Jake Livermore, volante inglês de 27 anos, viveu situações que nenhum ser humano, de dentro ou fora das quatro linhas, gostaria ou merece passar. Era o mês de maio de 2014 e, enquanto alguns de seus compatriotas preparavam-se para viajar ao Brasil para a disputa da Copa do Mundo, o atleta se afundava na depressão. Vivera a morte de um filho recém-nascido e, ainda um ano após, buscara seu refúgio na cocaína quando da conclusão do inquérito. Sorteado, foi flagrado no exame antidoping; viu pairar sobre si a possibilidade real de dois anos de banimento. No entanto, uma decisão inovadora e sem precedentes lhe garantiu uma segunda chance, que foi aproveitada.
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Com base no princípio da proporcionalidade, a comissão da Football Association (FA) responsável pelo julgamento de Jake entendeu que a excepcionalidade do caso merecia se sobrepor à fria letra dos regramentos antidopagem, derivados do Código da World Anti-Doping Agency (WADA). Na ocasião, mesmo a descoberta do uso de substância proibida tendo se dado cerca de um ano após a morte do filho de Livermore, o depoimento de um psiquiatra forense atestou a peculiaridade e gravidade de seu caso. Aliado a isso esteve o fato de que, poucos dias antes do teste positivo ser revelado, havia sido concluído inquérito a respeito da morte da criança. Ainda assim, em tese a pena deveria ter sido de no mínimo um ano de afastamento.
“As circunstâncias aqui identificadas [...] provêm um extremo e único caso no qual a imposição da suspensão de um ano, conforme a Regulação 70, seria absolutamente injusta e, ainda, grosseiramente desproporcional”, disse a decisão.
Concretamente, apenas no caso em que não se provasse falta ou negligência significativas, da parte do atleta, poder-se-ia deixar de o sancionar. Por isso, o caso de Livermore é icônico. Não havia como dizer que o jogador não sabia o que estava fazendo ou que foi negligente. No entanto, o que estava em disputa ia além disso. Por essa razão, a FA decidiu deixar de punir Jake. Este, por sua vez, deu sinais positivos após a absolvição e hoje mostra que, provavelmente, a decisão de seu caso caminhou pelo lado mais correto.

Disse, então, que naquele momento, era apenas um “ser humano que se perdeu diante das circunstâncias e não sabia como reagir”. Na altura do teste, Livermore, formado no Tottenham, representava as cores do Hull City, que se preparava para disputar a final da FA Cup. Jake ficou de fora, suspenso após o teste. “Pelo menos as pessoas sabiam o estado mental em que me encontrava”, continuou.
Em última instância, o jogador admitiu que o teste positivo salvou sua carreira. “Pisar no gramado quando eu retornei foi um dos melhores momentos da minha vida”, concluiu à reportagem. Por mais dramáticos que tenham sido os anos de 2014 e 2015 para o jogador, concedida a segunda chance, sem condenação, Livermore a aproveitou. A volta aos campos aconteceu logo depois do fim de sua suspensão preventiva. E, na própria temporada 2015/16, o volante já deu sinais de que estava em pleno processo de recuperação: ajudou os Tigers a retornar à Premier League, conquistando a vaga nos play-offs.
De volta à elite, contudo, o Hull City viveu período complicado. A relação entre torcedores, FA e clube não era boa. Os proprietários tentavam mudar o nome da equipe, o que foi gerando instabilidade nos corredores do The KC Stadium. Iniciada a EPL, o clube não havia contratado ninguém e perdera jogadores. O treinador Steve Bruce também pedira o boné, diante da crise. Reforços acabaram por chegar, mas Livermore se viu muitas vezes utilizado na zaga e, com o time em mau momento técnico e administrativo, transferiu-se para o West Bromwich em janeiro de 2017, por £10 milhões. Tal valor já demonstrava uma realidade: o volante voltara a jogar bem.
Na nova casa, disputou o restante da temporada, tendo sido titular em 15 jogos da Premier League e ingressando no segundo tempo de apenas um deles. Ou seja: o impacto de sua chegada ao The Hawthorns foi imediato. Quem esteve atento a isso foi o treinador da Seleção Inglesa, Gareth Southgate. Livermore havia conquistado um chamado ao English Team, no distante ano de 2012. O que voltou a acontecer em março de 2017. Era a coroação de um atleta que concluíra sua volta por cima. Mesmo sem atuar em um gigante inglês, mostrou serviço e fez o suficiente para ser convocado.

Livermore pediu ao treinador do WBA, Tony Pulis, em setembro último, um período maior de descanso no curso da semana, após ter representado a Seleção Inglesa. O requerimento foi concedido, mas o comandante disse publicamente que Jake estava “bem fisicamente, mas mentalmente ele se sente um pouco cansado”. Foi o suficiente para relançar a história do doping. Posteriormente, o treinador foi à imprensa se desculpar pela infelicidade de suas palavras.
Seja como for, o volante voltou a ser chamado a representar seu país na última convocação de Southgate e, menos de um ano antes do Mundial da Rússia, vai solidificando seu lugar no grupo inglês. Com a conhecida marcação forte e capacidades físicas em ótimo nível, Livermore prova que na altura de sua absolvição a medida tomada era realmente a mais adequada. Seu momento difícil foi sendo superado e sua carreira renasceu. O voto de confiança foi valorizado; a segunda chance agarrada com unhas e dentes.
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