A Académica que lutou com bravura e se permitiu sonhar

A cidade de Coimbra se notabilizou ao longo dos séculos como um dos principais centros acadêmicos da Europa. Não é para menos: abriga a sétima universidade mais antiga do Velho Continente e ainda em plena atividade. Passaram-se seis séculos até que fosse, de fato, fundada a Associação Académica de Coimbra; seu braço futebolístico surgindo no início do século XX. Conforme o esporte foi se desenvolvendo, tornou-se parte importante da vida da AAC. Entretanto, aos sucessos dos livros não se seguiram os da bola — mas quase toda regra possui suas exceções.


Taça de Portugal Académica
Foto original: Tiago Petinga/Arte: O Futebólogo

Um grande campeão para forjar o "DNA da vitória"


No mundo do futebol, o imponderável, o intangível, costuma preencher longas discussões. Os debates mais sérios relacionados ao dito esporte o dividem em três esferas: a técnico-tática, a física e a mental. Enquanto a primeira e a segunda são facilmente perceptíveis, a terceira não é. Não existe evidência científica de que haja algo como um “DNA da vitória”, mas nunca esteve em causa o fato de que há indivíduos que parecem destinados a vencer.

O zagueiro Pedro Emanuel se confirmou um desses casos. Nascido em Luanda, o português se destacou com as camisas dos modestos FC Marco, Ovarense e do Penafiel antes de chegar à cidade do Porto, onde coisas grandes o aguardavam. Primeiro em um xadrez preto e branco: pelo Boavista, o defensor conquistou a Taça de Portugal de 1996/97 e participou da histórica conquista do Campeonato Português de 2000/01 — façanha que só Benfica, Porto, Sporting e Belenenses alcançaram.

Na sequência de sua carreira, Pedro arriscou se tornar persona non grata ao trocar o Boavista pelo seu rival mais famoso, o Porto. E adivinhe o que aconteceu: representando os Dragões, ganhou muitos títulos. Foi seis vezes campeão português, ganhou três vezes a Taça de Portugal, uma vez a Supertaça e rompeu as fronteiras nacionais, fazendo parte do time que conquistou a Copa da UEFA em 2002/03, a Liga dos Campeões em 2003/04 e o Intercontinental no mesmo ano.

Tudo bem: Pedro Emanuel não foi titular absoluto em momento algum. Entretanto, não é nada mal ser reserva, atuar em duas finais continentais e permanecer no clube sete temporadas. Sendo campeão sempre e muitas vezes como o capitão da equipe. Seu sucesso o fez permanecer no clube. Ele se aposentou no Porto em 2008/09 e passou a ser treinador do time sub-17. 

Pedro Emanuel Académica
Foto original: Tiago Petinga/Arte: O Futebólogo

Uma temporada mais tarde, tornou-se auxiliar técnico do promissor André Villas-Boas junto aos profissionais e ajudou a montar o time portista que venceria, outra vez, a Liga Europa em 2010/11, contra o Braga. Entretanto, ele aproveitou pouco os louros. Antes do início da temporada, aceitou um desafio importante: conduzir um time com suas próprias pernas. Levar as vitórias a outra cidade. Treinar a Académica, o time que só conquistara títulos de segunda divisão e uma Taça de Portugal em sua larga história. Seguir os passos de Villas-Boas — que procedera justamente da Académica.

Poucos gastos e muitos ganhos


O agora treinador Pedro Emanuel recebeu uma equipe que havia lutado bravamente contra o rebaixamento. A Académica havia terminado o Campeonato Português 2010/11 apenas uma posição acima da zona de rebaixamento. Mas havia bons valores. Seis meses antes, o clube recebera por empréstimo o jovem meio-campista Adrien Silva, vindo do Sporting. A joia leonina se juntou, então, a jogadores como o centroavante Éder, e o promissor Ibrahim Sissoko (irmão do famoso Momo Sissoko) e o ponta esquerda Diogo Valente.

Mas era preciso bem mais do que isso para não sofrer novamente e não havia dinheiro em caixa. O clube acabou se virando (e bem). Do Sporting veio o emprestado lateral direito Cédric Soares; e do Porto o zagueiro Abdoulaye Ba, velho conhecido de Pedro Emanuel. Do Málaga, chegou o atacante Edinho, para ser sombra e companhia a Éder. Da rebaixada Naval, chegou também um atleta que se tornaria bandeira do time, o ponta direita Marinho. Estava preparada a espinha dorsal de um time disposto a ser competitivo.

A Académica não gastou um centavo sequer em transferências. Todos os contratados ou chegaram por empréstimo ou foram negócios a custo zero. E assim surgiu um time com objetivos e sonhos bem definidos. Ninguém sai da disputa contra o rebaixamento para o topo sem gastar. A história recente do futebol confirma essa realidade. Dessa forma, era evidente que o que se buscava inicialmente era a permanência na primeira divisão. Mas sonhar não custa, certo?

Adrien Silva Académica
Foto original: Catarina Morais/Arte: O Futebólogo

E nada melhor do que competições de mata-mata, em que os jogos podem se confirmar verdadeiras batalhas, de vida ou morte, para alentar o desejo de conquistas de uma equipe de pretensões modestas.

Davi surpreende dois Golias diferentes


Os primeiros seis meses de trabalho de Pedro Emanuel foram mágicos. A Briosa estreou vencendo o União de Leiria fora de casa e terminaria o ano de 2011 com um honroso sexto lugar. E, mais importante que isso, viva na Taça de Portugal, apesar da eliminação na Taça da Liga. 

Detalhe: o último jogo do ano foi a partida válida pelas oitavas de finais da Taça de Portugal. E os coimbrenses só chegaram até lá porque foram capazes de peitar os defensores do título da temporada anterior. O talento de João Moutinho, James Rodríguez, Hulk e do zagueiro Nicolás Otamendi não foi páreo para o ardente desejo de vitória da Académica, na 4ª eliminatória.



Comandada pela categoria de Adrien Silva, autor de um dos gols, a Académica acabou com o Porto: 3 a 0 inapelável — Marinho e Diogo Valente completaram o placar para explodir os corações dos sofridos e fiéis torcedores do time da casa. O que parecia um revés (enfrentar os Dragões tão cedo na competição) acabou sendo o combustível que o time precisava. Depois, eliminou Leixões, Aves e Oliveirense. Chegou à final.

Apesar disso, a virada de ano trouxe o nada auspicioso cansaço. Entre as rodadas 15 e 28, o time simplesmente não venceu. Perdeu nove vezes e empatou outros cinco jogos (incluindo partidas contra Porto e Benfica). O desempenho caiu, os resultados despencaram e o time flertou com o rebaixamento. Ainda assim, a Briosa conseguiu chegar à finalíssima da Taça de Portugal com o ânimo renovado: fechou o campeonato nacional com dois triunfos contra os Vitórias, o de Setúbal e o de Guimarães.

"Podemos ambicionar a felicidade e é o que vamos fazer. Quando fui apresentado, disse que tínhamos o sonho de chegar a uma final de uma das taças e o conseguimos fazer de forma extraordinária. É a cereja no topo do bolo, pelo esforço dos jogadores [...] o objetivo da Académica passava pela manutenção [...] a temporada foi extremamente positiva”, disse um confiante Pedro Emanuel antes da final, contra outro gigante, o Sporting.

No Jamor, a Académica fez o estritamente necessário na decisão: um gol, com Marinho indo às redes assistido por Diogo Valente. Os brasileiros Anderson Polga e Elias, titulares sportinguistas, foram obrigados a participar da festa coimbrã, em preto e branco. Depois de mais de 70 anos, o time voltava a conquistar a Taça de Portugal. Acostumado a vencer, seu treinador, retornou ao pódio pela quinta vez, a primeira como comandante. O permitido sonho virou realidade e deu lugar a desejos mais fortes.


Caindo aos poucos


Classificada para a Liga Europa 2012/13, a Briosa parou ainda na fase de grupos, disputando a classificação com Viktoria Plzen, Atlético de Madrid e Hapoel Tel-Aviv. Porém, recorda a participação com o orgulho de ter representado Portugal além-fronteiras e de ter vencido os Colchoneros, em casa, por 2 a 0. 

Porém, sem recursos, os sonhos no futebol dificilmente perduram por muito tempo. Ao final da temporada 2012/13, Pedro Emanuel foi demitido, após uma sequência de nove jogos sem vitória. Em 2013/14, a equipe até foi bem, terminando o campeonato na oitava posição. Mas, logo no ano seguinte, voltou a lutar contra o rebaixamento, caindo, por fim, em 2015/16. Desde então, a Académica não voltou ao primeiro escalão do futebol português. 

O contraste com os dias do início da década de 2010 machuca, mas a memória da alegria vivida certamente aquece um coração tão pouco acostumado com os troféus.

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