O fracasso do "Valladolid Colombiano"

Um dos grandes jogos da Copa do Mundo de 1990 foi disputado por Camarões e Colômbia, no Stadio San Paolo, em Nápoles. Os sul-americanos contavam com uma das gerações mais talentosas de sua história, mas, do lado africano, havia um jogador mítico disposto a decidir. O jogo foi para a prorrogação e, em coisa de dois minutos, o reserva Roger Milla, que entrara no segundo tempo, condenou os cafeteros. Alguns dos titulares naquele fim de tarde foram René Higuita, Carlos Valderrama e Leonel Álvarez, que voltariam a se encontrar muito em breve.


Foto: Goal.com

Colombianos para mudar a história de um clube espanhol


No início dos anos 90, o futebol colombiano gozava de certo prestígio. A despeito das frequentes acusações de que se beneficiavam do dinheiro proveniente do narcotráfico, os clubes locais vinham obtendo muito sucesso a nível continental — o que se repetia com a seleção. Entre 1985 e 1989, quatro vezes a Copa Libertadores da América viu um time colombiano disputar sua final. Finalmente, no último ano, a glória sul-americana chegou ao país.

Em que pese o fato de o América de Cali ter sido vice-campeão três vezes, derrotado por Argentinos Juniors, River Plate e Peñarol, foi o Atlético Nacional que conquistou a láurea. Aquele time não só cedia boa parte de seu grupo para a Seleção Colombiana, mas também seu técnico, Francisco Maturana. Diante dos expressivos resultados de então, era impossível ignorar o que vinha acontecendo no futebol do país. Após o Mundial, o comandante partiu para a Espanha.

Um dos grandes líderes da história do futebol colombiano, cotado para assumir o comando do Real Madrid, não foi levado a nenhum dos mais poderosos times hispânicos. Firmou, no entanto, com o Valladolid. E recebeu carta branca para montar o clube à sua maneira. Foi assim que logo trouxe, no final de 1990, Álvarez. E o influente meio-campista, de personalidade forte e hábil à realização de tarefas defensivas e ofensivas, foi logo titular.

Aquele time, inclusive, já contava com jogadores de bom nível, caso de José Luis Caminero. Assim, conseguiu fazer uma campanha mediana no Campeonato Espanhol de 1990/91. O clube violeta ficou cinco pontos atrás da zona de classificação à Copa da UEFA e quatro à frente da de descenso. Em nono lugar. Álvarez fez 21 jogos em sua primeira temporada recebendo impressionantes 12 cartões amarelos e ganhou a simpatia do torcedor.

Maturando o projeto de Maturana?


Com a confiança da direção, Maturana trouxe mais dois compatriotas para o clube na temporada seguinte. René Higuita, o acrobático goleiro, assumiu a meta e, no meio-campo, o astro Carlos Valderrama chegou para ser o regente da orquestra violeta. O Valladolid passou a contar com nada mais nada menos do que o cérebro da seleção colombiana, Maturana, o guardião, Higuita, o coração, Álvarez, e a estrela, Valderrama. Era impossível não criar expectativas, mesmo porque o impacto econômico foi pesado.

Logo, a empolgação deu lugar às vaias. A imaginada destreza debaixo das traves atribuída ao goleiro foi vista como insanidade, com o cometimento de uma série de falhas. No meio-campo, El Pibe, que deveria liderar o time, foi taxado como lento, pouco produtivo. Maturana chegou até a pensar na estranha possibilidade de utilizar seus compatriotas apenas nas partidas fora de casa. Nem Álvarez, por quem o torcedor se afeiçoou no início de sua passagem, escapou. Afinal, ele era também colombiano e as arquibancadas os queriam longe do estádio José Zorrilla.

Foto: Desconhecido
Não demorou muito para Higuita pedir para sair. “Não estou bem. A cabeça não responde. Se a culpa do que acontece é minha, saberemos depois”, disse ao deixar o clube. Foram apenas 15 as suas aparições pelo time. Seus parceiros duraram um pouco mais. Pouco. Dois jogos para ser mais preciso. Um empate contra o Cádiz e uma derrota para o Barcelona. Mas a derrota para os catalães não foi apenas um falhanço. Álvarez e Valderrama foram expulsos — assim como Vicente Engonga. O árbitro da ocasião, Andújar Oliver, acusou os colombianos de o terem chamado de “cabrón” e “ratero” — bastardo e ladrão.

Eles deixaram o jogo mais cedo e não voltariam a representar as cores do time. Logo, de forma um tanto quanto preconceituosa, o quarteto ficou conhecido como o “Cartel de Pucela”, em referência à cidade de Valladolid e à fama colombiana de então, ligada ao narcotráfico. O jogo contra o Barça foi em janeiro de 1992, mas um mês antes o El País já anunciava: “O Valladolid ‘colombiano’, de mal a pior”. Dentro do campo tudo dava errado e fora dele, o time entrava em forte crise financeira, que impedia os jogadores de receber seus salários em dia. Era até mesmo especulada uma troca de Valderrama pelo brasileiro Cuca, então no Internacional e que passara pelo Valladolid em 1990.

O periódico El Tiempo também tentou explicar o que ocorria: “Por acaso eles esqueceram como jogar ao atravessar o Atlântico? Claro que não. O que ocorre é que o nível futebolístico do Atlético Nacional é superior ao do Valladolid e também que o torneio espanhol tem um nível superior ao colombiano. Não se adaptaram, pois, ao futebol espanhol e [...] não recebem pontualmente”.

Consequências


Talvez a lembrança mais popular da passagem colombiana por Valladolid tenha sido um acontecimento nada nobre na segunda rodada do Campeonato Espanhol de 1991/92. Os de violeta não tiveram sorte e logo enfrentaram o Real Madrid, de Gheorghe Hagi, Robert Prosinecki, Emilio Butragueño e Míchel. E foi justamente este último que protagonizou o insólito. Em determinado momento do jogo, o Valladolid teve uma bola parada a seu favor. E o atacante espanhol, que marcava Valderrama, simplesmente lhe apalpou as partes baixas.

Foto: El Periodico
A bizarra cena é facilmente encontrada hoje. Difícil mesmo é esquecer o que se seguiu para o Valladolid. Depois do ocaso colombiano, o clube disputou mais 21 jogos. Foi muito mal, chegando a perder por 6 a 0 para o Barcelona no segundo turno. A consequência foi o rebaixamento à segunda divisão. Diretamente. O clube terminou a competição na 19ª colocação e sequer conseguiu disputar o playoff previstos naquela edição e que garantia sobrevida ao 17º e 18º colocados.

Voltou um ano depois, mas em 1994/95 caiu novamente (ainda que tenha sido salvo por uma polêmica envolvendo Celta de Vigo e Sevilla, que ocasionou a disputa de um campeonato espanhol de 22 times). Nos anos que se seguiram, o ponto alto acabou sendo a classificação à Copa da UEFA em 1996/97. O time seguiu vivendo dias de calmaria, figurando na maior parte dos anos no meio da tabela do campeonato nacional. Enfim, em 2003/04 veio novo rebaixamento. O time só voltou em 2007/08. E essa tem sido a tônica de sua história. Um constante ioiô.

Comentários

  1. Matéria bacana, sempre bom ter notícias do futebol colombiano dos anos 90, parabéns.

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