Quando o Criciúma surpreendeu o Brasil e o continente

A trajetória do Criciúma, bem como a do futebol catarinense, registra muito mais dias de luta do que momentos de glória. Essa é uma realidade inescapável. O Tigre vive em constante efeito ioiô, maiormente alternando campanhas nas séries A e B do futebol brasileiro, mas, eventualmente, descendo ao terceiro escalão nacional. No entanto, a história indica o início dos anos 1990 como o mais feliz do time amarelo, preto e branco. Naquele momento, o estádio Heriberto Hülse acompanhou a conquista do título de uma incipiente Copa do Brasil e viveu dias de futebol internacional.

Criciúma Copa do Brasil 1991
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo

Campeão do Brasil


Foi em 1991 que o Criciúma subiu ao lugar mais alto do pódio mais importante de sua vida. Treinado por Luiz Felipe Scolari, repatriado do Kuwait e até então um treinador um tanto obscuro com uma carreira como zagueiro ainda menos notável, o time assumiu a condição de zebra e se tornou o primeiro campeão de Copa do Brasil a surpreender — inaugurando uma série que indicaria anos mais tarde clubes como Juventude, Santo André e Paulista de Jundiaí.

A história, entretanto, envolveu muito mais luta do que se pode supor observando em retrospectiva. Em 1990, comandado por Levir Culpi, o Tigre havia flertado fortemente com o acesso à primeira divisão. Não conseguiu, mesmo possuindo, então, um time bem encaixado. No entanto, apesar da boa herança recebida por Felipão, os catarinenses não responderam da mesma forma na Série B de 1991 e caíram ainda na primeira fase, terminando o certame em um modorrento 35º lugar, de um total de 64 equipes.

Depois de perder para o Juventude, resultado que selou o fim da participação do clube na segundona, Felipão colocou o cargo à disposição da diretoria sulista. Ela estava disposta a demitir o comandante, que foi salvo pelo gongo. Naquela altura, o Criciúma ainda estava vivo na Copa do Brasil, depois de passar pelo Ubiratan, do Mato Grosso do Sul, e superar o Atlético Mineiro, com duas vitórias por 1 a 0. Então, a terceira eliminatória, contra o Goiás, foi marcada para quatro dias após a derrota em Caxias do Sul. E teve gente intercedendo por Scolari.

Felipão Luiz Felipe Scolari Criciúma
Foto: Valdir/RBS/Gazeta Press / Arte: O Futebólogo

“O Vanderlei, o Sarandí e eu, que éramos lideranças da equipe, fomos ao Moacir Fernandes [presidente do clube] para dizer que não adiantava demitir, que trazendo um ou outro não mudaria nada, porque a gente tinha um time certinho e bem montado pelo Levir Culpi no ano anterior”, relatou o antigo capitão e lateral esquerdo Itá ao GloboEsporte.com.

Felipão ficou. O resto virou história, conforme o Criciúma sustentou um 0 a 0 ante os goianos no Serra Dourada e, em sua fortaleza, o Heriberto Hülse, superiorizou-se: 3 a 0. Na sequência, venceu o Remo nas duas partidas e fez o suficiente para bater o favorito Grêmio — fora de casa, empatou por 1 a 1, freando as investidas do Tricolor Gaúcho em seus domínios, 0 a 0. Bastou o gol fora de casa, o Criciúma foi campeão, deixando clara a aplicação tática de toda a equipe:

“A parte defensiva prevalecia. Eu mesmo, muitas vezes, também marquei laterais. Ele nos cobrava que estudássemos as características do adversário. Assistíamos, no videocassete, aos lances deles. E ele nos cobrava, depois, perguntava as características dos jogadores”, contou o ponta Jairo Lenzi à ESPN.

De repente, a temporada 1991 não estava mais perdida e a 1992 se apresentava prometedora.


Até o futuro campeão continental passou maus bocados


A vitória nacional classificou o Criciúma à Copa Libertadores de 1992, ainda que o time não estivesse na primeira divisão nacional, sendo o pioneiro nessa condição. Mesmo assim, Felipão saiu. Rumou para a Arábia Saudita, para treinar o Al-Ahli. Para liderar a missão continental, o clube apostou em uma receita que havia dado certo; buscou o retorno de Levir e manteve a base vitoriosa. Tendo no Heriberto Hülse um caldeirão que ainda passou por uma ampliação, acomodando 25 mil torcedores, o Tigre estava preparado para tudo — o que incluía a necessidade de, logo de cara, enfrentar o campeão brasileiro vigente.

Copa do Brasil 1991 Criciúma Leão Tricolor Carvoeiro
Foto: Desconhecido / Arte: O Futebólogo
À época, clubes do mesmo país eram colocados no mesmo grupo, do qual avançavam três de quatro equipes. Criciúma e São Paulo dividiram o Grupo 2 com os bolivianos de San José e Bolívar. E quem passeou foi o Tricolor Carvoeiro. Começando pela estreia. 

Os homens de Telê Santana, comandante dos paulistas, viajaram a um pulsante Hülse, e foram dolorosamente superados. Ainda no primeiro tempo, Jairo Lenzi abriu a contagem, aproveitando lançamento da intermediária. De pênalti, Gelson marcou o segundo no início da etapa final. E, aos 44’, Adilson Gomes conferiu o terceiro e final. O São Paulo não viu o que o atingiu.


Das viagens à Bolívia, o Criciúma retornou com uma vitória e um empate na mala. “Apenas uma pessoa do grupo, o Beto Ferreira, que precisou fazer uso de oxigênio. Jogar na altitude não é fácil”, recordou o ex-volante Paulo da Pinta, ao portal 4Oito. Adiante, no tira-teima contra o Tricolor Paulista, os catarinenses sofreram um forte revés, 4 a 0, mas logo se recuperaram. A goleada em casa contra o San José, 5 a 0, e o triunfo por 2 a 1 ante o Bolívar classificaram o Tigre — como líder do Grupo 2 — aos mata-matas.

Nas oitavas de finais, o Criciúma superou os peruanos do Sporting Cristal, de campanha apenas regular na fase inicial. Em Lima, vitória por 2 a 1. Como anfitrião, outro triunfo, 3 a 2. E, então, se materializou um reencontro. Havia a previsão no regulamento de que clubes do mesmo país que chegassem às quartas se enfrentassem. Além de San Lorenzo e Newell’s Old Boys, Atlético Nacional e América de Cali, a competição presenciou outro Criciúma e São Paulo.

“Eles [o São Paulo] jogaram bem em Santa Catarina. Mas pelo que apresentamos, poderíamos ter nos classificado. Nós vínhamos embalados pelo resultado da Copa do Brasil. Tínhamos um grupo muito experiente, que jogava junto há três anos”, lembrou Lenzi ao Fox Sports

Em dois jogos apertadíssimos, a eliminatória foi decidida pela margem mínima. O jogo de ida, no estádio Morumbi, determinou os rumos da decisão. Um bonito chute de fora da área do atacante Macedo, que havia substituído Rinaldo, deu ao Tricolor Paulista a vantagem no jogo de volta. E ele só saiu aos 37’ do segundo tempo.

Na volta, a esperança logo retornou aos corações catarinenses. Com nove minutos da etapa inicial, de cabeça, o centroavante Soares colocou o Tigre em vantagem. E ela durou aproximadamente 45 minutos. Aos oito, mas do segundo tempo, Raí chapelou o volante Roberto Cavalo e a bola sobrou para Palhinha que não perdoou e enterrou o sonho do Criciúma. Aquele 1 a 1 se consolidou e o São Paulo avançou, eventualmente se sagrando campeão.


A coroação acabou vindo no final do ano


Queda na Libertadores à parte, o ano de 1992 ainda reservou outras emoções ao torcedor do Tricolor Carvoeiro. Dando sequência ao bom trabalho que começara com Levir Culpi, passara por Felipão e retornara ao primeiro, o Criciúma arrebentou na Série B. Na oportunidade, o time chegou às semifinais da competição, enfrentando o futuro vice-campeão Vitória. Acabou perdendo. Outra vez, pelo mínimo. No Heriberto Hülse, venceu por 2 a 1, perdendo por 3 a 1 na capital baiana, Salvador. 

Apesar disso, o bizarro regulamento da época admitiu o acesso de 12 dos 32 clubes. Assim, o Criciúma voltou à elite, permanecendo por cinco temporadas consecutivas, até seu rebaixamento em 1997 e consequente retorno aos dias de instabilidade, pulando de divisão em divisão; retornando algumas vezes à elite, mas também descendo às profundezas da Série C. Sempre recordando os dias que nenhum de seus torcedores esquece: os momentos em que o Tigre construiu um elenco campeão nacional e que o dignificou continentalmente. 

Aquele elenco carregou consigo o nome de Santa Catarina para fora do Brasil e perpetuou na memória do futebol nomes como o dos atacantes Jairo Lenzi e Soares, do arqueiro Alexandre, do capitão Itá, do volante Roberto Cavalo e do camisa 10 Grizzo. Sem falar, é claro, em Levir e Felipão.

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