Um Stoke cada vez "menos Stoke"

Desde que ascendeu à Premier League, na temporada 2008-2009, o Stoke City, clube que já tem mais de 150 anos de história, ficou marcado como uma equipe de estilo de jogo “rústico”. Apresentando uma forma de atuação que faria inveja às equipes do primitivo século XIX, o clube alvirrubro criou algumas identidades. Quem não associa os ferrolhos típicos de Tony Pulis e os cruzamentos em cobranças de lateral de Rory Delap aos Potters? Pois bem, desde a chegada do treinador Mark Hughes ao clube, essa estrutura vem desfalecendo e a temporada 2015-2016 pode representar a ruptura total com o antigo paradigma.




Bola no chão: a fartura de meias técnicos

Em sua primeira temporada na Premier League, o Stoke atuava em um tradicionalíssimo esquema 4-4-2 e possuía um objetivo muito bem definido: fomentar a dupla de ataque, formada pelos fortes James Battie e Ricardo Fuller. Entre chutões, alívios que se transformavam em lançamentos e cobranças de lateral na área adversária, o objetivo dos Potters era deixar a bola o mais longe possível de sua defesa e apostar na veia artilheira de sua dupla de ataque. Criatividade era algo praticamente inexistente e drible era vocábulo alienígena no time de Tony Pulis.

Para surpresa daqueles que jamais conseguiram imaginar o time com outra proposta de jogo, desde a última temporada o time passou a contar com atletas estranhos ao jogo aéreo e aos chutões. Com figuras do perfil de Victor Moses, Peter Odemwingie, Bojan Krkic e Marko Arnautovic, Mark Hughes passou a ter peças que preferem um jogo de bola rasteira, toques rápidos, velocidade e habilidade. Não obstante, as muitas lesões sofridas por boa parte do elenco impediram-nos de verificar uma acentuada mudança em 2014-2015.

Para 2015-2016, o clube reforçou a ideia de quebra de paradigma com algumas contratações que chamaram a atenção. Eterna promessa, mas reconhecidamente um jogador de ótima técnica e facilidade no drible, o holandês Ibrahim Afellay desembarcou em Stoke-on-Trent, trazendo uma boa dose de imprevisibilidade à equipe. Além dele, o clube contratou uma aposta criada na base do Barcelona, a afamada La Masia: o winger hispano-marroquino Moha que, na última edição da UEFA Youth League, disputou quatro jogos e marcou dois gols.

Ademais, um reforço mostrou, com clareza, a disposição do time em se modificar e evoluir: Xherdan Shaqiri (foto).  A princípio, o suíço-kosovar não mostrou muita empolgação em uma mudança para a Premier League, mas acabou aceitando-a. Destaque máximo da Suíça na Copa do Mundo de 2014, bom reserva no Bayern de Munique e com passagem apagada pela Inter de Milão, Shaqiri chega ao Stoke com a missão de ser o craque do time. Veloz, condutor de bola, habilidoso e dono de boa finalização de média distância, o canhotinho é a cara do novo Stoke.

Em relação à temporada passada, o único jogador com algum relevo que deixou o clube foi Victor Moses.

A despeito de tudo isso, há uma negociação que foge à essa regra: Joselu, centroavante espanhol de 1,92m. Goleador do Hannover 96 na última temporada, o atleta criado no Real Madrid chega à Inglaterra para ser a referência do ataque. Todavia, embora sua chegada sinalize o uso de um atacante de área, é difícil enxergar o time atuando em função dele.

Emblemático, Crouch deve perder espaço

Com a mudança gradual de estilo de jogo a peça ofensiva que mais deve perder espaço no elenco de Mark Hughes é o grandalhão Peter Crouch (foto), de 2,01m. Aos 34 anos, sempre foi um jogador lento e de recursos técnicos limitados (difícil seria imaginar o contrário, considerando sua altura). No entanto, considerando a postura de jogo anteriormente adotada pelos Potters, ele era o atleta quase perfeito, uma vez que apresentava ótimo desempenho aéreo, não só com gols, mas também escorando bolas para seus companheiros.

Disputando posição com atacantes de diferentes características, mais adaptáveis à proposta e ao estilo de jogo do time, Crouch deve perder espaço. Para seu setor, o clube de Stoke-on-Trent conta com Mame Diouf, jogador mais veloz e que também pode atuar pelas beiradas, com o já citado Joselu e eventualmente com Jonathan Walters, preferencialmente um winger pelo lado direito, mas também um eficaz centroavante.


Com todos os atletas de frente disponíveis é difícil enxergar a presença de Peter Crouch no time titular do Stoke.

É evidente que, sendo um jogador com peculiaridades tão acentuadas dificilmente, o gigante será escanteado por completo, afinal pode vir a ser útil em partidas específicas e no decorrer de jogos mais duros, mas a tendência é a perda de espaço do inglês, o que já se verificou em 2014-2015. Na última temporada, até atuou em 33 partidas da Premier League, mas teve média de apenas 51 minutos em campo por jogo, sendo muitas vezes reserva.

Butland: a aposta para o gol já estava sendo preparada em Stoke-on-Trent

Embora não tenha muito reflexo no estilo de jogo do Stoke, outra mudança importante na equipe ocorreu na meta. Após anos de promessas e destaque nas Seleções Inglesas de base, Jack Butland (foto) finalmente assumirá a titularidade de uma equipe da Premier League. Profissional desde 2011, o goleiro substituirá o ótimo Asmir Begovic, que partiu para o Chelsea, e finalmente poderá provar seu valor.

Quando já se preparava para solicitar uma transferência, uma vez que não conseguia oportunidades, Butland recebeu o voto de confiança há tanto tempo esperado. Com porte interessante (1,96m) e experiência internacional (era o capitão da Seleção Inglesa Sub-21), o jogador recebeu a confiança de Mark Hughes e parece, finalmente, ter encerrado seu período de maturação.

Já no final da última temporada, prevendo a negociação de seu goleiro e destaque, o treinador galês já tinha concedido oportunidades ao garoto, entre as rodadas 35 e 37, o que incluiu uma vitória por 3x0 contra o Tottenham. Ou seja, além de uma mudança de mentalidade em relação ao estilo de jogo, o clube mostra grande planejamento, tendo se preparado para uma inevitável perda.

“Eu penso que a intenção é dar ao Jack Butland uma sequência do time agora. Ele é um jogador em quem nós temos toda a confiança. Ele esperou seu tempo, ele tem sido paciente. Ele é um excepcional jovem goleiro (...) pensamos que seu tempo é agora. Ele terá uma oportunidade de realmente se firmar”, disse Hughes após a venda de Begovic.

O saldo das entradas e saídas

No fim das contas, o saldo de entradas e saídas do Stoke City foi extremamente positivo. Se por um lado, além de Begovic, os Potters perderam o ótimo volante Steven N’Zonzi e o limitado zagueiro Roberto Huth, os comandados de Hughes ganharam reforços competentes a um custo muito baixo. Além dos já citados Shaqiri, Joselu, Moha e Afellay, o alvirrubro contará, por empréstimo, com o promissor volante Marco van Ginkel, com o experiente lateral-direito Glen Johnson, com o interminável goleiro Shay Given, que chegou para o banco de reservas, e com o zagueiro Philipp Wollscheid, contratado em definitivo após um período de empréstimo.

Com tantas contratações e poucas saídas, qual foi o saldo final? Ainda que seja negativo, -£3,04 Milhões, para uma equipe que quer mudar de patamar esse número é perfeitamente aceitável. Além disso, o clube gastou quase todo seu orçamento em Shaqiri, Joselu e Wollscheid, tendo os outros nomes chegado sem custos, em mostra de excelente prospecção do clube.

Com nova identidade e novos valores, o Stoke City chega à disputa da Premier League 2015-2016 como uma das equipes que mais atraem a curiosidade do público. Se antes era tedioso assistir as partidas do time, hoje elas prometem ser interessantes e, além dos novos valores, será interessante observar a mudança de postura da equipe, afinal, sob o comando de Mark Hughes, o Stoke é cada vez “menos Stoke”.

Comentários

  1. Ótimo texto! Só devo discordar da parte em que se refere ao Crouch. Ele está muito longe de ser um jogador com pouca técnica. Na verdade sua técnica impressiona exatamente por causa da altura.

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