Liverpool x Manchester United: o dérbi do noroeste

Em mais um texto da série Clássicos do Mundo, contamos um pouco sobre o North West Derby: ou, simplesmente, o clássico disputado por Liverpool e Manchester United.
 
North West Derby

Da indústria ao campo (de futebol)


A história começa na Revolução Industrial. Tanto a cidade de Manchester quanto a de Liverpool, separadas por pouco mais de 50 quilômetros, possuíam grande importância para o Reino Unido. À época, Manchester era a urbe mais pujante do setor têxtil inglês, sobretudo no tocante ao algodão. Entretanto, para produzir, as fábricas da cidade precisavam de matéria-prima. E ela chegava pelo porto de Liverpool.

Monopolizando o trânsito das mercadorias, o porto estabelecia altas taxas sobre os produtos que teriam as fábricas de Manchester como destino, em uma demonstração de poder. Assim, Liverpool mantinha posição de destaque na região. Não obstante, essa situação não perdurou. Logo, veio o contragolpe mancuniano, a partir da construção de um canal — referenciado no escudo do United —, que possibilitou o acesso à matéria-prima,à revelia do controle liverpuldiano. 

A iniciativa garantiu anos de êxito para Manchester, que crescia em proporção inversa à estagnação de Liverpool — que recuperaria prestígio anos mais tarde, com a ascensão dos Beatles. 

Manchester Ship Canal

É nessa esteira que começa a rivalidade futebolística entre Liverpool e Manchester United. 

Os Red Devils, como é conhecido o United, foram fundados em 1878, por trabalhadores da ferroviária Lancashire and Yorkshire Railway. Inicialmente, a equipe apenas disputava partidas contra clubes de outras ferroviárias, apresentando-se como Newton Heath LYR

Sua trajetória profissional começou com a participação na Liga Inglesa de 1892-93, todavia, com insucesso. Em 1902, ocorreria importante mudança. Com a liquidação dos débitos gerados pelo clube, através de pagamentos feitos por Harry Stafford e John Henry Davies, a equipe assumiu sua identidade atual: Manchester United. E começou a crescer.


O Liverpool, comumente tratado como os Reds, foi fundado em 1892, derivando de um conflito entre os diretores do Everton e a administração do estádio Anfield (cujo dono era o presidente do Everton). Não houve solução e, após o rompimento entre as partes, o Everton passou a atuar no Goodison Park e John Houlding, o antigo mandatário do Everton, fundou o Liverpool.

Após um início apenas razoável de ambas as equipes, passaram-se longos anos até que elas se afirmassem as maiores vencedoras da Inglaterra. O período entre as décadas de 1910 e 1940 não foi dos mais auspiciosos. O Liverpool retomou sua senda de vitórias em 1947. Na oportunidade, venceu o inglês, mais de 20 anos depois da última conquista. Para o United, foi em 1951 que acabou a espera de 41 anos por uma conquista nacional. 

Desde então, pequenos hiatos sem conquistas à parte, os rivais nunca pararam de ganhar. A partir disso, a rivalidade começou a mudar de patamar.

Entram Busby e Shankly


É impossível separar a história do dérbi das taças e de certos nomes emblemáticos. A trajetória de sucesso do Manchester United começou com a chegada do treinador Matt Busby, responsável pelo comando técnico da equipe entre 1945 e 69 — posteriormente teria outra rápida passagem. Com ele na casamata, o United venceu cinco títulos nacionais, duas Copas da Inglaterra, cinco Supercopas, e uma Copa dos Campeões. 


Além disso, Busby será lembrado por ter sobrevivido ao Desastre de Munique, em 1958. Na ocasião, o avião que levava a equipe de volta à Inglaterra, após uma partida da Copa dos Campeões em Belgrado, explodiu e alguns integrantes do United faleceram. A partir desse marco, e nos anos que se seguiram imediatos, foram importantes também os históricos jogadores David Herd, Albert Quixall, Denis Law, George Best, além de um certo Bobby Charlton, que, na altura, ainda não ostentava o título de Sir.

Durante muito tempo, Busby rivalizou com Bill Shankly, treinador do Liverpool entre 1959 e 74. E o chefe dos Reds não andava mal acompanhado: Shankly tinha em Bob Paisley (eventualmente seu sucessor), Joe Fagan e Reuben Bennett fieis escudeiros, sem os quais o sucesso do Liverpool seria impossível, nas palavras do próprio Shankly. 


Após trazer o Liverpool de volta da segunda divisão, em 1962, o técnico decidiu que sua equipe seria montada com base em um zagueiro e um centroavante. Sob desconfiança da imprensa e de parte da torcida, contratou os escoceses Ronald Yeats e Ian St. John. Com a dupla, e mais alguns atletas formados no clube, como Gerald Byrne e Roger Hunt, a equipe voltou a crescer, alcançando o seu auge nas décadas de 1970 e 80, já sob o comando de Paisley.  

O curioso é que, embora o Liverpool demonstrasse superioridade local nas décadas de 1960 e no início dos anos 70, o primeiro título europeu de um clube inglês foi aquele conquistado pelo United, em 1968. E esse é tido como um dos motivos cruciais para o aumento da rivalidade: o Liverpool podia até mandar na Inglaterra, mas na Europa quem coordenava as ações eram os Diabos Vermelhos.

Mas a situação se alterou, a partir de 1977, quando o time de Anfield venceu sua primeira taça continental. Seria outro comandante o responsável por reequilibrar o dérbi. 

A Era Alex Ferguson


Em 6 de novembro de 1986, chegava ao Manchester United o treinador Alexander Chapman Ferguson. Mais que isso: começava a ser escrito o capítulo mais vitorioso da história da agremiação mancuniana. E havia um princípio regente a ser observado: o mais importante não era levar o Manchester United a ser o melhor clube da Inglaterra, mas torná-lo superior ao Liverpool (ainda que isso significasse levar o clube ao topo).


Alex Ferguson, que também seria titulado Sir, reestruturou o clube de uma forma inimaginável, até para o mais otimista dos torcedores. O primeiro grande mérito foi resistir à pressão inerente a um quadro de quatro temporadas iniciais de seca, em uma era de vacas gordas de seu rival.

Depois, contando com uma safra brilhante de jogadores formados em casa, em que despontaram David Beckham, Ryan Giggs, Paul Scholes, Gary Neville, Phil Neville e Nick Butt — a famosa Class of 92 —, liderados por Eric Cantona, Denis Irwin, Roy Keane e Peter Schmeichel, começou a imprimir sua marca. 

A coroação do trabalho se deu em 1999 quando o Manchester United conquistou a tríplice coroa: Premier League, Liga dos Campeões — em uma das finais mais emocionantes da história —, e Copa da Inglaterra. Ao mesmo tempo, o Liverpool entrou em forte declínio, nacionalmente falando. Não fosse o fantástico título europeu de 2004-05, marcado por atuações inspiradas de Steven Gerrard, Xabi Alonso e Jamie Carragher, o domínio mancuniano seria ainda mais impositivo.

Outras controvérsias também têm servido para apimentar o dérbi, conforme os anos passam. Uma delas aconteceu em 2007. Na oportunidade, o Manchester United vendeu o defensor argentino Gabriel Heinze para o Real Madrid, por um preço inferior àquele oferecido pelo rival, somente pelo prazer de evitar reforçá-lo. Dois anos depois, novo revés liverpuldiano. Embora já não fosse atleta do clube, o Golden Boy dos Reds, Michael Owen, formado no clube, acertou com o United. Polêmica pronta. Como esperado, o jogador foi taxado como traidor, maculando seu relacionamento com seu time original.



Dados...


Até a data da publicação deste texto, Reds e Red Devils haviam se enfrentado 187 vezes. Somavam-se 62 vitórias do Liverpool, 74 do United e 51 empates. 

Somados, os títulos ingleses totalizavam 38 — 20 para o Manchester e 18 para o Liverpool. Campeonatos Europeus eram oito, por sua vez: cinco liverpuldianos e três mancunianos. Os Reds conquistaram ainda sete vezes a Copa da Inglaterra e oito a Copa da Liga Inglesa. Já os Red Devils subiram ao lugar mais alto do pódio de 11 Copas da Inglaterra e de quatro Copas da Liga Inglesa.

Apesar de o século XXI sugerir superioridade do United é difícil prever os próximos capítulos da rivalidade, com a saída da lenda Sir. Alex Ferguson e a chegada de David Moyes. Vale lembrar: clássicos são cíclicos. Até agora, o dérbi do noroeste inglês não tem fugido à regra.

Abaixo as formações mais recentes das equipes:



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