Flórián Albert, o craque que superou a sombra do passado

É comum a crença de que o futebol húngaro parou no tempo. Que sem dinheiro os clubes nacionais não têm competitividade no nível internacional e, consequentemente, também a seleção. É preciso considerar, entretanto, que a memória das vitórias dos anos 50 — marcados pelo brilhantismo dos Mágicos Magiares — também nunca facilitou essa tarefa. Ainda assim, houve um homem que aceitou o desafio de guiar a Hungria na sucessão do Time de Ouro, um certo Flórián Albert.


Florian Albert Hungary
Foto: Reprodução/beyondthelastman.com

Do bronze olímpico ao primeiro Mundial


Já não havia Ferenc Puskás, Jószef Bozsik, Zoltán Czibor, Nándor Hidegkuti ou Sándor Kocsis quando Albert viajou a Roma para disputar os Jogos Olímpicos de 1960. Porém, a geração que representou o país ainda era boa e possuía em seu ataque um dos melhores jogadores da Europa.

Assim, não foi com estranheza que os húngaros conquistaram a medalha de bronze daquele certame. Na primeira fase, em três partidas, contra Índia, Peru e França, eles marcaram impressionantes 15 gols, cinco dos quais assinados por Flórián. 

Hungary Florian Albert
Foto: Reprodução/thedaisycutter.co.uk
Dois anos mais tarde, os magiares voltaram a disputar a Copa do Mundo. Depois de fazer papel figurativo em 1958, tiveram um grupo difícil pela frente. Enfrentaram Inglaterra, Argentina e Bulgária e foram bem-sucedidos. 

Na estreia, contra os britânicos, coube a Albert anotar o gol da vitória suada por 2 a 1. Na sequência, vitimou os búlgaros por três vezes, consagrando um hat-trick. Por último, passou em branco contra a Albiceleste — mas todos também passaram, em um empate por 0 a 0. 

Logo depois acabou vindo a eliminação por 1 a 0 para a Tchecoslováquia, em um jogo que levantou suspeitas, uma vez que foi apitado por um árbitro soviético (na época, dentro da Cortina de Ferro, que dividiu a Europa durante a Guerra Fria, a Hungria era considerada o país mais ocidentalizado, o que, certamente, não era visto com bons olhos na URSS). O fato é que, a partir dali, todos conheciam Albert, um dos artilheiros do torneio e eleito o melhor jogador jovem da competição. Tinha apenas 21 anos.

Sobre o jogo da eliminação, a edição especial da revista Placar, dedicada à Copa do Mundo sediada no Chile, ressaltou a performance de Flórián: “húngaros e tchecos passaram o jogo se anulando, como se já soubessem o que o outro estava pensando em fazer. Mas a Hungria foi um pouco melhor, graças ao futebol lúcido de Flórián Albert”.

Crescimento com o Ferencváros e brilho na Inglaterra


Paralelamente, o atacante que, à semelhança de Hidegkuti, era um jogador moderno demais para a época (se movimentava constantemente, era hábil, ágil, abria espaços para seus companheiros e marcava gols), construía seu nome no Ferencváros.

Em 1963, venceu o primeiro de quatro títulos do campeonato nacional. Dois anos mais tarde, consagrou-se com a glória na Copa das Feiras, a antecessora da Copa da UEFA e, consequentemente, da Liga Europa. Na ocasião, as Águias Verdes passaram por times como Roma, Athletic Bilbao, Manchester United e Juventus — que procurou contratá-lo logo após —, para conquistar o troféu.

Mais tarde, depois de obter um terceiro lugar de pouco glamour na Euro 1964 (disputada por quatro equipes apenas), Albert jogou seu segundo Mundial. Na Inglaterra, voltou a fazer participação de grande destaque. Novamente em grupo difícil, os magiares deram conta do recado.

Com Portugal, o então campeão Brasil e a Bulgária no caminho, a missão húngara era dura. Entretanto, apesar da derrota na estreia contra o lado lusitano, o time de Albert venceu os outros jogos. Ele não marcou em nenhum deles, mas foi o principal nome de seu selecionado nos êxitos — sobretudo no 3 a 1 contra a Canarinho. Mas o sonho, novamente, parou na fase seguinte.


Dessa vez, foi a União Soviética que carimbou a passagem de volta dos magiares. Mas, como ressaltou Placar, na edição dedicada às memórias do Mundial de 66, tal só foi possível por um motivo: “A vitória da União Soviética começou ainda nos vestiários, quando o técnico Morozov, num rasgo de incomum humildade, deu ao meia Voronin uma única tarefa: acompanhar Flórián Albert, o arquiteto das jogadas húngaras, por todo o campo”.

Mesmo eliminado, o atacante conseguiu um lugar na seleção da competição, tal foi a grandeza de seu desempenho.

Números, feitos, curiosidades e importância histórica


Seu último torneio com a camisa de seu selecionado acabou sendo a Euro 1972, em que a Hungria terminou na última colocação, sem brilho. No mesmo ano, levantou o último troféu de sua carreira: a Copa da Hungria, pelo Ferencváros, o clube de sua vida:

“Eu fiz alguns dribles, marquei alguns gols e alegrei algumas centenas de milhares de amigos do futebol. Para mim, o estádio FTC significa tudo: eu, o garoto do campo, pude me tornar alguém ali. Minha sorte me levou lá. Alguém, lá no céu, determinou que minha vida seria o Ferencváros”, registrou o craque no site do time.

Aliás, foi com a camisa das Águias Verdes que Albert disputou 351 partidas e anotou impressionantes 256 gols, em uma trajetória que começou profissionalmente em 1958 (sua chegada às categorias de base acontecendo em 52) e só terminou em 74. Pela seleção, foram 75 os jogos e 31 os gols. Mas, números de lado, talvez seja um prêmio, em especial, que demonstre com mais força o que o futebol de Flórián representou.

Em 1967, o atacante venceu o Ballon d’Or, tradicional prêmio oferecido pela revista francesa France Football. Figurou à frente de, nada mais nada menos, Bobby Charlton, o maior ídolo da história do Manchester United.

Florian Albert Flamengo
Foto: Reprodução/GE
Outra história curiosa do jogador remete também a 67. No início daquele ano, firmou um breve contrato com o Flamengo. O intuito não era a disputa de competições oficiais. Procurava-se, ali, promover o torneio amistoso Rivadávia Côrrea Meyer — duas partidas entre o rubro-negro e o Vasco da Gama. O húngaro atuou nos encontros e, embora não tenha marcado gols, deixou a lembrança de sua técnica registrada na história do clube carioca.

“Aquele ano de 1967 foi o maior de minha carreira. Ganhei a Bola de Ouro, tive o prazer de jogar no Brasil e ainda vivi o nascimento do meu filho, também chamado Flórián Albert e que tornou-se jogador da seleção húngara. Além da camisa do Ferencváros e da seleção da Hungria, a única outra que vesti foi a do Flamengo”, recordou o jogador ao Globoesporte.com.

Pouco mais de um mês após completar 70 anos, Albert faleceu. Convivia com problemas cardíacos e não resistiu a algumas complicações decorrentes de um procedimento cirúrgico. 

A História, todavia, nunca o deixará ao relento. Seus feitos pelo Ferencváros dificilmente serão repetidos e os êxitos com a seleção húngara também não. Ele teve a dura missão de liderar a geração que se seguiu a de Puskas e obteve sucesso. Aliás, como ninguém no país voltaria a ter.

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