Quando o Union Berlim flertou com uma glória improvável

O Union Berlim é um desses clubes que dispensam maiores introduções. As origens no proletariado; a resistência contra sistemas opressivos — primeiro, o vigente na extinta Alemanha Oriental, e, nos dias atuais, o do capitalismo —; a conexão visceral com a torcida, a comunidade local, que, literalmente, deu sangue e ofereceu força de trabalho ao clube; e a veia contracultural são fatos notórios. No entanto, trata-se de um clube carente de conquistas. De modo improvável, isso quase se modificou no início do século XXI.

Union Berlin Pokal 2001
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo


Um time sem conquistas, mas que delas não depende


O Union Berlim, tal como se apresenta nos dias atuais, ganhou vida em 1966. Eram tempos de Guerra Fria. O clube acabou ficando na ala oriental da Alemanha durante o período, mas à sua popularidade não acompanharam os títulos. Evidentemente, tal não se configurou uma catástrofe para o torcedor de uma equipe tão singular, já que a vitória sempre é o objetivo, mas não se faz o motor da equipe. Ainda assim, não teriam sido recusadas algumas taças.

Durante o período de divisão entre leste e oeste, o futebol da Alemanha Oriental foi amplamente dominado pelas equipes financiadas pelo sistema político. Em especial, o Dynamo de Berlim, fomentado pela polícia secreta, a STASI, transformou-se em um papão de títulos, conquistando o decacampeonato entre 1979 e 1988. Além dele, outros times competitivos da época foram o Dynamo de Dresden (, o Lokomotiv Leipzig) e o Magdeburg, campeão da Recopa Europeia, em 1974.

An der Alten Försterei
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
O Union Berlim preservou sua representatividade em razão de seu caráter popular. Em anos de chumbo, seria no mínimo contraditório que o cidadão comum apoiasse agremiações ligadas a organismos governamentais. Tendo no estádio An der Alten Försterei sua catedral, a classe trabalhadora de Berlim Oriental teve no clube ligado aos sindicatos um lugar onde se reconhecia e reconhecia os seus iguais. Além disso, torcedores órfãos — como, por exemplo, os do Hertha Berlim, absorvido pelo lado ocidental — precisavam de um novo clube.

Dentro das quatro linhas, porém, o clube viveu um enorme efeito ioiô, alternando entre a primeira e a segunda divisões da RDA. Até os dias atuais, seu título mais importante é o da Copa da Alemanha Oriental, de 1968. E, quando o muro caiu e o futebol germânico, unificado, viu as equipes do lado ocidental dominarem, de forma absoluta, a cena nacional, apenas a conexão com a comunidade impediu que o clube fosse extinto ou caísse no esquecimento.

Uma campanha improvável


Sim, os títulos não são um must no caso do Union Berlim. Entretanto, não é por isso que não são desejados — mesmo porque os êxitos dos Eisernen significariam o triunfo de seu modelo anti-establishment. Assim, em 2001, o clube do sudeste da capital alemã esteve perto do topo em um pódio importante, momento raro em sua história. Enquanto perseguia o acesso à segunda divisão, movido pelos gols do mineiro Daniel Teixeira, o Union também surpreendia na Copa da Alemanha.

Todos os desafios dos berlinenses estiveram ao menos um patamar acima do que eram as capacidades da equipe naquele momento histórico. O Union, um time da terceira divisão, teve de superar quatro equipes da 2. Bundesliga e outras duas da elite. A única compensação diante dessa teórica desvantagem foi um benefício difícil de ser desvalorizado: fazer todos os jogos em casa — exceto a final, sempre designada para campo neutro. Jogar no Försterei não era uma vantagem qualquer.

Steffen Menze Union Berlin
Foto: Imago/ Arte: O Futebólogo
Assim, o time foi crescendo. Na primeira fase, deixou para trás o Rot-Weiß Oberhausen, que terminaria a temporada na metade de baixo da tabela da segundona, 2 a 0. Era ainda o mês de agosto e, embora se tratasse de uma vitória relevante, não havia motivos para sonhar. O time do General, como ficou conhecido o treinador búlgaro Georgi Vasilev, não sofrera gols, o que se tornaria uma marca daquele Union.

Conforme foi fazendo uma campanha tranquila na terceirona (cinco vitórias, três empates e duas derrotas, nos primeiros dez jogos), o time pôde se concentrar nos mata-matas. A seguir, o time de ferro eliminou o Greuther Fürth, clube que ficaria seis pontos abaixo da zona de acesso à primeira divisão naquele ano. Econômico, mas suficiente, passou com 1 a 0. O gol foi marcado pelo atacante albano-macedônio Harun Isa, que já havia ido às redes na primeira fase, e seria, também, decisivo na terceira. No 4 a 2 de virada — o time saiu perdendo, fez 3 a 1, sofreu o segundo 3 a 2 e confirmou a passagem com um quarto tento—, ele marcou duas vezes, eliminando o SSV Ulm 1846, também da 2. Bundesliga, de onde acabaria rebaixado. 

Um feito de enormes proporções 


A chegada às quartas de finais da Pokal já era um feito enorme para o Union Berlin. Além de ter se superiorizado a três times de uma divisão superior a sua, o clube chegou a um estágio da competição em que, além dele, competiam quatro times da Bundesliga — Stuttgart, Freiburg, Bochum e Schalke 04 —, dois da segunda, Duisburg e Borussia Mönchengladbach, e um surpreendente Magdeburg, da quarta e que alcançaria um acesso naquela temporada. Junto deste, o Union era um dos underdogs.

O adversário naquela altura foi o Bochum. Embora estivesse na elite, o time do atacante croata Marijo Marić tinha mais com o que se preocupar do que com a Copa da Alemanha. Naquele final de 2000, o time já estava afundado na zona de rebaixamento do alemão, com uma campanha péssima. O Union, que nada tinha a ver com isso, seguiu surpreendendo. Outra vez, ganhou por 1 a 0, gol do defensor grandalhão Daniel Ernemann.


Já em 2001, em fevereiro, a partida semifinal só foi decidida nas penalidades máximas. Contra o tradicional Gladbach, o Försterei estava flamejante, como não poderia ser diferente. O gramado, por outro lado, era um verdadeiro pasto. Aos 27 minutos, um chutão da retaguarda virou lançamento. Sozinho, correndo desde antes da linha do meio-campo, Božidar Đurković invadiu a área dos Potros e abriu o placar para os anfitriões. Na segunda etapa, lançado nas costas da defesa do Union, Arie van Lent empatou e, pouco depois, de peixinho virou. Não houve, entretanto, espaço para desânimo. Aos 80, o estádio voltou a explodir quando, de cabeça, o capitão Steffen Menze igualou o placar. 

O jogo passou pela prorrogação e chegou à marca da cal. Logo, Van Lent virou vilão da torcida do Gladbach, alçando o goleiro Sven Beuckert à condição de herói da causa operária. Os batedores do time de Berlim foram todos eficazes, ao contrário de Max Eberl, que contribuiu para a consagração de Beuckert, perdendo a segunda cobrança dos visitantes. Fim de jogo, 4 a 2 e avanço à final.

No meio do caminho havia o Schalke, no final a Europa


Schalke 04 Union Berlim Pokal 2001
Foto: Imago/ Arte: O Futebólogo
Finalista inédito, o Union Berlim se fez uma grande zebra. A decisão estava marcada para Berlim, mas não contaria com o calor da catedral dos Eisernen. O encontro com o Schalke 04, que havia superado o Stuttgart, seria no enorme Olímpico. Abarrotado, com mais de 73 mil espectadores, o estádio viu, por fim, a derrota do valente time do Union. Entretanto, os Azuis Reais de Gelsenkirchen só chegaram ao triunfo na bola parada.

A seta digitalizada no chão pela transmissão da TV indicava a distância de 26m entre a falta e o gol berlinense. Veio, então, a jogada ensaiada. O ângulo era favorável à cobrança de um jogador destro, mas o Schalke tinha outros planos. Quando Andreas Möller passou pela bola, deixando-a para a batida do canhoto Jörg Böhme, acabou iludindo o arqueiro do Union, que nada pôde fazer. Cinco minutos mais tarde, o mesmo Böhme converteu penalidade máxima. E foi isso: 2 a 0. Tristeza na região de Köpenick? De modo algum.

"A subida é uma coisa de longo prazo, que pavimentou o caminho para esse clube. O Union jogou a segunda divisão por muitos anos em sequência, o que, obviamente, foi muito importante para o clube. Mas a experiência da copa é um momento único. Muitos nunca o alcançam, alguns apenas poucas vezes — somente se você jogar no Bayern de Munique talvez consiga um número diferente. Mas, para os mortais ordinários, uma final de copa é uma experiência única", disse o ex-capitão do time, Steffen Menze, ao site oficial da federação alemã.


O acesso à 2. Bundesliga veio e dessa vez deu tudo certo. Diferentemente das subidas em 1992-93 e 1993-94, barradas pela falta de meios para obter as licenças necessárias, agora os Eisernen podiam finalmente dizer que haviam chegado ao segundo escalão da Alemanha unificada. E, mais que isso, continuariam a sonhar. Como o Schalke 04 se classificou para a Liga dos Campeões via Bundesliga, a vaga na Copa da UEFA 2001-02 caiu no colo do Union. 

Apesar disso, viver um sucesso semelhante àquele da Copa da Alemanha era muito mais difícil. No fim das contas, o Union Berlim ainda era um time com dificuldades financeiras e que, pela primeira vez, havia chegado ao segundo escalão do futebol germânico. No fim, apesar de ter eliminado os finlandeses do Haka, os Eisernen acabaram caindo na fase seguinte perante os búlgaros do Litex Lovech. Não foi uma campanha memorável, mas ofereceu novas histórias para o torcedor contar: relatos de um pequeno tour europeu, que só foi possível depois de uma enorme façanha nacional.

Comentários

  1. Hum... Capitalismo é opressivo? E o socialismo que oprimiu milhões durante toda a história e faz vítimas até hoje ? Fiquei meio sem entender esse início do texto. Ambos tem graves falhas, só não compreendo porque a critica acontece apenas a um.

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    1. Amigo, se você reler, entenderá que foi dito que o regime da Alemanha Oriental (um regime socialista) era opressivo e o que capitalismo também é. São caminhos obviamente diferentes, mas que, se é possível dizer alguma coisa comum aos dois, são insuficientes e não conseguem acabar com os problemas cruciais da humanidade, tais como a desigualdade social. Então, na minha opinião, e respeito se você tiver outra, são sistemas opressivos. Os dois. Não houve crítica a apenas um.

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    2. Mas o texto se refere apenas ao capitalismo como problema atual enquanto o socialismo continua oprimindo e matando de fome sua população.

      Ambos os sistemas são problemáticos mas é bastante comum ver times ligados a esquerda sendo endeusados pela midia, ignorando bandeiras de Cuba e caricaturas de ditadores na arquibancada. Mas é cult, é alternativo,então ninguém liga.

      Não sei a fundo do Union mas se forem críticos apenas do capitalismo, convidaria eles a deixarem a Alemanha e irem residir nos paraísos socialistas livre da opressão
      capitalista.

      Mas me parecem mais tranquilos quanto a isso, já que comemoram de forma muito linda o natal.

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    3. Meu caro, você entendeu errado. O capitalismo aparece no texto como uma realidade combatida pelo Union Berlim. A contextualização está limitada à situação da equipe. Não é sobre o mundo. Não há juízos de valor do tipo "esse sistema é bom" ou "aquele sistema é ruim". No entanto, não faria qualquer sentido eu falar que o clube luta contra o socialismo, na medida em que não luta. As situações por que ele passa são em razão das dificuldades de ser um clube com poucos recursos inserido num contexto (o futebol) em que o dinheiro tem uma enorme influência na capacidade de ser competitivo. Você levou a discussão para um terreno além da proposta do texto, por isso limito a resposta ao que está nele. Respeito seu comentário, mas, repito, não houve qualquer referência ao capitalismo como único problema atual.

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