Lições que se pode tirar do Cruzeiro

Atual campeão nacional e líder da edição corrente do Brasileirão, o Cruzeiro mudou da água para o vinho. Alavancado pelo sucesso do Atlético, seu grande rival, optou pela contratação de um treinador novo no mercado – apesar da idade – e pouco a pouco, com paciência, modelou o elenco mais rico do país. Coeso e equilibrado, o clube mineiro entendeu, de forma única, algumas práticas do futebol europeu e, na contramão do que usualmente ocorre no futebol brasileiro, apostou em um trabalho de longo prazo. Curiosamente, os resultados vieram rápido.


Factualmente, há que se pensar como um clube que flertou com o rebaixamento em 2011 ressurgiu tão rapidamente e, de forma incrível, tem feito um sólido e contínuo trabalho. Não é que tenha consagrado um padrão a ser seguido, mas, indubitavelmente, há lições que podem ser tiradas da Raposa.

1 – Vale a pena apostar no novo

Quando o Cruzeiro contratou o treinador Marcelo Oliveira (foto), enfrentou duras manifestações contrárias a sua escolha. Após duas fracas temporadas, o acerto com um treinador que havia feito um trabalho efêmero e fraco no Vasco e que estava credenciado, apenas, pelo fato de ter conquistado dois Campeonatos Paranaenses e dois vice-campeonatos da Copa do Brasil, pelo Coritiba, parecia garantir mais uma temporada ruim. Tendo um passado histórico como jogador e treinador do Atlético, Marcelo se viu contestado antes mesmo de começar a trabalhar.

Apesar disso, o tempo e o trabalho confirmaram que o Cruzeiro acertou em cheio. Bom gestor de grupo, taticamente evoluído e extremamente competente no trabalho com jogadores jovens, o treinador mostrou para o resto do Brasil o quão superior ele está em relação aos demais. Não à toa, no momento, muitas pessoas envolvidas com o futebol brasileiro não hesitam em qualificar o time mineiro como uma equipe europeia jogando o Campeonato Brasileiro. Ponto para o Cruzeiro, que, com muita visão, apostou e foi bem-sucedido, como asseguram os títulos do Campeonato Brasileiro e Mineiro.

Por outro lado, times que tem apostado em nomes renomados não têm conseguido cumprir as expectativas.

2 – Toda contratação é reforço

Muitas vezes nos deparamos com notícias de que “clube x contrata 10º reforço para a temporada”. Obviamente, se analisarmos o termo “reforço”, a conclusão a que se chega é que os times contratam por contratar. Poucas contratações revelam-se, de fato, reforços, jogadores que agregam novo, diferente e útil valor à equipe.

Ao analisar as contratações celestes, é perceptível que o clube tem tido olho clínico em suas contratações. No último final de semana, o Cruzeiro tinha em seu banco  de reservas jogadores do quilate de Dagoberto, Willian, Nilton e Manoel (foto), por exemplo. Todos estes seriam titulares na grande maioria dos clubes brasileiros. Dessa forma, o clube suporta de forma muito mais consistente os problemas que ocorrem durante a temporada (lesões e suspensões). Além disso, muitos desses jogadores, hoje extremamente valorizados, chegaram sem muita badalação e com custo relativamente baixo, fruto de uma impressionante capacidade de análise do mercado. 

Resultado? O clube tem muito mais do que 11 titulares.

3 – Competitividade no elenco é uma das chaves para o sucesso

“Fenômeno” decorrente da fartura de bons jogadores, a competitividade sadia praticada no Cruzeiro é fundamental para o desempenho do time. O fato de ter muitos jogadores em condições de figurar entre os titulares evita que os atletas entrem na chamada “zona de conforto.” Joga quem estiver em melhores condições. Nessa esteira, todos os jogadores mantem-se trabalhando para alcançar o ápice de suas formas, tanto para se manterem na titularidade, quanto para postulá-la.

Exemplo claro do resultado dessa prática é a retomada da titularidade de Henrique (foto). Apesar de ter contado com algumas lesões de Nílton, o antigo titular, e um dos grandes destaques do ano passado, foi claramente perceptível a evolução de seu futebol. Hoje, é o vice-líder de desarmes da equipe (segundo o site Footstats.net) e tem exercido papel fundamental na primeira construção das jogadas do time. Para retomar a titularidade, Nilton terá que atingir seu melhor nível, obrigando Henrique a manter seu desempenho. Ou seja, com competitividade, os jogadores se mantém em estado permanente de alerta, sempre em busca de sua melhor forma.

4 – Comprometimento é fundamental

Com tantos jogadores de grande qualidade, o clube precisa mantê-los motivados. Várias vezes grandes elencos não obtiveram resultados em função dos “rachas no elenco”. Com o ego muito exacerbado, muitos jogadores já prejudicaram seus clubes por não serem titulares. Com a competitividade, os jogadores veem com muita clareza que há meritocracia no clube e sabem que a escolha dos titulares é justa.

Ao invés de reclamarem da condição de reservas, os atletas cruzeirenses tem buscado superar-se para voltar ao time principal. A falta de egos da equipe mantém o foco dos jogadores no clube. Hoje titular, Marcelo Moreno chegou em baixa e com poucas perspectivas de titularidade. Com muito trabalho e desempenhando papel muito amplo - ajudando na marcação - tem prejudicado sua marca individual, mas ajudado muito o coletivo. No momento, apesar da falta de gols, Moreno tem sido importantíssimo taticamente para equipe, garantindo mais espaços para seus companheiros marcarem os gols. Isso é um dos fatores preponderantes para a montagem de um time campeão.

5 – É importante ter variações táticas e técnicas

Com muito destaque, é evidente que o clube passa a ser estudado com mais afinco por seus rivais. Por isso, para não ficar “manjado”, precisa manter-se evoluindo. E isso é outra qualidade perceptível no time. No jogo contra o Figueirense, por exemplo, o time fez mais gols sem um centroavante de ofício em campo do que com ele. A constante movimentação de seus jogadores dá muitas opções ao treinador.

Além disso, o clube tem jogadores de características diferentes para as mesmas posições. Na lateral direita, por exemplo, Mayke (foto) é mais ofensivo e Ceará mais defensivo, ambos donos de ótima qualidade. No ataque, setor recheado da equipe, Dagoberto, Willian, Marquinhos, Neílton e Alisson brigam, teoricamente, por uma vaga e, de forma alguma, pode-se dizer que os jogadores tenham as mesmas características. Na contenção, os titulares atuais são Lucas Silva e Henrique, jogadores de ótima saída de bola, mas não tão fixos na marcação. Se precisar de jogadores mais defensivos, Marcelo Oliveira pode optar por Willian Farias ou Nilton.

Conclusão: além de manter o esquema tático variável, o Cruzeiro pode, baseado nas características individuais de seus jogadores, modelar sua equipe conforme o adversário, algo que é extremamente praticado e eficaz nos grandes clubes do futebol europeu.

Como o futebol não é estático, é importante que o analista do futebol se mantenha estudando. No momento, no Brasil, não restam dúvidas de que do Cruzeiro podem ser tiradas muitas e valiosas lições, afinal o clube saiu do fundo do poço para um patamar em que, no país todo, só ele chegou.

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