O cartão de visitas que Riquelme ofereceu ao Barcelona

Não raro, Juan Román Riquelme é considerado o maior jogador da história do Boca Juniors. Para muitos, superioriza-se a Diego Armando Maradona. Foram muitos os dias de magia do camisa 10 pelo clube bostero, tanto em sua primeira passagem quanto na segunda. A prateleira de conquistas do clube também se beneficiou das performances do craque. No entanto, no imaginário de muitos, é difícil entender os motivos de seu insucesso no Barcelona. Essa dúvida deve pairar, especialmente, na cabeça dos torcedores da esquadra blaugrana, que se encantaram com o argentino em 1999.

Riquelme Boca Juniors Barcelona 1999
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo

Amistoso? Só no rótulo


O calor de Alicante foi escolhido para sediar uma partida de grandes proporções. Em que pese o fato de se tratar de um jogo não-oficial, promovido pela Nike, o encontro não teve nada de amistoso. Fala-se da disputa do Troféu dos Campeões, às vésperas do início da temporada 1999-00. De um lado estava o Barcelona, comandado por Louis van Gaal; do outro o Boca Juniors, de Carlos Bianchi

Os catalães não puderam contar com Pep Guardiola, Abelardo e Xavi, lesionados. Além disso, seu técnico optou por não arriscar, de início, Patrick Kluivert, Jari Litmanen, Boudewijn Zenden e Luís Figo, que ficaram na reserva. Já Michael Reiziger, Sergi, Luis Enrique e Rivaldo permaneceram em Barcelona, por opção. O time vivia um momento crucial de sua preparação, como comprova o fato de ter havido treinamento pela manhã, viagem no início da tarde e jogo à noite.


Por sua vez, os bonaerenses também começaram o jogo sem vários de seus destaques. Diego Cagna, Mauricio Serna, Martín Palermo e ele, Riquelme, começaram o jogo no banco de suplentes. Porém, nada disso impediu o desenrolar de um grande encontro — com tudo o que teria direito, inclusive polêmica. 

Riquelme 10 Boca
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
A primeira mostra de que havia algo grande em disputa veio aos 17 minutos da etapa inicial. Com categoria, Antonio Barijho finalizou da entrada da área. A bola acertou o travessão e caiu fora do gol. Foi isso que todos viram, menos o árbitro Mejía Dávila, que confirmou o 1 a 0 para os Xeneizes. Um jogo que já vinha sendo disputado com tensão ganhou ainda mais esse elemento. Os primeiros 45 minutos terminaram com vantagem sul-americana. Todavia, seria na segunda parte que as maiores emoções viriam à tona.

Finalmente, craques em campo


O Barça voltou dos vestiários com uma mudança. Van Gaal efetivou uma troca de portugueses: saiu Simão Sabrosa; entrou Figo — um dos melhores do mundo àquela altura. O Boca também mudou, com a entrada de Cagna na vaga de Hugo Ibarra. Com esse quadro desenhado, o placar enfim se movimentou pela segunda vez, aos ‘57. Coube ao Boca Juniors ampliar a contagem: César La Paglia cobrou falta da ponta esquerda e com pouco ângulo. Ainda assim, a bola passou e morreu no fundo das redes do goleiro Francesc Arnau. Houve alegações de um desvio nas mãos de Guillermo Barros Schelotto, mas o gol foi confirmado.

O tento improvável acabou provocando novas alterações. Zenden, Litmanen e Kluivert foram chamados imediatamente, substituindo Phillip Cocu, Mario e Dani. A resposta foi instantânea. Um minuto depois de entrar em campo, Zenden finalizou, da entrada da área, uma trama que começou em Frank De Boer, passou por Kluivert, e chegou a Figo, que ofereceu a assistência ao holandês. E esse gol também teve efeitos imediatos.

Bianchi reagiu na sequência. De uma sacada, tirou Gustavo Barros Schelotto, Cristian Traverso e La Paglia; pisaram na cancha José Pereda, Serna e Riquelme (Palermo entraria cinco minutos mais tarde). A partir desse momento, a partida, que já era muito disputada, passou a ser também um show, como sinalizou o La Nación:


“O Boca foi inteligente e demonstrou que se fortalece nas adversidades. O Barcelona tinha a bola, mas o jogo foi manejado pelo time de Bianchi. Ainda mais com um mago, como Juan Román Riquelme, que é capaz de deixar a bola tonta de tantas vezes que pisa nela e a faz girar”.

Prazer, Barcelona. Meu nome é Juan Román Riquelme 


O cenário da partida mudou radicalmente a partir da entrada do craque argentino. De repente, a bola passou a ter dono e ritmo. O Barcelona tinha ímpeto, mas não conseguiu controlar o jogo. Riquelme prendeu a pelota, distribuiu-a, ofereceu dribles e jogadas de rara beleza estética e incontestável eficiência. Quem primeiro provou do veneno do astro foi Gabri, facilmente driblado em lance pela faixa esquerda.

Efetivamente, o lance de maior importância protagonizado pelo ‘10’ aconteceu 15 minutos antes do fim do jogo. Lançado em profundidade pelo flanco direito, Riquelme avançou e entrou na área catalã. O goleiro Arnau saiu bem de sua meta, fechando o ângulo para o meia. No entanto, aquele acabou sendo um dia marcado por toques de magia. A estrela argentina freou. Levantou a cabeça e enxergou um espaço que ninguém mais viu. A seguir, executou o toque como poucos seriam capazes, enviando uma bola a meia altura e de três dedos. O passe alcançou Palermo que, sem dificuldades, anotou o 3 a 1.



Em uma grande noite de futebol, o Barcelona ainda ofereceu seu último suspiro. Winston Bogarde recuperou uma bola, travando um ataque rival, e iniciando um contragolpe. O esférico foi de um lado ao outro, trabalhado, com perícia e paciência. Chegou à ponta direita, em Figo, que tabelou com Gabri e finalizou da entrada da área. O chute, sem chances de defesa para o goleiro Óscar Córdoba, colocou números finais no placar.

As matérias dos periódicos da época dão conta do que se viu naquela noite quente. O argentino La Nación anunciou que “os dois [Barcelona e Boca Juniors], que começaram jogando um amistoso, terminaram deixando tudo”. Já o espanhol El País, desde o título, deu a dimensão da repercussão daquele jogo: “Árbitro colabora com a terceira derrota consecutiva do Barcelona”. O jornal garantiu, na sequência, que “apenas a atuação de Riquelme e o chute de Palermo evitaram que o Barça conseguisse a virada”.

Insucesso em azul e grená


Riquelme Barcelona 2002
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo
Encantado, o Barcelona passou a seguir de perto os passos de Riquelme. Depois do bicampeonato da Copa Libertadores com o Boca — além de outra atuação magistral contra um espanhol, o Real Madrid, na final do Intercontinental de 2000 —, o argentino acabou partindo para a Catalunha, em 2002. Apesar disso, o encanto de Van Gaal com o jogador acabou durando pouco. 

O maestro ficou apenas uma temporada no Camp Nou e jogou pouco (em quantidade e qualidade). Em 2018, o treinador holandês afirmaria que “Riquelme não marcava, não corria” e que derivaria disso seu insucesso. O craque disputou 42 jogos em azul e grená, marcando seis gols. No entanto, não jogou muitos minutos, apenas 2.360, ou aproximadamente 56 por encontro. Azar do Barça e sorte do Villarreal, que o contratou na sequência. No entanto, essa história fica para outro dia.

Comentários

  1. Riquelme era espetacular, fantástico! É o maior jogador da história das Copas Libertadores, tendo as atuações mais extraordinárias. O que o Cristiano Ronaldo e o Lionel Messi fazem com a Champions League, Roman fez com a Libertadores. Dificilmente, nos dias atuais, veremos um jogador desfilar com tanta técnica, maestria e genialidade pelos gramados latino-americanos. E não falo nem pela qualidade, mas pelos jovens talentos que saem cada vez mais cedo do de seus países para preencherem a o vazio da arte e do improviso que o futebol europeu raramente produz. Riquelme é uma oração.

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