O dia em que o campeão Barcelona viveu um vexame contra o CSKA

O Barcelona havia acabado de tirar um enorme peso de suas costas. No final da temporada 1991-92, finalmente, conquistara a Copa dos Campeões da Europa — título que seu grande rival, o Real Madrid, já vencera em seis ocasiões. Apesar disso, não houve muito tempo para festejos. Na edição seguinte, a primeira no formato de Liga dos Campeões, o CSKA foi o adversário catalão na segunda fase do certame e não quis nem saber se seu adversário era campeão.


CSKA Barcelona UEFA Champions League 1992-93
Arte: O Futebólogo

Um time dos sonhos?


Sentado no banco de reservas, comandando tudo, estava uma lenda do Barça. Ou melhor, uma lenda do esporte: Johan Cruyff. Sob sua direção, uma constelação de craques se alinhava no gramado. Nomes estrangeiros como Hristo Stoichkov, Michael Laudrup e Ronald Koeman eram acompanhados de talento nacional: um jovem Pep Guardiola, Bakero, Txiki Begiristain… 

Aquele era um time que merecia nome próprio, para ficar marcado na história. Não era um Barcelona qualquer, tratava-se do Dream Team de Cruyff. Os blaugranas tinham um jeito próprio de jogar, atraente ao observador e eficaz nos resultados. O próprio clube faz menção a isso em seu site: “[O time ficou caracterizado] pelo jogo de passes, estilo ofensivo e a mentalidade vencedora dos jogadores de Cruyff”.

Johan Cryuff Pep Guardiola Barcelona
Arte: O Futebólogo
Foi assim que, em 92, os catalães bateram a Sampdoria e conquistaram a Europa. Foi um jogo duro e a Samp tinha um ótimo time — como as presenças de Gianluca Pagliuca, Roberto Mancini, Toninho Cerezo e Gianluca Vialli não deixam mentir. Mas o Barça tinha um peso histórico para deixar pelo caminho, levantado por Koeman. 

A partida estava na prorrogação e se encaminhava para os pênaltis quando o holandês acertou um petardo e tirou o zero do placar. Êxito à parte, excetuadas as competições nacionais, a temporada que se seguiu foi bem difícil para o esquadrão catalão.


“Como una final”


Obviamente classificado para a disputa europeia do ano seguinte (até porque também vencera o Campeonato Espanhol), o Barça entrou na competição após a fase preliminar e teve pela frente os noruegueses do Viking. Já ali, houve sinais de que as coisas não iam bem

No Camp Nou, a casa dos homens de Cruyff, a vitória veio pela margem mínima e já no apagar das luzes. O solitário gol de Guillermo Amor saiu aos 41 do segundo tempo. Na volta, o zero teimou um pouco mais e se manteve no placar. Na fase seguinte, caberia ao Barcelona enfrentar o CSKA, que também retornava de um duelo contra um escandinavo, o islandês Víkingur.



O primeiro encontro aconteceu na Rússia e o resultado, 1 a 1 depois de sair atrás no marcador, foi considerado bom pela imprensa catalã. “Respuesta de Campeón” anunciou a manchete do periódico Mundo Deportivo. Naquela altura, o jornal ressaltou a boa resposta da equipe no segundo tempo, depois de uma primeira parte ruim e com desvantagem no placar.

Antes do jogo decisivo, no dia 04 de novembro de 1992, não havia clima de oba-oba. Uma vitória colocaria os blaugranas na fase de grupos da competição (nesta edição, houve apenas dois grupos de quatro equipes, com os campeões de cada um deles fazendo a final). Por isso, o MD foi enfático ao dizer que aquele jogo deveria ser jogado “Como una final”.

“Tragedia”


Como um profeta, Laudrup proferiu a sentença do Barça antes mesmo de a bola rolar. 

“As equipes russas são muito melhores fora de casa. O exemplo tivemos no ano passado [na Recopa Europeia de 1990-91] contra o Dínamo [de Kiev]. Os vencemos lá por 3 a 2 e eles logo marcaram no Camp Nou, 1 a 0. Passamos dificuldades e não chegamos ao empate antes dos últimos minutos”.

Mundo Deportivo


O dinamarquês nunca desejou estar mais errado. Porém, parecia que a vida catalã seria tranquila. Miguel Nadal colocou o time em vantagem com 12 minutos e Txiki ampliou aos 31. 

No entanto, um dos grandes temores dos técnicos de futebol é sofrer um gol pouco antes do intervalo. Faz parte do senso comum do mundo da bola a ideia de que um tento nesse momento pode ser um balde água fria no clube então vencedor e uma injeção de ânimo no derrotado. E foi exatamente o que aconteceu. Evgeny Bushmanov penetrou na área catalã aos 44 e diminui a contagem. Ao bater no travessão, a bola teimou, mas acabou entrando.

O CSKA juntou os cacos e foi à luta. O relógio mostrava 57 minutos quando Denis Mashkarin acertou em cheio uma cabeçada após cobrança de corner e empatou a contenda. O Barça ficou atordoado e ainda estava sem entender o que acontecia ao seu redor quatro minutos depois. Como se fosse o próprio time de Cruyff, o CSKA tocou e tocou a bola. Eventualmente, ela chegou à ponta direita, de onde saiu um cruzamento concluído de letra por Dmitri Karsakov: 3 a 2.


“Tragedia”: anunciou a manchete do Mundo Deportivo do dia seguinte. No seu interior, disse-se que um escanteio mudou tudo. Johan, o arquiteto do Dream Team, não foi menos enfático: “Para mim, este é um desses fracassos históricos do Barça, vai dos momentos mais extraordinários aos grandes desastres”.

Detalhe: na fase de grupos, os russos ocuparam a lanterna, atrás de Olympique de Marseille, Rangers e Club Brugge.

Ao final do ano, os catalães ainda perderiam o Intercontinental para o São Paulo. Demoraram outras 13 edições para o Barcelona voltar ao pódio na Liga dos Campeões, no que foi o prelúdio da vinda de outro Dream Team.

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