchen, deixou o campo, lesionado. Carlos Alberto não tardaria a abrir o placar, consumado por Deco e Alenichev.

Outro ponto crucial para os sucessos dessa equipe foi a composição do elenco. O Porto não possuía apenas um onze inicial poderoso, mas também várias opções de qualidade no banco de reservas. O zagueiro Ricardo Costa, o lateral direito Bosingwa, o volante Pedro Mendes (como dito, muitas e importantes vezes titular), além do experiente Sérgio Conceição, do já citado Alenichev, que sempre tirava coelhos da cartola, e do lituano Edgaras Jankauskas eram confiabilíssimos. 

Foto: Getty Images

A magia de 2003-04 não ficou apenas no cenário europeu. O Porto venceu também o Campeonato Português daquele ano. Sem dar hipóteses ao seu rival e perseguidor, o Benfica, somou oito pontos a mais e se sagrou campeão com tranquilidade. Sua zaga quase não foi vazada e seu ataque balançou as redes 63 vezes. 

Vencida a Liga dos Campeões, o time disputaria o Mundial de Clubes. Contrariando expectativas, o adversário era o Once Caldas, que batera o Boca Juniors na decisão da Copa Libertadores daquele ano. O Porto já era um time um bocado diferente na altura. Com o sucesso continental, os Dragões perderam o treinador José Mourinho e os defensores Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho para o Chelsea. 

O comando técnico foi passado para o espanhol Victor Fernández, de sucessos no comando do Zaragoza e do Celta de Vigo. Para a lateral direita, foi contratado grego Giourkas Seitaridis, campeão da Euro 2004. Na zaga, passaram a se revezar Pedro Emanuel e o luso-brasileiro Pepe, recém-chegado. 

Deco foi vendido ao Barcelona e substituído pela estrela ascendente de Diego. Chegaram ainda Ricardo Quaresma e Luís Fabiano, atacante que usualmente disputava posição com McCarthy, apesar de ter jogado ao seu lado na final contra os colombianos. A dupla não teve uma noite das melhores no confronto intercontinental. Mas, de fato, era muito difícil superar o ferrolho imposto pelos blancos. As penalidades confirmariam a glória portista — a derradeira cobrada por Pedro Emanuel. 

"Acabei por ser eu a imagem daquela final e foi um pouco do que eu disse no final do jogo: não tive medo de ser feliz ou procurei que refletisse a nossa felicidade coletiva. E acho que foi perfeita essa conquista após dois anos gloriosos, para mim, mas principalmente para o clube e para o grupo de trabalho que muito conquistou", comentou o beque, em entrevista ao O Jogo.

Beirando a perfeição atrás e imparáveis na frente, foi como um sonho o que o Porto viveu no final da primeira metade dos anos 2000.

Jogos importantes no período


Oitavas de Finais da UEFA Champions League: Manchester United 1 x 1 Porto


Old Trafford, Manchester

Público: 67.000.

Árbitro: Valentin Ivanov

Gols: Scholes ’32 (Man. Utd.) e Costinha ’90 (Porto)

Manchester United: Tim Howard; G. Neville, Wes Brown, John O’shea e Phil Neville; Darren Fletcher (Cristiano Ronaldo) (Solskajer), Nick Butt, Eric Djemba-Djemba (Louis Saha)e Paul Scholes; Giggs e Van Nistelrooy. Téc. Alex Ferguson

Porto: Vitor Baia; Paulo Ferreira, Jorge Costa (Pedro Emanuel), Ricardo Carvalho, Nuno Valente; Costinha, Maniche, Deco, Carlos Alberto (Jankauskas); Alenichev (Ricardo Fernandes) e McCarthy. Téc. José Mourinho.

Final da Liga dos Campeões da Europa: Monaco 0 x 3 Porto


Arena AlfSchalke, Gelsenkirchen

Público: 52.000.

Árbitro: Kim Nielsen

Gols: Carlos Alberto ’39, Deco ’71 e Alenichev ’75 (Porto)

Mônaco: Roma; Ibarra, J. Rodríguez, Gael Givet (Squillaci), Patrice Evra; Edouard Cissé (S. Nonda), Lucas Bernardi, Akis Zikos; Ludovic Giuly (Dado Prso), Fernando Morientes e Rothen. Téc. Didier Deschamps

Porto: Vitor Baia; Paulo Ferreira, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Nuno Valente; Costinha, Maniche, Pedro Mendes e Deco (Pedro Emanuel); Carlos Alberto (Alenichev) e Derlei (Benni McCarthy). Téc. José Mourinho


5ª Rodada do Campeonato Português: Porto 2 x 0 Benfica


Estádio das Antas

Gols: Derlei 30’ e Argel contra 52’.

Porto: Vitor Baia, Paulo Ferreira, Jorge Costa, Ricardo Carvalho, Nuno Valente; Costinha, Maniche (Bosingwa), Deco e Ricardo Fernandes (Pedro Mendes); Jankauskas (Hugo Almeida) e Derlei. Téc. José Mourinho.

Benfica: Moreira, Miguel, Argel, Luisão, Ricardo Rocha; Petit, Zahóvic (Cristiano), Tiago (Fernando Aguiar); Simão Sabrosa, Fehér (João Pereira) e Sokota. Téc. José Camacho.

Final do Mundial: Porto 0 (8) x 0 (7) Once Caldas


Estádio Internacional de Yokohama, Yokohama.

Público: 60.000.

Árbitro: Jorge Larrionda (URU)

Porto: Vitor Baia (Nuno); Seitaridis, Jorge Costa, Pedro Emanuel e Ricardo Costa; Costinha, Maniche e Diego; Derlei (Carlos Alberto), Luís Fabiano (Ricardo Quaresma) e McCarthy. Téc. Victor Fernandez

Once Caldas: Henao; Miguel Rojas, Cambindo (Cataño), Vanegas e John García; Rúben Velasquéz, Diego Arango (Díaz) e Jonathan Fabbro; John Viáfara, Antônio de Nigris e Elkin Soto (Herly Alcázar). Téc. Luis Montoya

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