O Leicester campeão apaixona porque reflete nossos anseios

Luta contra o rebaixamento em 2014-15, contratação de um técnico contestado pela ausência de bons resultados recentes, pouco investimento e uma história com muito mais dificuldades do que glórias. Esse foi o panorama com o qual o Leicester City se apresentou para 2015-16, o que hoje é público e notório para quem acompanha o futebol. A despeito disso, desafiando as probabilidades e quebrando casas de apostas, os Foxes subverteram a ordem do futebol inglês, ganharam a Premier League e emocionaram o mundo. A grande razão? A crença constante no trabalho diário e feito passo a passo.

Leicester 20105-16



Muitas vezes, em nossas vidas, nos vemos em becos sem saída, engolidos por trabalhos que não suprem nossas necessidades emocionais e não nos tornam pessoas felizes. Os pequenos êxitos parecem fazer parte de uma linha que nunca chega a um ponto final e não encontra um término positivo. Aos poucos, o trabalho diário fica automático e, diante de dias que somente se repetem uns aos outros, a crença em um futuro mais satisfatório sucumbe.

No futebol, exemplos assim também não faltam. Incontáveis são as situações em que equipes largam muito bem em seus campeonatos, com inícios promissores, e, por várias razões, perdem fôlego durante o correr de suas campanhas, recebendo a pecha de “cavalos paraguaios”. Assim, os vitoriosos tornam-se mais vitoriosos e os demais seguem suas vidas com poucas aspirações – meio de tabela, luta por vagas em competições continentais e contra o rebaixamento, sempre à sombra daqueles “mais ricos”, “bem-sucedidos” e “inalcançáveis”.

Por que o Leicester emociona quem acompanha sua trajetória e causa arrepios? Porque os Foxes desafiam a lógica de que o melhor só melhora e os demais seguem suas vidas; porque após 132 anos de vida, o clube não enxerga seu passado opaco e pouco expressivo como uma linha inalterável; porque acredita: em si como coletivo e no ser enquanto indivíduo.

Defendendo a meta do clube, um nome transpira pedigree: Schmeichel. Hoje é fácil apontar Kasper Schmeichel, filho do grande Peter Schmeichel, ídolo do Manchester United, como um dos melhores arqueiros da temporada, mas no início da presente quem ousaria entregar-lhe sua baliza, com o atleta já próximo dos 30 anos e sem êxitos até então?

Claudio Ranieri Leicester

Exemplos nesse sentido não faltam. Outrora promissor e selecionável alemão, Robert Huth rondou por anos na periferia do futebol inglês, para, enfim, passados os 30 anos, voltar às glórias de seu início. Quem não chegou ao clube vindo das margens do futebol, desembarcou sem qualquer expectativa. Talvez o melhor destes exemplos seja justamente o treinador Claudio Ranieri. Sua contratação foi jocosamente tratada como um indício de um descenso iminente.

Um time sem estrelas e com um comandante contestado teria que futuro?

Hoje o Leicester pode ser comparado àquele trabalhador que não se acomoda com sua própria insignificância diante de um mundo cada vez mais global e recusa-se a aceitar uma realidade que não lhe supre os anseios. Aquele que se organiza com um propósito, se apega a ele e não poupa esforços para alcançá-lo, confiante de que, mais dia, menos dia, o sol brilhará para si. E isso é cativante, maravilhoso e incrível. É renovador e foge do lugar-comum. Como não sentir empatia por um grupo tão destemido como este?

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Como não se apaixonar pelos dribles de Riyad Mahrez, a presença de Jamie Vardy e a onipresença de N’Golo Kanté. Da mesma forma, como não vislumbrar um brio ofuscante na entrega de Marc Albrighton, Danny Drinkwater, dos laterais Christian Fuchs e Danny Simpson ou do capitão Wes Morgan?

Por essência, queremos deixar nossa marca no mundo e se nem sempre podemos brilhar enquanto indívíduos, desejamos que nosso trabalho fale por nós. Justamente o que o Leicester fez.

Crença e trabalho duro e diário consagraram um time de pequeno orçamento na liga mais rica do mundo. Impossível? Impensável? Para uma visão limitada sim, mas para um time que ganhou identidade no slogan “fearless” (“destemido”, em tradução livre), não. Para essa equipe, não existe o impossível. E isso é tudo o que tentamos nos convencer na dureza do dia-a-dia.

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