Por um novo West Ham

O sonho de consumo do Manchester City foi, durante muitos anos, o treinador Pep Guardiola. Entre sua saída do Barcelona e acerto com o clube mancuniano, passando pelo Bayern de Munique, a vida não parou no estádio Etihad. Durante três temporadas, o chileno Manuel Pellegrini fez um bom trabalho à frente dos Citizens. Conquistou um título da Premier League e dois da Copa da Liga Inglesa. Eventualmente, Pep chegou e ele foi para a China. Agora, quando a campanha de 2018/19 se projeta, Pellegrini retorna à Terra da Rainha, propondo uma reformulação geral no West Ham.


Pellegrini Masuaku
Foto: Divulgação/West Ham


Ao ataque: as primeiras mudanças


Algumas das palavras iniciais que Pellegrini ofereceu em sua apresentação nos Hammers certamente animaram os torcedores da equipe: “Penso que futebol atrativo é para os torcedores [...] É claro que precisamos nos defender, mas o futebol que sempre pratiquei na Europa sempre agradou os torcedores”. 

A promessa de futebol ofensivo certamente é algo que deve ter provocado suspiros em uma torcida acostumada ao jogo pragmático e cínico (talvez o melhor exemplo tenham sido os anos de comando de Sam Allardyce). Nada contra a ideia que se propõe mudar, ela representa um jeito diferente de se jogar o esporte. A questão é que o West Ham nada conquistou aplicando-a e busca uma mudança.

As novidades que para já se verificam vão ao encontro do discurso do treinador. 

Tempos de muitas transferências


Depois de um período curtinho no clube, em que não foi bem, o lateral Patrice Evra não teve seu contrato renovado. Quem também sai, este em situação distinta, é o zagueiro James Collins. O galês foi um dos grandes ícones do passado recente do West Ham. O carequinha era certeza de força no jogo aéreo, mas a verdade é que suas deficiências com a bola nos pés eram evidentes.

Para o setor, duas novidades se apresentam: o francês Issa Diop (21) e o paraguaio Fabián Balbuena (26). O primeiro é um diamante bruto que vem sendo lapidado. Apresenta qualidades na bola pelo alto (tem 1,94m) e tem velocidade para acompanhar atacantes e fazer a cobertura dos laterais. Contudo, ainda vive um processo de adaptação ao jogo com os pés. Não está pronto para oferecer uma boa saída de bola. O sul-americano, por outro lado, demonstra mais segurança nesse departamento, para além de se tratar de um jogador mais pronto.

Na retaguarda, o saldo geral da janela de transferências do West Ham é bom. Em Diop e Balbuena, o clube tem dois bons valores para bastante tempo. Eles também fazem parte de um processo de rejuvenescimento da equipe e reforçam o compromisso do clube com planos grandiosos, uma vez que os dois beques eram pretendidos por várias equipes.

Balbuena West Ham
Foto: Divulgação/West Ham
Por ora, a chegada de dois zagueiros dá um sinal claro: serão novos tempos na retaguarda. Winston Reid e Angelo Ogbonna seguem no plantel, mas devem perder espaço. Não é para menos, tendo em vista que o clube teve a pior defesa da última edição da Premier League, sofrendo os mesmos 68 gols que o rebaixado Stoke City.

A lateral direita também ganhou reforço. Velho conhecido de Pellegrini, dos tempos de City, o argentino Pablo Zabaleta está envelhecido. Aos 33 anos, já não consegue entregar o mesmo futebol, dedicação e garra que tanto o caracterizaram nos Citizens. Tende a ser importante, sobretudo por sua experiência. Porém, a contratação de Ryan Fredericks, ex-Fulham, coloca sua titularidade em xeque. O lateral inglês foi um dos destaques dos Cottagers em seu retorno à Premier League, com sete assistências na Championhip.

Passes, dribles e gols


Os dois reforços de quem mais se espera impacto, entretanto, trabalham no meio-campo. Após viver um calvário marcado por inúmeras lesões, o talentoso Jack Wilshere deixou o Arsenal ao final de seu contrato e chega aos Hammers sem custos. A promessa de uma circulação de bola melhor, passa diretamente por seus pés.

Essa, aliás, promete ser a grande chance do meia. Aos 26 anos, já não é um garoto. Se há um momento para a recuperação de sua carreira ele é agora. “Jack é um jogador com excelente técnica, combinada com grande energia e comprometimento, e já mostrou sua qualidade tanto na Premier League quanto com a seleção”, disse Pellegrini. Se superar os problemas físicos, tende a ser fundamental. 

O time, que já conta com a imposição física de jogadores como Pedro Obiang e Cheikhou Kouyaté, ressentiu-se na última temporada da falta de alguém com o perfil de Wilshere.

A contratação mais impactante aos cofres do West Ham, no entanto, foi a do brasileiro Felipe Anderson. Negócio mais vultoso da história do clube (£33,5 milhões), o meia se provou nos últimos anos. Atuando na Lazio, viveu grandes momentos — em especial na temporada 2014/15. 

Felipe Anderson West Ham
Foto: Getty Images
Nos últimos tempos, porém, passou a ser mais lembrado por tentar deixar o clube do que propriamente por seu futebol. Outro ponto a ser considerado é o fato de nunca ter conseguido superar a alcunha de “Sleep Anderson”. A técnica de Felipe é insuspeita, como também sua propensão a desaparecer em alguns momentos. Mas é ele quem traz a dose de criatividade que o clube não tinha.

Outra contratação, a primeira vista, útil foi a do ucraniano Andriy Yarmolenko. Apesar de ter passado um período que não foi dos melhores no Borussia Dortmund — sua primeira experiência fora de seu país — o ponta tem características que permitem imaginar seu sucesso na Premier League. Tem boa técnica, porte físico e uma especial predileção para balançar as redes. É mais um winger de gols do que de assistências. 

Eles se juntam àquele que foi, possivelmente, o único destaque dos Hammers na última temporada: o atacante austríaco Marko Arnautovic. Com Felipe já tendo feito todas as funções do meio campo ofensivo (atuando pelo centro, pela direita e pela esquerda) e Yarmolenko também já tendo sido utilizado pelos dois lados — preferencialmente pelo direito — ainda é difícil imaginar a forma como Pellegrini os encaixará. 

Porém, há pouca dúvida de que todos deverão atuar, mesmo porque Pellegrini sempre mostrou uma especial predileção pelo esquema tático 4-2-3-1, com um criador, por dentro, e dois ponteiros.

Mudança de mentalidade


Outra questão levantada quando da contratação do treinador chileno remeteu à existência de um suposto “DNA da derrota” no clube londrino. Em entrevista ao The Times' The Game podcast, reproduzida pelo The Daily, Stewart Robson, ex-jogador do West Ham entre as década de 80 e 90, foi enfático:

“Joguei no West Ham e deixei um ambiente profissional no Arsenal pelo do West Ham, que só tinha conseguido chegar em terceiro na liga e os jogadores faziam o que queriam [...] Há algo no DNA que não está certo no West Ham. Sempre os vejo indo perder por 4 a 0, 5 a 0 [...] Eles têm algo errado com seu DNA em termos de profissionalismo e mentalidade”.

Talvez essa seja uma explicação pela qual, não importa o quanto gaste, o clube não alcança o sucesso. Sua última conquista relevante foi o título da FA Cup de 1980. Nos últimos 10 anos (excetuando a atual temporada), os Hammers gastaram €341,87 milhões. 

Nesse meio tempo, houve até um rebaixamento em 2010/11. Aqui também pode valer a máxima de que não basta gastar, é preciso gastar bem. E ao que tudo indica, esse é o caminho do clube em 2018/19, a temporada que registra o maior dispêndio de sempre no clube: €95 milhões, ou 27% de tudo o que foi gasto nos últimos 10 anos.

Marc Noble West Ham
Foto: Divulgação/West Ham
A gestão de Pellegrini também passa por esse caminho. Nos tempos de Premier League (desde 1992), certamente o chileno é o treinador mais experimentado a passar pela equipe. Aliás, depoimento recente do capitão Mark Noble, ao site oficial dos Hammers, foi nesse sentido:

“Pelo que vi até agora [...] ele quer mudar a mentalidade do clube e melhorar algumas pequenas coisas para permitir que as grandes apareçam [...] Ele quer mudar a mentalidade e trazer uma mentalidade vitoriosa para o clube. Sabemos que vamos perder jogos, todos perdem, mas o fato é que irmos para os jogos com a mentalidade vencedora significa muito”.

Não foi por acaso que o West Ham assinou um contrato de três temporadas com Manuel Pellegrini. Há muito trabalho a ser feito. Isso sem falar em um outro fator problemático na última temporada: a difícil adaptação do clube ao estádio Olímpico de Londres. Apesar dos pesares, o clube escolheu um treinador com estofo e experiência para conduzir essa revolução. Dificilmente os resultados concretos serão percebidos rapidamente, mas, para já, os primeiros sinais são bons.

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