Coppa Italia 1996-97: o ápice da história do Vicenza

O que seria dos dias de luta sem os de glória? Seja com base nas expectativas de um futuro melhor ou na memória das grandes batalhas, são os êxitos que justificam as lutas do presente. E o hoje do Vicenza tem sido muito difícil. Não é para menos, trata-se de um clube modesto, de uma cidade pequena (apenas a 40ª mais populosa do Bel Paese), e que, como vários outros do país, faliu e tenta se reestruturar. Parte do ânimo para tanto, certamente, vem das alegrias vividas nos anos 1990.


Vicenza Coppa Italia 1996 1997
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo


Dias (in)tranquilos em Vêneto


A década de 1980 foi intranquila para os biancorossi. Ainda que tenha revelado ao mundo o talento de Roberto Baggio, que estreou como atleta profissional aos 15 anos, eram tempos difíceis na terceira divisão. Mesmo que Roby tenha participado decisivamente do acesso à Serie B, em 1984-85, conquistando também o prêmio de melhor jogador do torneio, logo o menino prodígio se foi, partindo para a Fiorentina e anunciando novas dificuldades.

O que era para ter sido um período de muita animação e boas perspectivas acabou por se tornar o completo oposto. Na tabela, o Vicenza foi o terceiro colocado da segundona em 1985-86. Fora dela, envolveu-se no segundo escândalo de manipulação de resultados apurado na Itália (o Totonero Bis), e viu seu acesso ser negado. E a desgraça não parou por aí, uma vez que, no ano seguinte, o time retornou à Serie C.

Roberto Baggio Vicenza
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
Eventualmente, os vicentinos acabariam conseguindo um novo acesso. Ele veio em 1992-93. Dois anos depois, sob a direção de um jovem treinador Francesco Guidolin, a consagração também chegaria, com o retorno à elite do futebol italiano. Com ele, veio um período não muito usual para a equipe, marcado por dias de calma. Se não era possível se entregar à sombra e à água fresca, também já não era necessário o drama de anos passados.

Em 1995-96, o time se acomodou tranquilamente na nona posição do Calcio — três pontos atrás da oitava colocada, Sampdoria, e oito além do 11º, o Cagliari. A situação foi tão confortável que o clube chegou a vencer, uma vez cada, Juventus e Lazio, segunda e terceira colocadas do certame. A pior posição que ocupou foi a 15ª, após ser derrotada para a Internazionale, na primeira rodada; a melhor tendo sido a 6ª, depois de vencer a Juve, no 20º encontro.

Assim, o Vicenza manteve a base da equipe para o ano seguinte, bem como o treinador. Guidolin seguiu segurando o leme do time, cuja base era formada por poucos estrangeiros de certo destaque, alguns veteranos e outros renegados — como o goleiro Luca Mondini, formado na Inter, o meio-campista Giampiero Maini, ex-Roma, e o atacante Roberto Murgita, vindo do Genoa, todos pouquíssimo aproveitados pelos seus clubes de origem.

Copas permitem sonhos


Naqueles anos, o futebol italiano ainda vivia dias dourados. Dessa forma, aspirar ao título nacional era completa insanidade para um time como o Vicenza. Aquela década veria, por exemplo, Milan e Juventus levantarem o título europeu — isso sem falar em mais cinco vices, dois de cada um, e outro da Sampdoria, em 1991-92. Ainda assim, se a conquista de um torneio de pontos corridos, que premia a regularidade, era loucura, o mata-mata estava lá para deixar o sonho de vitória vivo.

É claro que o Vicenza entrou na Copa da Itália de 1996-97 como underdog. No entanto, era um azarão que devia ser mantido em observação, já que, histórico à parte, terminara a última temporada entre os 10 melhores times do país. 

A estreia na competição aconteceu bem no início da campanha, ainda em agosto. Fora de casa, o Vicenza venceu o modesto Lucchese, da segunda divisão, por 2 a 1. Adiante, nas oitavas de finais, passou dificuldades, mas eliminou o Genoa, que também estava na Serie B. Fora de casa, apenas empatou por 1 a 1, conseguindo avançar com vitória pela margem mínima em seus domínios, 1 a 0. 


Aliás, a coisa também ia bem na Serie A. Não fosse por uma queda de produção no meio da temporada, talvez o time tivesse ido além do ótimo oitavo lugar. Não obstante, o foco era a Coppa Italia. Então, veio o primeiro grande desafio: o Milan.

Enfrentar o campeão nacional em um mata-mata nunca é algo desejável, sobretudo quando ele leva ao campo atletas como Marcel Desailly, Edgar Davids ou Baggio. Consciente de suas limitações, o time fez o mínimo necessário. Em Milão, abriu o placar com Gabriele Ambrosetti, que se aproveitou de falha defensiva milanista. Entretanto, a famigerada “lei do ex” entrou em ação e Baggio empatou a disputa. Na volta, o zero não saiu do placar, classificando os vicentinos no critério do gol anotado fora de casa.


Necessário, somente o necessário


Depois de passar pelo Milan, tudo era possível. 

Na única eliminatória que teve de decidir como visitante, o Vicenza enfrentou o Bologna. E os comandados de Guidolin mataram a semifinal na primeira oportunidade que tiveram. O solitário gol de Murgita ofereceu uma vantagem que foi levada ao Stadio Renato Dall’Ara. Lá, Cristiano Scapolo colocou a classificação alvirrubra em perigo, abrindo o placar para os anfitriões aos 42 minutos do primeiro tempo. Mas, aos 43 da etapa final, se aproveitando de uma bola mal rebatida, Cornachini garantiu a classificação.

Do outro lado do chaveamento, eliminando Monza, Pescara, Lazio e Internazionale estava o outro finalista, o Napoli, de Roberto Ayala, André Cruz e Alain Boghossian (e que tinha ainda os brasileiros Beto e Caio Ribeiro em seu elenco). No sul da Itália, com um bonito voleio, Fabio Pecchia deu a vantagem aos napolitanos, mas o 1 a 0 era reversível, embora difícil.

Em casa, no estádio Romeo Menti, o Vicenza deu o troco. Curiosamente, como na ida, o gol do time da casa saiu no minuto 21. Após cobrança de falta do lado direito do ataque biancorossi, Maini tentou uma vez, de cabeça, mas foi no rebote que anotou o primeiro tento vicentino. Tenso, o jogo acabou indo à prorrogação. 

Dois minutos antes do fim, foi cobrada falta potente que o goleiro napolitano, Giuseppe Taglialatela, não segurou. Maurizio Rossi estava lá para aproveitar o rebote e marcar o 2 a 1. O gol foi um baque forte para os sulistas que ainda sofreriam mais um tento, quando um corte, no meio-campo, transformou-se em lançamento para o atacante Iannuzzi correr por trás da defesa rival e consagrar o 3 a 0. O Vicenza era o campeão.


A quase epopeia foi substituída por um drama sem fim


Com o título, o clube italiano se classificou para a disputa da Recopa Europeia de 1997-98 e seguiu sonhando. Depois de perder a Supercopa da Itália para a Juventus, o Vicenza se concentrou na competição continental, o que quase provocou o rebaixamento à segunda divisão nacional. No entanto, valia a pena tentar.

Na disputa, eliminou o Legia Varsóvia (3 a 1, no agregado), o Shakhtar Donetsk (5 a 2) e o Roda (9 a 1). Chegou às semifinais e enfrentou um Chelsea recheado de caras conhecidas, já que contava com o jogador-treinador Gianluca Vialli, o astro Gianfranco Zola e Roberto Di Matteo, todos italianos. Em casa, até venceu, 1 a 0. Entretanto, com gols de Gustavo Poyet, Zola e Mark Hughes, o Chelsea despachou os italianos, que até haviam aberto o placar: 3 a 1.


O que se sucedeu foram tempos difíceis. Em 1998-99, o Vicenza caiu para a segunda divisão. Voltou no ano seguinte, apenas para ser rebaixado outra vez, nunca mais voltando. Em 2018, o clube faliu, trocou de nome, deixando de ser Vicenza Calcio e passando a L.R. Vicenza Virtus. 

A posição medíocre na tabela do Grupo B da terceirona 2018-19 não traz bom presságio. Os próximos dias prometem seguir sendo de muita luta.

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