Perfil tático: Marco Silva e o Everton

Desde seu primeiro trabalho como treinador, no Estoril, o português Marco Silva é visto com bons olhos no cenário do futebol europeu. Sua passagem pelo Sporting CP só não foi mais longa em razão de problemas com o presidente do clube. No Olympiacos, foi campeão. Com o Hull City, em seu primeiro desafio na Premier League, tentou o impossível: evitar o rebaixamento. Não conseguiu, mas teve o trabalho reconhecido. Tanto que partiu para o Watford, clube em que começou bem, mas sofreu queda de rendimento na sequência e perdeu o emprego. Agora, no Everton, as expectativas são, mais do que nunca, altas ao seu redor.


Marco Silva Everton
Foto: Reuters/ Jason Cairnduff

O que deve propor Marco Silva?


O treinador já assumiu publicamente: utilizará o esquema tático de sua preferência, qual seja o 4-3-3 — as características da formação podendo se alterar dependendo das peças escolhidas para compor o meio-campo. 
Richarlison Watford
Foto: Reuters

“4-3-3 é o meu sistema, dependendo do meu nº 6 [o primeiro volante]”, revelou em entrevista coletiva.

No Watford, sua última experiência, já foi assim na maior parte do tempo. À frente da linha de defesa, atuavam habitualmente Abdoulaye Doucouré, Étienne Capoue (ou Nathaniel Chalobah/Ben Watson) e Tom Cleverley. 

Encostados às pontas, jogavam o brasileiro Richarlison pela esquerda, André Carrillo ou Nordin Amrabat à direita. Como centroavante, Stefano Okaka, Andre Gray ou Troy Deeney. 

Assim, tinha um meio-campo com peças multifuncionais, com relevante contribuição defensiva, mas capacidade para avançar no terreno. E um jogo muito forte pelos lados: tanto com os pontas, muito agressivos com a bola nos pés, quando com os próprios laterais, que muitas vezes se adiantavam à linha de meio. Isso, acabava sendo chave, porque pontas e laterais sempre dialogavam com algum dos meio-campistas (formando os famigerados triângulos de passe), nos dois flancos.

Claro, uma escolha ou outra acabava mudando um pouco a forma de o clube atuar, com o esquema por vezes se assemelhando a um 4-1-4-1 ou 4-2-3-1. Mas a base do trabalho de Marco Silva é o 4-3-3. E ele deve ser adotado no estádio Goodison Park.

O jogo é pelos lados


O português chega a um clube cujos laterais titulares — emboram aparentem já ter passado de seu pico técnico — têm forte veia ofensiva. Seamus Coleman, outrora considerado um dos melhores laterais direitos da Premier League, é uma incógnita, depois de se recuperar de uma fratura na perna. Apesar disso, sua força maior é certamente o ataque. Pela esquerda, Leighton Baines está envelhecido (33 anos), mas é outro que também sempre foi forte no apoio. Em sua melhor temporada, 2014/15, criou nove assistências. 

De todo jeito, para o setor chegou o francês Lucas Digne, ex-Barcelona. Já em sua estreia, amistoso contra o Valencia, foi possível perceber o posicionamento bem adiantado e também os mencionados triângulos.

Frame Everton
No frame, Lucas Digne toca para Gana Gueye e passa. Na sequência, o senegalês aciona Richarlison
Nas pontas, por sua vez, Marco Silva tem opções fartas e com características diferentes. Pode parecer curiosa a contratação de dois jogadores mais acostumados a jogar pela ponta esquerda — Richarlison e Bernard. Sobretudo em um contexto que já contava com Yannick Bolasie e o garoto Ademola Lookman, que retornou de empréstimo junto ao RB Leipzig. Apesar disso, os dois desempenham funções distintas e podem ser utilizados em outras posições.

Em Richarlison se tem um jogador de técnica razoável, muita força física, explosão e boa qualidade na finalização. É um atacante pelos lados. Não por acaso, já foi utilizado como centroavante em algumas ocasiões. Bernard, por seu turno, é franzino, tem técnica mais refinada, mais características de meia e pode ter dificuldades em jogos que exijam maior força física. Ademais, pode atuar pelo flanco direito e como meia-atacante. Os dois são capazes de fazer a recomposição defensiva, cada qual apostando em suas qualidades.

Bernard Everton
Foto: Everton FC/ Getty Images
Já Bolasie talvez seja a opção que mais procure o drible. Tem menos refino que Bernard, mas parte para o um contra um mais vezes. Embora não seja tão forte quanto Richarlison, também é um tipo que aguenta o combate físico. Quando ao congolês, há ainda um outro ponto a ser destacado: a facilidade para usar as duas pernas, o que também o torna perigoso pelo lado direito.

Enquanto Richarlison e Bolasie têm facilidade para quebrar linhas de marcação com condução e força, Bernard oferece um passe mais qualificado.

Pela faixa destra, a principal opção acaba sendo Theo Walcott, jogador famoso por sua velocidade. Diante desse quadro, certamente Marco Silva vê os wingers que preferencialmente atuam pela esquerda como opções para o outro flanco. 

Por fim, Lookman retorna com moral. Em 11 jogos de Bundesliga, marcou cinco gols e criou três assistências. A princípio deve ser apenas opção, dando sequência a seu desenvolvimento. Porém, deve ter minutos durante a temporada.

Finalmente, a zaga ganha bons reforços


Disputado por vários clubes, o colombiano Yerry Mina é mais um que chega proveniente do Barcelona. Depois de anos de desacerto defensivo, o clube deve voltar a ter uma zaga forte. 

O negociado Ramiro Funes Mori nunca se encaixou no time e perdeu quase a totalidade da temporada passada, lesionado. Os garotos que receberam oportunidades mostraram que não estavam prontos e acumularam falhas individuais. Phil Jagielka, o experiente capitão, sofre um acentuado declínio técnico há anos, que ficou evidente em 2017/18. Ashley Williams, beque que foi aposta após se destacar no Swansea City, também nunca entregou o que dele se esperava e saiu.

Michael Keane Everton
Foto: Reuters
No último ano, sobrou para Michael Keane, contratado junto ao Burnley, segurar o rojão lá atrás. Não conseguiu: apenas seis clubes sofreram mais gols que os Toffees na última temporada. Mesmo os rebaixados Swansea City e West Bromwich buscaram menos bolas em suas redes. Agora, a situação pode mudar.

Apesar de ter um jeitão que para muitos não transmite confiança, Mina mostrou, tanto no Palmeiras quanto na Seleção Colombiana, ser muito seguro. Fisicamente, é uma besta. E traz consigo uma característica que pode melhorar muito o desempenho defensivo do Everton: a qualidade na bola aérea. O clube de Merseyside sofreu nove gols de cabeça na temporada passada.

Além disso, tem grande poder de recuperação e velocidade. O que poderá ser útil para resolver outro problema. Tendo em Keane outro zagueiro privilegiado nos aspectos físicos do jogo, Marco Silva poderá começar a fazer a pressão que deseja (outro ponto que já admitiu publicamente querer implementar) com os zagueiros, com a linha de defesa atuando mais alta.

Isso pode ajudar a equipe a ser menos agredida. Na última Premier League, o time foi o sexto que mais permitiu chutes aos adversários por partida, em média 14,2. Foi também quem mais sofreu gols em jogadas de bola rolando: assustadores 46. Isso porque permitia que os adversários ficassem, a todo tempo, rondando sua área.

Outra possibilidade, mas que segue a mesma linha, é a utilização de Kurt Zouma, caso o empréstimo junto ao Chelsea seja confirmado. O jovem francês conjuga algumas qualidades com seus potenciais futuros companheiros. Tem imposição física, rapidez (inclusive já foi utilizado na lateral direita em algumas ocasiões), e vai bem pelo ar.

A incógnita é o meio


No meio-campo, Gana Gueye é certeza de muitos desarmes e interceptações e não tem a titularidade discutida. Ao menos não por enquanto. Apenas Wilfred Ndidi, do Leicester City, roubou mais bolas que ele no último campeonato. Seus companheiros, entretanto, não gozam da mesma certeza. 

Morgan Schneiderlin tem alternado bons e maus momentos e, depois de uma passagem decepcionante pelo Manchester United, não retomou o futebol apresentado anteriormente, no Southampton. Muhamed Besic nunca justificou sua contratação e, além disso, sofre com constantes problemas físicos. James McCarthy já foi uma solução em Goodison Park, mas é outro que vive dias difíceis às turras com as contusões.

André Gomes Barcelona
Foto: Aitor Alcalde/Getty Images
Gilfy Sigurdsson, o único com real aptidão para atuar mais adiantado, também não consegue repetir o desempenho que o consagrou no Swansea. As três assistências do último ano não se comparam às 13 de 2016/17. Todavia, o jogador foi um dos primeiros a elogiar o trabalho que vem sendo executado e pode ter papel chave na busca por equilíbrio entre ataque e defesa: “Temos um treinador muito bom, que é muito organizado”, disse ao site oficial do clube. 

Por outro lado, Tom Davies é uma joia. O jovem já mostrou em diversos momentos ter qualidade de passe, movimentações inteligentes e técnica refinada. Mas precisa de um contexto mais equilibrado para se firmar. Talvez a hora seja agora.

Certo é que o clube trouxe outra peça do Barcelona. André Gomes chega, em tese, com status de titular. Contudo, mais pela circunstância do que pelo futebol apresentado na Catalunha. 

Em todo caso, o português precisa revitalizar sua carreira e já viveu bons momentos. Sua visão de jogo, capacidade de condução de bola, e boa técnica são trunfos. A principal questão é saber se o jogador se adaptará ao ritmo da Premier League e, acima de tudo, se recuperará a confiança em seu futebol — o que foi colocado em causa na última temporada.

É nesse setor que jaz o maior desafio de Marco Silva. Seus triângulos só funcionarão bem com o meio ajustado. A defesa só tomará menos gols se, na meia-cancha, o trabalho de pressão e contenção for bem feito. Os pontas e laterais só extrairão seu melhor futebol se tiverem com quem dialogar. Consequentemente, o centroavante, qualquer que seja o escolhido (Oumar Niasse, Sandro Ramírez, Calvert-Lewin ou Cenk Tosun), só será devidamente alimentado se toda a engrenagem funcionar.

Há diferentes opções, com perfis igualmente distintos.

O desafio é grande. Entretanto, o mercado de transferências feito foi bom. Focou-se no atendimento das exigências de Marco Silva. Há uma ideia e um projeto concretos sendo postos em prática. Os primeiros sinais, como disse Sigurdsson, são promissores.

Comentários

  1. Excelente análise do Everton, assim como na temporada passada com o Koeman tem um elenco interessante e um técnico promissor no comando.
    Acredito que desta vez dará certo trabalho na Premier League e até arrisco uma briga pela Europa League.
    Seria bom ver o Everton voltar a figurar entre os grandes.

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