Teste para cardíaco: a louca final da FA Cup de 1979

O Arsenal marcou duas vezes no primeiro tempo [...] 2 a 0 pouco antes do intervalo, o qual se transformou em quinze minutos de uma abençoada, relaxada e barulhenta celebração. A maior parte da segunda etapa transcorreu mais ou menos do mesmo jeito, até que, a cinco minutos do fim, o Manchester United marcou... e, faltando dois, numa câmara lenta traumática e confusa, marcou de novo [...] me voltou a sensação terrível que tivera quando criança — de que odiava o Arsenal, de que o clube era um fardo que eu não podia mais carregar, mas do qual jamais seria capaz de me livrar”.


Arsenal FA Cup
Foto: Reprodução/ Arsenal

Essas foram as palavras que um dos mais ilustres torcedores do Arsenal usou para descrever os eventos do dia 12 de maio de 1979. Nick Hornby, autor de Febre de Bola, sofreu com quase cinco minutos de verdadeiro horror. Ao menos, teve a certeza de que não precisava de um check-up médico e que estava tudo certo com seu coração. Seu sentimento, por certo, revelou o que se passava no íntimo dos fãs dos Gunners.

Jejum após um Double


No início dos anos 70, especificamente na temporada 1970/71, o Arsenal viveu um de seus anos mais gloriosos. Naquele momento histórico, o clube londrino ganhou o Campeonato Inglês e foi ao estádio de Wembley para se consagrar também o vencedor da FA Cup — contra o Liverpool treinado pela figura mítica de Bill Shankly. Depois disso, entretanto, os alvirrubros viveram dias frustrantes.

O Arsenal foi vice-campeão da FA Cup no ano seguinte; segundo colocado no Inglês de 1972/73; fez campanhas medíocres em 1973 e 1976, sem disputar nada em termos de conquistas; e voltou a figurar no segundo lugar do pódio da FA Cup em 1977/78 (perdendo para o Ipswich Town). Foram anos difíceis, sobretudo considerando que a equipe londrina é uma das três mais vitoriosas da Inglaterra.

Especialmente, a derrota de 1978 para o Ipswich foi traumática. Hornby registrou em seu livro uma brincadeira que os ingleses do Guardian fizeram à época: “O que é o que é: sempre está na final da FA Cup, mas nunca serve de nada?”. Mas aquele time do Arsenal, cuja base saíra das categorias de base e ganhara reforços vindos do rival Tottenham (o mais importante o goleiro Pat Jennings), estava realmente disposto a mudar sua sorte.

Ipswich FA Cup
Foto: Getty Images

Mais uma final


O treinador Terry Neill, que como atleta atuou pelo time londrino por mais de 10 anos, vinha sendo a aposta do clube desde 1976 (o mais novo da história alvirrubra até então). Ele conduziu o Arsenal, outra vez, à final da FA Cup. A campanha foi difícil, mas a equipe chegou lá.

Os Gunners entraram na disputa na terceira rodada e enfrentaram o Sheffield Wednesday. Como visitantes, empataram por 1 a 1. Quando os Owls viajaram à capital britânica, novo empate ocorreu, dessa vez por 3 a 3. Foi necessário novo replay para o Arsenal avançar. Desta vez, o 2 a 0 tirou as chances da equipe de Yorkshire. A seguir, na fase seguinte, o Notts County caiu logo no jogo inicial, com os londrinos ganhando outra vez por 2 a 0.

Uma missão inglória se seguiu: o Arsenal enfrentou o Nottingham Forest, o campeão inglês de então. Apesar disso, os Foresters, concentrados em outras disputas (sobretudo da Copa dos Campeões da Europa, que venceriam ao final da temporada), não foram páreo. O 1 a 0, com gol do centroavante Frank Stapleton, bastou para o avanço londrino.

Importante: no começo de 1979, os alvirrubros contrataram um jogador vital para a conquista. Do algoz Ipswich, chegou o meio-campista selecionável inglês Brian Talbot, que assumiu, rapidamente, seu lugar no onze inicial. Sua vitalidade e espírito de luta acabariam sendo determinantes ao clube.

Na sexta eliminatória, depois de empatar fora de casa por um a um contra o Southampton (finalista da Copa da Liga), o Arsenal venceu por 2 a 0 e chegou às semifinais. Na oportunidade, bateu logo o Wolverhampton, outra vez por duas bolas a zero. Os Gunners estavam, novamente, na final da FA Cup.

Arsenal FA Cup 1979
Foto: Empics
Do outro lado da disputa, o Manchester United havia deixado Chelsea, Fulham, Colchester United, Tottenham e Liverpool pelo caminho. Chegara à final tendo também enfrentado desafios importantes. À época, vivia um grande jejum de títulos do Campeonato Inglês, mas, ao seu favor, tinha o título da FA Cup de 1976/77. Seria um adversário duro, respeitável, para o Arsenal.

Da tranquilidade ao desespero


Mas o clube da capital não tomou conhecimento dos Red Devils. Eram passados apenas 12 minutos da final, em Wembley, quando Pat Rice começou uma jogada pela direita e lançou David Price, que centrou rasteiro para Talbot inaugurar o marcador. Aos 43, Liam Brady fez grande jogada individual, também pela direita, e cruzou: a bola chegou a cabeça de Stapleton que dobrou a vantagem do Arsenal.

Estava tudo tranquilo e dominado pelos londrinos. Nada parecia indicar uma reviravolta no placar. Mas o futebol desrespeita, com frequência, a tese de que é certo que um resultado controlado se transformará em vitória. E os mancunianos não desistiram. Foram recompensados aos 86 minutos: uma bola foi levantada pela direita, mas passou por todos os que estavam na área do Arsenal. Joe Jordan a recuperou pela esquerda e passou a Gordon McQueen, que descontou: 2 a 1.

E o pior estava por vir. Dois minutos mais tarde, Sammy McIlroy recebeu lançamento vertical da defesa, deixou dois rivais do Arsenal no chão e empatou a partida. Estava o Guardian certo ao fazer troça com os Gunners? Não. Revés à parte, o Arsenal foi à luta. No minuto seguinte, Graham Rix cruzou a bola da esquerda e ela chegou a Alan Sunderland. 3 a 2. O título voltava ao estádio de Highbury. 

“Eu estava gritando não 'gol', ou qualquer outra coisa que normalmente sairia da minha garganta num momento desses, era apenas um ruído o que eu fazia, 'AAAARRRRGGGGHHHH', um ruído saído das profundezas de júbilo e embasbacada descrença dentro de mim”. Assim, Hornby eternizou o sentimento do torcedor do Arsenal, que naquele dia viveu de tudo um pouco, mas deixou Wembley com um enorme sorriso no rosto.

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