O grande ato da Romênia de Gheorghe Hagi

A segunda metade dos anos 1980 e o início dos 90 revelaram um panorama diferente no contexto do futebol mundial. Nunca uma equipe do Leste Europeu havia vencido a Copa dos Campeões. Então, os romenos do Steaua Bucareste conquistaram a edição de 1986, e, pouco depois, o Estrela Vermelha consagrou o futebol iugoslavo, em 1991. Nesse mesmo momento, países de menor tradição futebolística passaram a contar com grandes craques. Enquanto, por exemplo, a Bulgária tinha Hristo Stoichkov, a Romênia exibia a qualidade de Gheorghe Hagi, aquele que lideraria o país a um grande sonho.

Gheorghe Hagi Romênia Copa do Mundo
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo

Experiência em 1990 e classificação tranquila


A Copa do Mundo de 1994, sediada nos Estados Unidos da América, foi uma competição peculiar, porque expôs o poder de fogo de uma série de seleções de quem não se esperava tanto — ao mesmo tempo revelando fracassos inesperados. Para a Romênia, foi a oportunidade de se afirmar, já que, pela primeira vez desde 1930-1934, o país se classificara para dois Mundiais em sequência.

Em 1990, a campanha não havia sido ruim. Após se provar em um grupo pesado, dividido com Camarões, Argentina e União Soviética, acabou caindo para a Irlanda, nas oitavas de finais. Contudo, apenas nas penalidades máximas, após um empate sem gols. O 12º lugar demonstrou que havia algo de bom no seio da seleção tricolor. Estava-se diante de uma geração de talentos nacionais jamais vista.

Essa impressão ficou ainda mais evidente nas Eliminatórias para o torneio ianque. Para viajar à terra do Soccer, a Romênia superou os desafios de um grupo equilibrado. Liderada pelos gols de Florin Răducioiu, o artilheiro máximo da classificatória (com nove gols), a equipe bateu Bélgica, Tchecoslováquia, País de Gales, Chipre e Ilhas Faroe


Ficou com a primeira posição, somando sete vitórias, um empate e apenas dois reveses. Ao lado da Holanda, foi a nação com maior número de gols marcados; foram 29 em 10 partidas.

Estreia com o pé esquerdo… de Hagi


O sorteio dos grupos da Copa do Mundo não foi simpático com os romenos. No escaldante calor de Pasadena, teve o desafio de superar a nação da casa, que podia não ser uma potência, mas, ainda assim, jogava em casa e se preparara longamente para o certame. 

Além disso, havia no caminho a Suíça, treinada por Roy Hodgson, e a poderosa Colômbia, que, com sua geração de ouro, pisara na Argentina meses antes, com um goleada histórica por 5 a 0. O desafio era grande, mesmo porque a Romênia tinha um bom time, mas passava longe de se colocar em condição de favoritismo. Apesar disso, pôde contar com o esplendor técnico de seu grande astro.

Romênia Copa do Mundo de 1994
Foto: Twitter @FIFAWorldCup/ Arte: O Futebólogo

A estreia foi justamente o jogo de que se esperava as maiores dificuldades. No entanto, naquele dia, a estrela de Hagi estava reluzindo, como fez questão de notar o New York Times:

“Esta noite, conforme a Romênia iniciou o jogo como underdog contra a Colômbia, Hagi cuspiu na cara daqueles que duvidavam dele. Ele foi responsável por todos os três gols da Romênia, dois com passes formidáveis e o outro com um chute de trinta e cinco metros de tirar o fôlego, e ele conduziu um disciplinado time romeno a passar por uma enlouquecida Colômbia por 3 a 1”.

Sim, Hagi ofertou duas assistências — ambas para Răducioiu, de partida igualmente iluminada — e anotou um gol fantástico de longa distância (que parecia um cruzamento, mas morreu no fundo das redes). O astro estrelou aquela que foi uma das atuações mais brilhantes de um jogador na história das Copas do Mundo. Com a acidez que lhe é peculiar, Gheorghe arrematou após o jogo: “Como eu disse antes da partida, a Colômbia não deveria se esquecer que a Romênia também tem bons jogadores”.


Baque e afirmação


De repente, um frenesi tomou conta da situação. A Romênia, que havia se classificado tranquilamente para a Copa do Mundo, e atropelara a Colômbia, causou certo furor. A segunda partida seria contra a Suíça e todo o espectro de azarão já havia desaparecido. Estava desenhado o cenário perfeito para uma derrocada monumental. E ela veio. Os suíços penalizaram gravemente a Tricolor.

Logo aos 16 minutos do primeiro tempo, Alain Sutter acertou chute forte da entrada da área romena e inaugurou o marcador. Hagi ainda empatou na etapa inicial, renovando as hipóteses romenas, em um daqueles lances que só ele poderia fazer — outro chute poderoso de longa distância. Mas a parte final foi uma tragédia. Primeiro, Stéphane Chapuisat se aproveitou de uma confusão na área tricolor para devolver a vantagem helvética. Depois, um contragolpe rápido puxado por Ciriaco Sforza e uma falta cobrada por Georges Bregy se converteram em gols de Adrian Knup: 4 a 1.

Apesar do falhanço, a confiança romena não acabou, conforme resumiu o atacante Răducioiu: “Penso que o verdadeiro time romeno é algo entre o que aconteceu contra a Colômbia e o que se passou hoje. Às vezes, choramos; às vezes, sorrimos. Hoje não foi um dia para sorrisos”.

A decisão ficou para a partida contra a Seleção Norte-Americana. E o jogo foi duro; a temperatura do gramado chegando aos 46ºC. A esquadra do Leste Europeu se safou com um solitário gol de Dan Petrescu, que invadiu a área estadunidense e, em um lance que não deixou claro se a intenção do jogador era cruzar ou finalizar, enganou o goleiro e capitão local, Tony Meola. A classificação veio, com o primeiro lugar do Grupo A.


Tradição é importante, mas não garante nada


Nos mata-matas, o primeiro desafio romeno foi a Argentina. Quatro anos antes, a Albiceleste havia sido uma pedra no sapato tricolor, mas ainda na primeira fase. Agora, era matar ou morrer. E, bem, os sul-americanos haviam perdido seu cérebro. Ou seria o coração? Diego Armando Maradona havia sido pego no exame antidoping e não era mais opção para os argentinos. 

Mas, mesmo sem sua estrela maior, os Hermanos ainda tinham uma bela equipe, como as presenças de Gabriel Batistuta, Ariel Ortega ou Fernando Redondo não deixam mentir. Como esperado, foi um jogo pesado, ainda no calor de Pasadena. A Romênia saiu na frente. De falta, Ilie Dumitrescu encobriu o goleiro Luis Islas. Porém, logo depois, Batistuta foi derrubado na área. Ele mesmo cobrou a penalidade e empatou a disputa.

Romênia Argentina Copa do Mundo 1994
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo

Coube ao mesmo Dumitrescu devolver a vantagem aos romenos. Ele recebeu passe magistral de Hagi, no meio da defesa argentina. 2 a 1. A seguir, veio o grande momento da partida. Em contragolpe veloz, pelo lado direito, Hagi invadiu a área rival e marcou o terceiro para seu país. Abel Balbo ainda diminuiria, aproveitando-se de rebote infeliz do goleiro Florin Prunea. Porém, as redes não voltaram a balançar. A Romênia estava nas quartas de finais.


Pênalti é loteria?


Após eliminar a Albiceleste, a Romênia teve de enfrentar a Suécia, do goleiro Thomas Ravelli. Os nervos dominaram a partida, sobretudo no momento mais decisivo.

“O futebol é uma roleta [...] não gosto de roletas, é por isso que nunca joguei”, diria Hagi após o encontro. 

O estudado jogo ganhou contornos de drama somente quando eram decorridos os 78 minutos. Em jogada ensaiada, Hakaan Mild cobrou uma falta rolando a bola por trás da barreira. Tomas Brolin, uma das estrelas escandinavas daquele Mundial, fuzilou o goleiro romeno e abriu a contagem. Dez minutos mais tarde, Răducioiu empatou o jogo, que foi para a prorrogação.

Bastaram seis minutos de jogo extra para que o artilheiro romeno aparecesse outra vez: Răducioiu. Da entrada da área sueca, o atacante deu um tiro certeiro no cantinho de Ravelli. Era a virada romena. E melhor: logo em seguida, Stefan Schwartz foi expulso, deixando a Tricolor em lençóis ainda confortáveis. No entanto, segundo Hagi, o futebol é uma roleta e Prunea acabaria falhando, cinco minutos antes do fim, perdendo a bola no ar para Kennet Andersson. O placar sinalizou o 2 a 2 e assim o jogo acabou.


Nas penalidades máximas, depois de Mild e Petrescu perderem uma cobrança para cada país, o experiente Miodrag Belodedici, bicampeão europeu por Steaua e Estrela Vermelha, desperdiçou sua cobrança. Parou em Ravelli, como o delírio romeno, comandado por Hagi.

Derrota à parte, aquela Seleção da Romênia, já havia feito muito. Provocara espanto e admiração. Imortalizara Hagi como o “Maradona dos Cárpatos” e garantira uma história para ser contado por anos e anos, por gerações a fio.

Comentários

  1. Excelente post! Hagi e Romenia foram fantasticos em 1994. Hagi foi o grande jogador da copa apos e Romario. E talvez tivesse ate passado o baixinho, caso o geloeirao nao tivesse feito aquela barbaridade no fim do jogo. A historia poderia ser muito diferente para o Brasil em uma semi-final com a Romenia, ao contrario da burocratica Suecia.

    OBS.: nunca havia visto os gols das eliminatorias contra Wales. Parecem gols de um jogo do Brasil de 1982.

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    1. Valeu, meu caro! Realmente, de tudo o que já vi/li, não dá para não reconhecer o enorme futebol que o Hagi jogou naquela Copa. Quanto ao Romário, bem, o título também lhe garante uns pontinhos, né...

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  2. Vi esta copa inteira.timaço.mas deixar ir para os pênaltis é dar sopa para o azar.

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