Na Copa América, Brasil contraria tendência

Buscando seu nono título da Copa América, após o fracasso do último torneio, em 2012, a Seleção Brasileira vai ao Chile machucada pelo vexame da Copa do Mundo do ano passado e com uma necessidade nunca antes de vista de se reafirmar no cenário do futebol. Com isso em mente e diante do que tem acontecido no futebol tupiniquim, o treinador Dunga contrariou uma tendência atual dos países sul-americanos e vai encarar a competição com um estilo diferenciado.



De qual tendência estamos falando?

O país que já contou com as referências de Tostão, Jairzinho, Careca, Romário e Ronaldo disputará a Copa América sem uma referência no comando do ataque. Embora a ausência de um centroavante tenha se tornado tema de muito debate nos últimos anos, sobretudo após o brilhante treinador Pep Guardiola ter realocado Lionel Messi na função de “falso 9”, a experiência do tempo manteve a tradição e os centroavantes não desapareceram. E mais do que isso! Na Copa América, grande parte deles segue sendo a grande esperança de seus países.

Uma rápida olhada na convocação dos rivais Canarinhos revela a realidade: da Argentina, vêm Sergio Agüero, Gonzalo Higuaín e Carlitos Tévez; da Bolívia, Marcelo Moreno; do Chile, Maurício Pinilla; da Colômbia, Carlos Bacca, Jackson Martínez e Falcao García; do Equador, Enner Valencia; da Jamaica, Giles Barnes; do México, Raúl Jiménez, Eduardo Herrera, Enrique Esqueda e Matías Vuoso; do Paraguai, Roque Santa Cruz e Lucas Barrios;  do Peru, Paolo Guerrero e Claudio Pizarro; do Uruguai, Edinson Cavani, Abel Hernández e Jonathan Rodríguez; e da Venezuela, Salomón Rondón (foto).

Embora não apresentem as mesmas características, todos esses nomes tem uma coisa em comum: a afeição pela grande área adversária. E poderíamos contar com mais dois nomes de relevo: o paraguaio Óscar Cardozo, lesionado, e o craque uruguaio Luis Suárez, suspenso.

Já no elenco de Dunga, nenhuma das figuras de ataque vivem em função de atormentar os goleiros adversários. Peças do ataque, Neymar, Diego Tardelli, Robinho e Roberto Firmino apresentam características muito distintas daquelas do centroavante nato e deixam claro que o Brasil não seguirá a tendência continental.

Por que Diego Tardelli não é essa figura?

Quem se lembra do problemático Diego Tardelli do início de sua trajetória no São Paulo e de todos os seus passos até sua primeira chegada ao Atlético Mineiro, mas deixou de acompanhá-lo desde então, certamente, encontraria um ponto de desacordo com o que tem sido exposto – ‘Diego Tardelli, certamente, é um centroavante’, diria o referido amante do esporte bretão, que, até então, não estaria errado.

No entanto, desde o fim da parceria de Tardelli com Éder Luís, ao final do ano de 2009, o camisa 9 da Seleção Brasileira revela uma faceta diferente. Desde 2010, quando compartiu o ataque com Obina no Galo, o jogador passou a mostrar que seu melhor futebol não necessariamente acontece na área do adversário. Sua qualidade técnica e rapidez, o transformaram em um jogador de enorme movimentação e capaz de circular por toda a faixa de meio-campo e ataque das equipes que representa.


Foi assim no Atlético, onde conviveu, na maior parte do tempo, com as referências de Obina e ; no Anzhi Makhachkala, que tinha Samuel Eto’o em seu elenco; no Al-Gharafa, onde jogou com Afonso Alves e Edmílson; e tem sido assim no Shandong Luneng, cuja referência é Aloísio, ex-São Paulo. Hoje, Tardelli é mais útil jogando como uma figura solta no ataque, o “falso 9” que Guardiola ressuscitou no Barcelona – jogador que participa muito das jogadas, cria alternativas para seus companheiros e, eventualmente, aparece em condição de marcar gols.

Quanto a seus companheiros – Robinho, Neymar e Roberto Firmino –, parece desnecessário debater sobre o quão diferentes suas funções são daquelas que se visualiza no tradicional centroavante – o Brasil só teria essa figura em caso de lesão de algum dos convocados, uma vez que Dunga chamou Leandro Damião para sua lista de espera.

Qual o impacto disso?

O principal impacto dessa nova formatação da Seleção Brasileira é a alteração conceitual da equipe. Se, na Copa do Mundo de 2014, Felipão levou Fred e para o ataque, a fracassada experiência trouxe a necessidade de mudança, partindo, inicialmente, de uma grande queixa do torcedor brasileiro: o isolamento e a pouca utilidade que seus últimos centroavantes apresentaram. Hoje, seja qual for a formação escolhida por Dunga, o Brasil ganha intensidade e movimentação, pois atua com uma figura a mais na criação das jogadas.

Jogando sem uma grande referência, o Brasil passa a precisar que todos os outros jogadores do setor de criação assumam responsabilidades pelos gols e por todo o trabalho ofensivo, o que parece ser a opção mais lógica, diante do material humano do qual o país dispõe no momento – sem qualquer centroavante destacável. Convocados, Neymar, Willian, Philippe Coutinho, Douglas Costa, Éverton Ribeiro, Robinho, Diego Tardelli e Roberto Firmino são figuras que se encaixam nesse estilo de jogo.

Embora tenham preferências posicionais, nenhum deles apresenta grandes dificuldades de se apresentar em outro setor do campo de ataque. Apesar disso, a grande qualidade técnica, habilidade, velocidade e movimentação dos jogadores passa a ser o “x da questão” tupiniquim. Na teoria, o time tem tudo para funcionar dessa maneira, no entanto, cada jogador da faixa ofensiva tem que estar consciente de suas atribuições, para que o jogo flua. Eis a grande questão brasileira: a fluidez.

Hoje, não há no país um centroavante que assuma responsabilidades e decida partidas como outrora e como nossas rivais da Copa América têm. O ponto de desequilíbrio brasileiro é, obviamente, Neymar e, sendo assim, caberá a ele, o capitão Canarinho, comandar o setor ofensivo brasileiro, jogando, ajudando a equipe a jogar (garantindo a citada fluidez), e, eventualmente, decidindo os jogos com sua peculiar e assombrosa qualidade individual.

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