Marselha: um porto para Mario Balotelli se ancorar

Marselha, a segunda maior cidade da França, não poderia ser mais diferente da capital, Paris. Esta respira glamour, orgulha-se de construções como a Torre Eiffel e o Museu do Louvre e da aura intelectual que se nota nas ruas de seus centros turísticos. É um caso curioso de cidade cosmopolita europeia que não tem laços estreitos com o futebol. Em divergência absoluta, Marselha traz o calor e o temperamento forte de um povo acostumado à atmosfera de cidade portuária; revela, com frequência, um amor desmedido pelo Olympique de Marseille e tem no estádio Vélodrome uma catedral — que contará com o talento e a personalidade de Mario Balotelli.


Mario Balotelli Olympique Marseille
Foto: Alexandre Dimou/ Icon Sport

Uma cidade apaixonada por convicções


Um dos filhos mais polêmicos das ruas marselhesas é Éric Cantona. Para muitos, o ex-craque do Manchester United personifica a cidade. Tem na imigração suas origens (pai sardenho e mãe catalã), carrega consigo fortes ideais, e defende suas convicções com unhas e dentes. Pode ser chamado de apaixonado ou louco, dependendo do ponto de vista de quem fala. 

Outro descendente da cidade é Zinedine Zidane. Também filho de imigrantes (argelinos), orgulhoso de suas origens e defensor de suas crenças (exemplo claro é a recusa a cantar a Marselhesa — a música tida como hino francês e que carrega mensagens de forte caráter bélico, como notou o Independent, em 2015: “Pense antes de cantar o hino nacional francês — é uma música sobre derramamento de sangue e violência”). Em algum momento de suas trajetórias nos campos, ou em vários, Cantona e Zidane foram tidos como personalidades incompreendidas, semelhança que guardam com o novo atacante do OM.

Mario Balotelli nasceu na Sicília, no sul da Itália, mas é filho de ganeses. Foi criado sob cuidado adotivo na Lombardia. Grande parte de sua carreira carrega um caráter atípico. Ele fez sua estreia pela Internazionale de Milão com 17 anos e, pouco depois, com 18 e 85 dias, tornou-se o mais jovem a marcar um gol pela equipe em partidas da Liga dos Campeões da Europa. Seu talento nunca esteve em dúvida.

Mario Balotelli Nice
Foto: S. Nogier/EFE
Entretanto, desde cedo, Balotelli convive com problemas. Talvez o maior deles seja a constante luta contra o racismo. Em 2011, por exemplo, questionado sobre esse assunto, o jogador declarou ao Guardian que era mais fácil viver na Inglaterra do que na Itália. Matéria do site Goal, em 2018, relatou o que as ofensas racistas provocam no jogador: “[me sinto] um pouco sozinho”

Houve outros problemas também, alguns de ordem disciplinar, como comprova o fato de ter vestido a camisa do Milan, rival máximo da Inter, enquanto jogador desta.

Compreender Mario, fazer com que ele se sinta em casa, potencializando suas habilidades enquanto jogador, parece o maior desafio daqueles que optam por contar com o italiano. Apesar de algumas excentricidades — como o fato de ter acendido foguetes dentro do banheiro de sua residência —, Balotelli sempre falou e agiu conforme entendia correto, o que nem sempre esteve de acordo com as convenções sociais. 

Um contexto para Balotelli


É por isso que Marselha oferece a redenção ao atacante, que após um hiato de quatro anos voltou à seleção italiana em 2018. A cidade não só admite como abriga personagens fortes, com histórias duras. É um lugar que foi obrigado a conviver com as diferenças. É a cidade mais muçulmana da França e vive permanentemente tensionada, sobretudo pela desigualdade social. No Nice, o italiano começou a dar a volta por cima. Agora, pode confirmar seu retorno ao alto nível, em um clube com maiores exigências e um histórico rico de conquistas, sendo o único francês a ter vencido a Liga dos Campeões.

“Depois de um período difícil na Inglaterra e na Itália, foi em Le Gym que Mario lembrou ao mundo quão excepcional atacante ele é, alcançando a temporada mais goleadora de sua carreira no último ano, o que o levou de volta à seleção italiana”, explanou uma declaração oficial do Nice na saída de Balotelli.

Balotelli teve seu talento apreciado em Nice e, embora não tenha feito um bom início de temporada 2018/19, sem marcar, abraça agora um desafio maior. Kostas Mitroglou e Valerie Germain (3G em 14J e 3G em 19J, respectivamente) têm falhado miseravelmente na missão de se afirmarem referência do ataque do OM. E isso é sintomático, sobretudo em uma equipe que conta com jogadores criativos como Dimitri Payet e Florian Thauvin na preparação das jogadas. A oitava colocação atual não corresponde às expectativas do quarto time mais caro da Ligue 1.

O primeiro ato de Mario foi promissor. Ele começou com o pé direito, ou melhor, com a cabeça, marcando o gol de honra dos marselheses na derrota por 2 a 1 contra o surpreendente Lille, vice-líder do campeonato francês. No que depender de contexto e atmosfera, Balotelli tem tudo para convencer a direção do clube a renovar seu contrato ao final da temporada (quando ele termina). O italiano carrega consigo várias das marcas de sua nova cidade. Calor das arquibancadas não vai faltar.

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