Quando o St Mirren viveu a fantasia de quase contar com Ronaldinho

Na transição dos anos 1990 para os 2000, o futebol mundial se deparou com uma nova estrela brasileira da mais alta qualidade. Formado no Grêmio, Ronaldinho era uma novidade capaz de hipnotizar qualquer amante do futebol, com seus dribles, irreverência e riso frouxo — mesmo diante dos mais duros marcadores. Terminado o ano de 2000, seu contrato com o clube gaúcho se aproximava do fim e ele já vislumbrava um futuro na Europa. Entre muita polêmica, firmou com o Paris Saint-Germain no início de 2001. Porém, só pôde estrear pelo clube na temporada 2001-02. Nesse interregno, quase viveu uma inesperada aventura pelo futebol escocês.

Ronaldinho St Mirren
Arte: O Futebólogo


Um imbróglio que deixou fortes marcas


A saída de Ronaldinho do Grêmio foi qualquer coisa, menos pacífica. O prodígio do Tricolor Gaúcho, que se tornava uma realidade também da Seleção Brasileira, tinha um contrato com seu formador que o manteria no estádio Olímpico até fevereiro de 2001. No entanto, eram outros tempos. Diferentemente do que ocorre na atualidade, o jogador não poderia definir seu futuro livremente ao final de seu vínculo. Seus direitos federativos permaneciam ligados ao clube anterior, que poderia cobrar por sua liberação.

Em 1998, foi aprovada a Lei Pelé, que colocou fim à ideia de passe, determinando que “o vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante” terminaria “para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho”. No entanto, essa regra só passaria a viger a partir de meados de março de 2001. Ou seja, sem contrato a partir de fevereiro daquele ano, Ronaldinho precisaria aguardar aproximadamente um mês e meio para se desligar oficialmente do Grêmio.

Entretanto, o clube gaúcho, como vários outros que passaram por semelhante situação — como foi, por exemplo, a situação de Juninho Pernambucano com o Vasco — iniciaram disputas judiciais, para garantir o pagamento de indenizações e não ficar de mãos abanando. No caso de Ronaldinho, a conclusão de um acordo prévio de cinco anos com o PSG foi anunciada em 18 de janeiro de 2001, embora as partes já tivessem assinado um pré-contrato no final de dezembro do ano anterior, como relatou a Agência Estado.

Ronaldinho Grêmio
Foto: R7 / Arte: O Futebólogo
A adaptação às novas regras demorou a ser absorvida pelas equipes, como relataria a Folha de São Paulo, em 30 de dezembro de 2001, com a matéria “Após 9 meses da Lei Pelé, clubes insistem em ‘passe’”. O Grêmio recorreu à Justiça do Trabalho. Os gaúchos exigiam o pagamento de 25 milhões de dólares, usando uma proposta recebida do Leeds United como parâmetro. Em um primeiro momento, foi conseguida uma liminar, exigindo que a quantia fosse paga para que houvesse a liberação. 

No entanto, o caso se arrastou. Ronaldinho se apresentou ao PSG para a pré-temporada de 2001-02 e logo começou a jogar. Em novembro de 2001, a Fifa determinou que o clube parisiense deveria pagar 5,8 milhões de dólares ao Grêmio, valor que acabou reduzido ao patamar dos 4,2 milhões, em acordo firmado em fevereiro de 2002, depois de o Tricolor manter a ação trabalhista ajuizada no ano anterior. Assim, Ronaldinho assumiu a condição de persona non grata junto ao seu formador.

A despeito disso, o importante aqui é salientar que Ronaldinho ficou sem atuar na primeira metade de 2001, o que poderia ter sido diferente, se um negócio maluco tivesse se concretizado.

Nada de Celtic ou Rangers: St Mirren


Diante desse cenário, sabedor da condição do brasileiro, que não poderia atuar — na melhor das hipóteses, até o início da temporada europeia seguinte —, o modesto St Mirren entrou em ação. O pequenino time da cidade de Paisley, no oeste do Vale Midland, abordou Ronaldinho. Sabia que era um tiro de longo curso, mas a verdade é que poderia acertar o alvo. A ideia dos Saints era levar o craque por um curto período, apenas até o fim da temporada, o que deveria ser suficiente para alcançar os objetivos da equipe. 

Na luta contra o rebaixamento, o time procurava desesperadamente por alguém que lhe proporcionasse gols. Esse alguém poderia ter sido R10. É claro que o clube sabia que jamais teria hipóteses de levar o garoto em definitivo, mesmo porque estava acertado com o PSG. Todavia, sobretudo diante do desespero, valia tentar aquela contratação absurda, mesmo porque a janela de transferências da Escócia ainda estava aberta.

Foto: Desconhecido / Arte: O Futebólogo
O possível negócio chegou a começar a se materializar, mas a cautela falou mais alto na hora decisiva. Ciente do litígio entre Ronaldinho, Grêmio e PSG, o St Mirren temeu que, mesmo diante de um hipotético acerto, os documentos do brasileiro não fossem liberados a tempo de inscrevê-lo. Amargando o fundo da tabela, a equipe não podia se dar a esse luxo, precisava levar uma certeza a Love Street. Assim, firmou com o atacante Stephen McPhee, emprestado pelo Coventry City — um acordo muito mais condizente com as pretensões do time.

À época, o treinador dos Saints, Tom Hendrie, explicou o ocorrido ao Daily Record: “Sabíamos que seria um tiro no escuro, mas ele estava sem contrato e sem atuar. Porém, há questões legais em andamento no Brasil e a federação local recusou sua liberação. Estou muito desapontado. Parece bizarro quando falamos em um jogador dessa categoria podendo vir atuar pelo St Mirren”.

Anos mais tarde, o comandante voltaria a recordar o ocorrido, dessa vez ao The Sun

“Estivemos a cerca de 24 horas de tornar isso realidade. O agente era torcedor do St Mirren. Disse que estava em contato com o PSG e havia perguntado se eles teriam interesse em colocar o Ronaldinho em um clube da primeira divisão escocesa [...] Parecia uma situação win-win. O PSG estava feliz com isso porque pensavam que se ele viesse para cá começaria a se aclimatar ao futebol europeu, o que seria bom para o jovem [...] Deu tudo errado porque a CBF não fez isso [entregar os documentos] a tempo [...] A Federação Escocesa não aceitaria um registro depois de 31 de março”.

R10 não foi o primeiro brasileiro ligado ao clube


A busca desesperada do St Mirren chegou a rondar outros nomes importantes do futebol. Antes, os Saints teriam tentado as contratações do nigeriano Daniel Amokachi, então no PSG, do italiano Benito Carbone, à época no Bradford City, e do português Jorge Cadete, que pertencia ao Benfica. Nenhum deles desembarcou em Love Street. Houve também um outro brasileiro nas pretensões no clube. Aos 37 anos, Bebeto entrou em pauta.


O negócio também chegou a se desenhar, mas fracassou. Todavia, por motivos muito diferentes daqueles de Ronaldinho. O clube até se mostrou disposto a pagar os vencimentos desejados pelo veterano, mas, desconfiado a respeito de qual seria sua real condição física e técnica naquela altura, pediu que ele se apresentasse para fazer testes. Ele se recusou e o negócio não saiu. Na oportunidade, Hendrie também falou sobre o tema:

Ele foi um jogador sensacional, mas sua maior contribuição para a Seleção Brasileira foi em 1994, na Copa dos Estados Unidos, e há uma diferença muito grande de lá para cá. A gente tem que se perguntar se ele de fato é tão bom hoje como já foi. Se fosse, eu imagino que vários clubes do Brasil estariam tentando contratá-lo, disse à BBC.

Sem brasileiro algum e sem nenhum nome importante para seu ataque, o St Mirren pereceu. Em um torneio de 12 clubes, em que apenas um era rebaixado à segunda divisão, não conseguiu escapar. Sua defesa foi um fiasco, concedendo 72 gols em 38 jogos, mas seu ataque, que ficou a ver navios e não recebeu reforço relevante, também produziu desempenho terrível, registrando apenas 32 tentos. Ao final, a nota que fica é a de que nem toda história com contornos de conto de fadas tem final feliz.

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