O acidente que mudou a carreira de Gianluigi Lentini

É quase uma regra: quando um jovem desponta no mundo da bola, e obtém destaque, chama para si os holofotes. Muitas vezes, com isso vem uma dose de pressão e expectativa. Para alguns, esse é o momento que os impede de evoluir e cumprir seu potencial. Porém, os melhores acabam tendo uma convivência pacífica com isso. O que se esquece, em algumas oportunidades, é que mesmo esses são seres humanos, cujas vidas podem mudar subitamente. A carreira de Gianluigi Lentini é um exemplo claro disso.


Gianluigi Lentini Milan
Foto: ACMilan.com

O grande talento do Torino


Os anos 1980 e 90 são amplamente reconhecidos como o período dourado do futebol italiano. Quase todo time tinha um ou dois grandes craques, jogadores famosos em escala mundial. Todos queriam atuar na Velha Bota e muitos estrangeiros desembarcaram no país. Aquele poderia não ser o melhor contexto para o despontar de talento local. Entretanto, acabou sendo. A seleção italiana de 1990 era reconhecidamente talentosa e a de 94 foi vice-campeã mundial.

Na segunda metade dos anos 80, no Torino, surgiu um desses atletas que pareciam destinados à grandeza. Gianluigi Lentini tinha tudo para brilhar no futebol. 

Normalmente um ponta, tinha o drible e a velocidade necessários para se destacar. Também não ficava nervoso à frente dos goleiros adversários e possuía um senso de posicionamento apurado para estar no lugar certo e marcar gols. Não foi por obra do acaso que conquistou suas primeiras oportunidades como profissional logo aos 17 anos — na temporada 1986/87.

Lentini Torino
Foto: ACMilan.com
Apesar disso, suas duas primeiras campanhas foram de adaptação. Embora tivesse as qualidades necessárias para chegar ao topo, ainda estava verde. Jogou 22 vezes em seus primeiros anos de carreira. Em 1988/89 foi emprestado ao Ancona. Titular absoluto, ganhou minutos e experiência, aprendeu a apanhar e ganhou músculos, embora o time não feito lá uma grande campanha, terminando em 13º lugar. Lentini retornou no ano seguinte, para ajudar a reerguer o Torino.

O clube de Turim estava, naquela altura, na segunda divisão. Com o jogador em grande, a equipe granata voltou à Serie A, com o título. 

Nos dois anos que se seguiram, ajudou-a a conquistar a Copa Mitropa, em 1991, a chegar em terceiro lugar no campeonato italiano e ser vice da Copa da UEFA (eliminando o Real Madrid nas semifinais, com a derrota para os holandeses do Ajax, na final, se dando apenas no critério do gol fora de casa), estes êxitos na campanha de 1991/92.

Ao lado de jogadores como Walter Casagrande e Enzo Scifo, Lentini brilhou. E como é comum acontecer com jogadores jovens de toda a parte do mundo, colocou-se na mira dos maiores times do país.

Jogador mais caro do mundo


Depois de brilhar pelo Torino (e ganhar as primeiras chances na seleção italiana), Gianluigi colocou Juventus e Milan em uma feroz disputa por seus serviços. Ganhou quem ofereceu mais dinheiro. 

Nesse caso, foi o Milan, já naquela época liderado por Silvio Berlusconi. O mandatário rossonero não hesitou em oferecer a fortuna de £13 milhões (ou 19 milhões de liras italianas) pelos serviços do garoto. Assim, Lentini fez as malas, partindo para Milão para a disputa da temporada 1992/93.

Milan Lentini
Foto: ACMilan.com
Em seu primeiro ano de clube, às ordens de Fabio Capello, o garoto triunfou. Foi logo titular de um time que contava com gente da estirpe de Marco van Basten, Ruud Guulit e Jean-Pierre Papin — para nomear apenas os craques da linha de frente. E dificilmente poderia ter oferecido um cartão de visitas melhor. De cara, conquistou a Supercopa da Itália. 

A seguir, na segunda rodada do campeonato italiano, marcou um golaço de bicicleta, contra o Pescara. Duas rodadas mais tarde, voltou a aparecer no placar, no massacre contra a Fiorentina, 7 a 3. No primeiro Derby della Madonnina, contra a Internazionale, fez outro golaço, com um chutaço no ângulo. Na 26ª rodada, contra o Napoli, anotou outro gol belo — dessa vez de puxeta. 

Aquela foi uma grande temporada para o Milan. O clube conquistou a Serie A, em que Lentini fez sete importantes gols. Naquela altura, ele justificava, em absoluto, o investimento feito em seu futebol.

O acidente que que mudou para sempre os rumos de sua carreira


Gianluigi foi o jogador mais do mundo por quatro anos, até ser batido por Alan Shearer, transferido do Blackburn para o Newcastle. Contudo, só fez valer o dinheiro gasto consigo por um. 

Ainda era o ano de 1993, quando um acidente acabou por mudar por completo o destino da carreira de Lentini. O italiano estava retornando de um jogo de pré-temporada, viajando em seu Porsche 911, quando um de seus pneus furou. O azar ocasionou uma colisão a quase 200 km/h. As consequências foram malignas.

Apesar de o Independent ter dito em 4 de agosto de 1993 que “Lentini vai se recuperar das lesões do acidente de carro” a verdade é que isso nunca aconteceu. Ele sofreu fratura craniana. À reportagem dos periódico inglês, o médico revelou que acreditava na recuperação do jogador: “Ele está se recuperando lentamente, reconheceu seu pai e alguns amigos que o visitaram [...] Não deve haver nada que o impeça de retornar ao futebol, mas por favor não me pergunte quando [será o retorno]”.

Lentini voltou aos campos no final da temporada 1993/94. Já não era mais o mesmo. Perdera os reflexos que o tornavam um driblador formidável. Estava aéreo, não parecia a mesma pessoa. Ele permaneceu no Milan até 1996. Esteve no banco quando o time conquistou a Copa dos Campeões da Europa, ainda em 94. 


Carrega consigo também os títulos da Serie A em 1993/94 e 1995/96, além das supercopas de 93 e 94, mas apenas para fins de currículo. Pouca ou nenhuma foi sua influência nessas glórias. 

Ao deixar Milão, passou uma temporada mediana na Atalanta. Depois, tentou a redenção com um retorno ao Torino. Mas, além de já não ser o mesmo, o clube estava mais uma vez na Serie B, vivendo dias difíceis e iniciando um período “ioiô”, mudando constantemente de divisão.

Não é nem que Lentini não jogasse. Ele jogava. Só não conseguia mais obter o desempenho de antes. Não há uma explicação precisa para isso. A única certeza que se tem é a de que existem dois Gianluigi, um prévio ao acidente de 1993 e outro que sucedeu o desastre. 

Depois do Torino, transferiu-se para o Cosenza, em 2001, e rodou por vários nanicos da Itália, até encerrar a carreira em 2012, aos 43 anos.

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