Seleções de que Gostamos: Rússia 2008

Após rememorar a fantástica Seleção Portuguesa de 1966, que conquistou o terceiro lugar do Mundial daquele ano e teve em Eusébio o artilheiro da competição, rememoro o time russo que surpreendeu na Euro 2008, com boas atuações e a revelação de talentos que nunca mais repetiram os feitos daquela competição.


Russia 2008
Em pé: Akinfeev, Pavlyuchenko, Zhirkov, Kolodin, Bilyaletdinov, Ignashevich;
Agachados: Semak, Semshov, Anyukov, Zyryanov, Arshavin.

Seleção: Rússia

Período: 2008

Time base: Afinkeev; Anyukov, Ignashevich, V. Berezutskiy (Kolodin), Zhirkov; Semak; Zyryanov, Semshov (Bilyaletdinov), Saenko (Torbinski); Arshavin e Pavlyuchenko. Téc.: Guus Hiddink

Conquista: Terceiro lugar na Euro 2008

Após participar da Copa do Mundo de 2002, no que foi o ocaso da geração de Aleksandr Mostovoi, Viktor Onopko e Valeri Karpin, a seleção russa fracassou na missão de se classificar para o certame de 2006, na Alemanha. Na ocasião, viu Portugal liderar o Grupo 3 das Eliminatórias e a Eslováquia ficar com a segunda posição, que a levou à repescagem. Depois do insucesso, buscando reverter o quadro e se classificar ao Mundial de 2010, os russos foram atrás de um treinador tarimbado e que vinha de trabalhos positivos com Coreia do Sul e Austrália: Guus Hiddink.

Embora a missão maior do holandês fosse levar o selecionado à África do Sul, pelo caminho havia a disputa das Eliminatórias da Euro 2008 e, consequentemente, da própria Euro. Ali se esperava, no mínimo, que o treinador obtivesse êxito. Ele foi alcançado, ainda que o objetivo final tenha ficado pelo caminho.

Sob vitoriosa direção


Guus Hiddink Russia

Hiddink levara a Coreia do Sul, em 2002, à quarta colocação do Mundial daquele ano — ainda que cercada de polêmica. Também conduzira a Austrália às oitavas de finais da disputa de 2006, quando os oceânicos resistiram até os minutos finais — seguraram a futura campeã, Itália, até os acréscimos do segundo tempo, quando Francesco Totti deu números definitivos à partida, classificando a Azzurra.

O neerlandês também treinara a virtuosa Holanda de 1998. Com a base de jogadores que levara o Ajax a seu último título europeu, em 1995, perdeu para o Brasil e ficou com a quarta colocação da Copa do Mundo da França. Isso posto, fica claro que quando os russos fecharam a contratação do técnico esperavam que o experiente líder devolvesse ordem à casa, promovendo uma necessária transição geracional e levando os herdeiros da União Soviética às glórias.

Com o tempo e o vindouro sucesso na Euro, Guus seria aclamado. Ao site da UEFA, Sergei Semak, o capitão daquela equipe e um dos poucos que superara os 30 anos, diria que o comandante era "um treinador sensato". Diniyar Bilyaletdinov, por seu turno, garantiria que: "As questões de organização deixaram de ser um problema desde que Hiddink assumiu o comando da seleção".

Atrás da Croácia, à frente da Inglaterra


Logo no sorteio dos grupos das Eliminatórias, ficou claro que a vida russa não seria fácil. A despeito das quase inofensivas presenças de Israel, Macedônia, Estônia e Andorra, Croácia ou Inglaterra (que disputaram a Copa do Mundo de 2006) teriam que cair para a Rússia ascender. Foi o que ocorreu.

Ao final da disputa, a tabela de classificação mostrava um passeio da Croácia. A axadrezada somava 29 pontos, com um recorde de nove vitórias, dois empates e uma derrota, apenas. A briga sobrara para aqueles dois protagonistas de vários dos principais eventos do século XX. E a Inglaterra, de Wayne Rooney, Frank Lampard, Steve Gerrard e companhia, não seria páreo.



Com uma vitória para cada lado nos confrontos diretos, fizeram a diferença os resultados obtidos contra os croatas. A Rússia empatara ambos e os Three Lions os perderam. Ainda que o time de Hiddink tenha sido inesperadamente derrotado por Israel, foram os pontos obtidos contra os eslavos que diferenciaram as trajetórias de russos e ingleses. 

Nem Ibra, nem a campeã da última edição: o mata-mata é da Rússia


O sorteio da Euro colocou a Rússia em maus lençóis, ao menos à primeira vista. Ainda que a Espanha não viesse de período vitorioso, era um adversário duro; vencera o Grupo F das Eliminatórias. Por sua vez, a Suécia apostava suas fichas no talento de Zlatan Ibrahimovic, e a Grécia era a última campeã, tendo batido Portugal, em solo lusitano, na edição de 2004. Os russos não brincaram em serviço.

Depois de ser despachada pela Fúria na partida de estreia, 4 a 1 para os espanhóis, num recital de David Villa, recompuseram-se e brilharam. Vale um adendo: na goleada, não foi possível contar com o arsenal de habilidades de Andrey Arshavin, que cumpria uma suspensão atrasada. 

Contra a conhecida retranca grega, arquitetada por Otto Rehhagel, coube a Konstantin Zyryanov aproveitar assistência do veterano Semak e rolar para as redes desprotegidas, já que o experiente goleiro Antonis Nikopolidis saíra da meta para evitar conclusão do assistente russo. 

Por último, perante a Suécia, valeu a força do coletivo. O primeiro tento da vitória por 2 a 0 sairia dos pés de Roman Pavlyuchenko, em trama bem construída, com trocas de passes e movimentação envolvente; o segundo em jogada de velocidade de Yuri Zhirkov e finalização de Arshavin.



Com coesão e presença de espírito, a Rússia mandou Ibra de volta para casa e também os gregos. Começava a ficar claro que se estava diante de uma geração especial de atletas, que sob o comando de Hiddink encontrara uma maneira de jogar. A base, formada por jogadores de CSKA e Zenit, estava entregando futebol de ótima qualidade.

Nada de Carrossel Holandês… Roleta Russa!


Líder do grupo da morte, a Holanda superara Itália, França e Romênia para avançar às quartas de finais. O desafio russo era enorme, a Oranje destroçara as finalistas da última Copa do Mundo (3 a 0 contra a Itália; e 4 a 1 perante a França) e, sem desgastes, deixara os romenos pelo caminho, 2 a 0. A geração de Arjen Robben, Wesley Sneijder e Robin van Persie, que viveria o auge no Mundial ulterior, não era mais tão jovem e mostrara força, ao lado de peças experientes que azeitavam a equipe, como Giovanni van Bronckhorst, Edwin van der Sar ou Ruud van Nistelrooy.

Como esperado, o jogo foi duro, mas a Rússia se agigantou. Com tentativas de longa distância e apostas nos dribles do endiabrado Arshavin, a nação do Leste levava perigo à meta rival. No início do segundo tempo, Semak foi à linha de fundo e cruzou para Pavlyuchenko cumprimentar as redes e inaugurar o placar. No apagar das luzes, Sneijder colocaria a bola na cabeça de Van Nistelrooy. A partida iria para a prorrogação.

Quando era disputada a segunda etapa do tempo extra, Arshavin, com fôlego e velocidade de menino, foi ao limite do campo e cruzou para Dmitri Torbinski desempatar a partida. Haveria tempo para ele próprio, Arshavin, aproveitar falha da cansada defesa holandesa e dar números finais à partida. Como franco atiradora, a Rússia foi superior e, jogando bonito, avançou às semifinais.



Derrota para a futura campeã e esquecimento


A despeito de tudo isso, aquela competição estava destinada a ter uma campeã e não era a Rússia.

Reencontrando a Espanha, não houve o que fazer para evitar que a Roja chegasse à decisão. Mas os ibéricos precisaram suar. Só saíram à frente quando eram decorridos cinco minutos da etapa final, com Xavi. Aos 73', Dani Güiza ampliou e, aos 82', David Silva sentenciou a eliminação dos russos. Ainda assim, quando o placar ainda sinalizava igualdade, Pavlyuchenko pôde dar a vantagem a seu país. Não conseguiu evitar o triste, porém honrado, final.

Pior seria o azar da Rússia na sequência. Dividindo o Grupo 4 das eliminatórias para o Mundial de 2010 com a Alemanha, foi vice-líder. Ficou atrás do escrete germânico e à frente de Finlândia, País de Gales, Azerbaijão e Liechtenstein. Foram sete vitórias, um empate e duas derrotas, justamente nas partidas contra a Mannschaft. Foi para a repescagem, ante a Eslovênia.

Quando mais se esperava que aquela geração levasse a Rússia de volta à elite do futebol mundial, os eslovenos surpreenderam. Perderam fora de casa, mas marcaram um tento que se provaria crucial, 2 a 1. Na volta, o marginal 1 a 0 foi suficiente para, no critério do gol como visitante, os russos ficarem em casa. 

O time talentoso nunca mais seria o mesmo, ainda que seus destaques tenham se mudado para centros maiores do futebol. Arshavin foi ao Arsenal, Zhirkov ao Chelsea, Pavlyuchenko ao Tottenham e Bilyaletdinov ao Everton. Nenhum, contudo, foi bem-sucedido.

O grupo que mesclou experiência e juventude


A meta russa era defendida por Igor Akinfeev, então um jovem de 22 anos. Ele era titular do CSKA desde os 17, acumulando experiência apesar da juventude. Na Euro, não chegou a ser um dos grandes destaques de seu país, mas cumpriu seu papel. É um dos atletas que mais vezes já envergou a camisa da seleção de seu país, superando as 100 internacionalizações.


Akinfeev Russia

Pelas laterais, Guus Hiddink contava com muita força ofensiva. Pela direita, Aleksandr Anyukov foi uma alternativa presente no campo de ataque; não por acaso colaborou com duas assistências, nas cinco partidas disputadas pela Rússia. Já o flanco canhoto tinha o referente Yuri Zhirkov. Polivalente, sendo capaz de exercer, com qualidade, qualquer função no lado esquerdo, era um motor e arma importante. Na competição, proveu também uma assistência.

A defesa central era pesada, mais firme e não hesitava na tomada de decisão. Sergei Ignashevich era a principal referência do setor, um jogador fisicamente forte, bom no jogo aéreo, porém lento. Sua companhia acabou sendo variada durante o certame continental. Embora Hiddink tenha demonstrado apreço por Denis Kolodin, beque que atuava no Dynamo e possuía um chute poderosíssimo de longa distância, algumas circunstâncias (bem como o entrosamento trazido do CSKA), levaram-no a optar pela escalação de Vasili Berezutski, outro atleta de similares aptidões em relação aos seus concorrentes.

Sergei Semak Russia


Na meia cancha, postado à frente da defesa, Semak era o líder e responsável pela gestão o jogo russo. Preterido durante as Eliminatórias, foi chamado para os últimos amistosos antes da disputa, ganhou moral e vaga no time titular. Foi decisivo contra a Grécia, provendo a assistência para o solitário gol da vitória de seu país. Tento este que foi anotado por Konstantin Zyryanov, outro meia da equipe, habitualmente postado pela faixa direita e importante na transição de ataque e defesa, apostando na parceria com Anyukov, forte desde o Zenit.

Mais centralizado, Igor Semshov era outro articulador — ao lado de Semak o único remanescente da disputa da Copa do Mundo de 2002. Além dele, atuou Ivan Saenko. Ele era um caso raro. Começara a carreira na Alemanha e fora um dos últimos a estrear pela seleção. Entre os meias, era o mais ofensivo, habilidoso e veloz, também lembrado pelo infortúnio que são as lesões. Assolado por elas, aposentou-se em 2011, aos 28 anos. 


Quem também teria importância, alternando a titularidade com Saenko, seria Bilyaletdinov, canhoto, habilidoso e voluntarioso.

No ataque, Guus depositava suas maiores esperanças. Arshavin vivia momento especial na carreira. Parecia que tudo o que tentava dava certo. Era o mais talentoso da equipe, driblando com objetividade e rapidez. Tornou-se o mais temido russo daquele Europeu e deixou a competição valorizado. 

Arshavin Russia

Seu parceiro também não ficou muito atrás. Escolhido para substituir Aleksandr Kherzakov, que, em má fase, não foi convocado, Roman Pavlyuchenko foi o maior goleador russo, com três tentos. Assumiu a vice-artilharia da disputa, com um gol a menos que o espanhol David Villa.

O time ainda contou com alternativas importantes, como foi o caso de Dmitri Torbinski, meio-campista decisivo para a vitória da Rússia contra a Holanda, ou, ainda de Dmitri Sychev, atacante que começou a competição com a titularidade, na vaga do suspenso Arshavin, e entrou no decorrer de algumas partidas.

Ganhar da Espanha que venceria, além da Euro 2008, a Copa do Mundo de 2010 e a Euro 2012, era uma missão impossível. A Rússia fez o que dava e consagrou uma geração que se perdeu com o tempo, mas deixou a Inglaterra em casa, despachou Grécia e Suécia e, além disso, bateu com autoridade a talentosa Holanda. Com Hiddink, os russos foram além do esperado, encantaram com bom futebol e ganharam lugar cativo na memória dos torneios europeus. As ruas se lembram do futebol jogado na Áustria e na Suíça.

Ficha técnica de alguns jogos importantes nesse período:


Grupo E das Eliminatórias para a Euro 2008: Rússia 2x1 Inglaterra

Estádio Luzhniki, Moscou

Árbitro: Luis Medina Cantalejo

Público 84.700

Gols: ‘70 e ‘73 Pavlyuchenko (Rússia); ‘29 Rooney (Inglaterra)

Rússia: Gabulov; Anyukov, Ignashevich, V. Berezutskiy (Torbinski), A. Berezutskiy; Zyryanov, Semshov, Zhirkov; Bilyaletdinov, Kerzhakov (Pavlyuchenko) e Arshavin (Kolodin). Téc.: Guus Hiddink

Inglaterra: Robinson; Richards, Campbell, Ferdinand, Lescott (Lampard); Barry, Gerrard, Wright-Phillips (Crouch), Joe Cole (Downing); Owen e Rooney. Téc.: Steve McClaren

Quartas de finais da Euro 2008: Holanda 1x3 Rússia

Estádio St. Jakob-Park, Basileia

Árbitro: Ľuboš Micheľ

Público 38.374

Gols: ‘56 Pavlyuchenko, ‘112 Torbinskiy e ‘116 Arshavin (Rússia); ‘86 van Nistelrooy (Holanda)

Holanda: van der Sar; Boulahrouz (Heitinga), Ooijer, Mathijsen, van Bronckhorst; Engelaar (Afellay), de Jong; Kuyt (van Persie), van der Vaart, Sneijder; van Nistelrooy. Téc.: Marco van Basten

Rússia: Akinfeev; Anyukov, Ignashevich, Kolodin, Zhirkov; Semak; Zyryanov, Semshov (Bilyaletdinov), Saenko (Torbinski); Arshavin e Pavlyuchenko (Sychev). Téc.: Guus Hiddink

Semifinais da Euro 2008: Rússia 0x3 Espanha

Estádio Ernst-Happel, Viena

Árbitro: Frank De Bleeckere

Público: 51.428

Gols: ‘50 Xavi, ‘70 Güiza e ‘82 Silva (Espanha)

Rússia: Akinfeev; Anyukov, Ignashevich, V. Berezutskiy, Zhirkov; Semak; Zyryanov, Semshov (Bilyaletdinov), Saenko (Sychev); Arshavin e Pavlyuchenko . Téc.: Guus Hiddink

Espanha: Casillas; Sergio Ramos, Marchena, Puyol, Capdevilla; Senna, Xavi (Xabi Alonso), Iniesta, Silva; Villa (Fàbregas) e Torres (Güiza). Téc.: Luis Aragonés

Comentários

  1. Excelente artigo. Asisti aquela Eurocopa e lembro bem desse jogo Holanda e Rússia. A seleção russa era muito boa ,muito talentosa . Pena que fracassou no objetivo de ir a Copa do mundo.

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  2. Muito bom relembrar esse excelente time da russia, por mais artigos como esse!!!

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