O dia em que o PSV fez do Feyenoord a maior vergonha da Eredivisie

O fim da década de 2000 registrou um momento curioso na trajetória do futebol holandês. De repente, Louis van Gaal recuperou um esquecido AZ Alkmaar, assim como sua própria carreira. Seu clube alçou o pódio da Eredivisie. Assim como o Twente fez no ano seguinte. Ao mesmo tempo, a Holanda travava uma batalha interna, negando sua essência e buscando resultados a qualquer custo. Já os gigantes do país viviam dias de luta. O mais decadente deles, o Feyenoord, chegou ao fundo do poço em 2010-11, por obra de um PSV que praticamente não tinha o que comemorar, senão a desgraça do rival.

PSV FEYENOORD JONATHAN REIS 10-0 EREDIVISIE
Foto: Pro Shot/ Arte: O Futebólogo

Um time jovem demais


Entre 2009 e 2011, o treinador Mario Been foi o responsável por executar uma missão impossível. Quebrado, o Feyenoord não podia se dar ao luxo de fazer contratações de peso, precisando apostar, quase exclusivamente, na sua (competente) categoria de base. Produto das camadas inferiores do Stadionclub como jogador e, mais tarde, como treinador também, Been era um homem adequado para a tarefa. O problema era o grau de dificuldade dela.

No dia 24 de outubro de 2010, o holandês mandou ao gramado um time com média de idade de 23,9 anos. E ela certamente seria menor sem a presença do veteraníssimo Rob van Dijk, o goleiro de 41 anos. Jogadores de referência como o zagueiro Ron Vlaar ou o atacante Jon Dahl Tomasson estavam indisponíveis para aquele confronto, lesionados. Dentre os garotos que foram arremessados à cova contra os leões, estavam Stefan de Vrij (18), Georginio Wijnaldum (19) e Leroy Fer (20). Justiça seja feita, Been não tinha o que fazer.

GEORGINIO WIJNALDUM FEYENOORD
Foto: OnsOranje/Arte: O Futebólogo
Do outro lado, ainda que não vivesse seus melhores dias, afastado do título nacional desde a temporada 2007-08, o PSV possuía um time mais estruturado. O pragmático treinador Fred Rutten contava também com sua parcela de juventude, a questão é que ela não estava tão verde. Jeremain Lens (22) e Jonathan Reis (21), para citar dois dos mais garotos, já disputavam jogos profissionais desde as temporadas 2005-06 e 2007-08, respectivamente. 

Faltavam aqueles jogadores de maior distinção técnica, mais capacidade de desequilíbrio, mas o time não estava em frangalhos como o seu rival. E, além disso, Rutten contava com alguns velhos de guerra, como o beque Wilfred Bouma, e o volante Orlando Engelaar, além de uma estrela que logo seria vendida ao Barcelona, Ibrahim Afellay.

Por alguma razão, dizem que clássico é clássico, e vice-versa, em uma tentativa de afirmar que em um dérbi tudo pode acontecer. Apesar de o ditado tentar mostrar que esses jogos costumam se equilibrar, mesmo quando não há paridade entre as equipes, ele também indica a possibilidade de se ver o extraordinário, como foi o caso daquele PSV e Feyenoord.

Nem a sorte esteve ao lado dos homens de Roterdã


A curta viagem de aproximadamente 90km levou o Feyenoord ao Phillips Stadium. Era disputada a 10ª rodada e o time, 15º colocado na tabela de classificação, chegava ao clássico desesperado atrás de uma vitória. Por sua vez, o PSV buscava mais um triunfo para se consolidar na liderança da Eredivisie. E, em um jogo em que não há nada impossível, o azar pode cumprir parte importante da partida.

Aos 14 minutos da etapa inicial, quando o placar ainda registrava o 0 a 0, Been foi obrigado a fazer sua primeira alteração. Lesionado, o capitão Fer deu lugar a Karim El Ahmadi. Dez minutos mais tarde, pouco depois de o húngaro Balázs Dzsudzsák assustar o goleiro Van Dijk, os donos da casa abriram o marcador. O tiro de meta foi cobrado e a segunda bola foi vencida pelos Boeren. Jonathan Reis recebeu na ponta direita, ignorou seu marcador — o brasileiro André Bahia — e, de fora da área, com a perna canhota, abriu a contagem, com um chute forte e colocado.

JONATHAN REIS PSV
Foto: Toin Damen/Arte: O Futebólogo
Embora já dominasse por completo as ações, o PSV só ampliou aos 39’. Antes disso, entretanto, o Feyenoord precisou outra vez recorrer ao seu escasso banco de reservas. Eram decorridos 34 minutos quando o lateral direito Kelvin Leerdam, que já havia recebido um cartão amarelo, fez aquilo que os árbitros estudam como “jogada de manual” para a aplicação de outra pena — matou um contragolpe. Foi expulso. Been lançou outro garoto, Bruno Martins Indi (18), na vaga do atacante Ruben Schaken, para recompor sua defesa.

Então, o desastre se consolidou. A terrível aparição da retaguarda do time de Roterdã foi sendo desenhada. Logo, Afellay recebeu de Lens e marcou o segundo. Veio o intervalo, que acabou sendo apenas uma pausa para o torcedor recuperar o fôlego para o que viria a seguir.

Os piores 45 minutos da história do Feyenoord


Logo no retorno para a etapa final, impiedosamente, o PSV reiterou a quem pertencia o comando das ações naquele encontro. O Feyenoord tinha oito jogadores ao redor de sua área. Mesmo assim, os atacantes dos Boeren circularam como se não houvesse oposição. Tocando a bola de pé para pé. Até o lateral canadense Atiba Hutchinson alçar a pelota na área, encontrando a cabeça de Jonathan Reis. Eram jogados apenas dois minutos e, dois mais tarde, foi Afellay quem fez o cruzamento, para o sueco Ola Toivonen cumprimentar as redes: 4 a 0. Tudo o que ia entrava.

FEYENOORD PSV 2010-11 10-0 EREDIVISIE
Foto: EPA/Arte: O Futebólogo
Aquele jogo não parecia futebol profissional. Apenas os representantes de Eindhoven tinham iniciativa e, quando avançavam, pareciam imparáveis. Aos 54’, Lens recebeu de Jonathan Reis na entrada da área, passou no meio de André Bahia e Martins Indi e fez o quinto. Aos 58’, em uma das poucas ocasiões em que o Stadionclub tentou ir à frente, viu seu homem ser logo desarmado e Reis ser acionado em velocidade por Afellay. Nas costas da defesa do Feyenoord. Dali, a bola rumou para o gol de Van Dijk. Pela sexta vez.

O show continuou. Aos 62’, Lens avançou em disparada pela direita, cruzou bola rasteira da entrada da área. Com um gesto de gênio, Toivonen fez o corta luz, para que a bola chegasse a Dzsudzsák. Ele dominou e arriscou uma bomba. Estático, Van Dijk só observou a sétima bola que balançou as redes que devia proteger. E, pouco antes dos 70 minutos, de cabeça, o capitão Engelaar marcou o oitavo, após cobrança de escanteio.

Passaram-se mais oito até que Dzsudzsák convertesse um pênalti sofrido pelo lateral Erik Pieters. A tampa do caixão do Feyenoord só foi selada aos 87’, quando Lens, que já havia perdido diversas oportunidades, fez seu segundo. Dzsudzsák alçou a bola pela ponta esquerda, e, após uma série de furadas da defesa rival, a bola sobrou para o holandês. Foi o décimo e último. O que dizer depois de um vexame dessa magnitude?


“Não vou parar, porque amo esse clube”


Como era de se esperar, logo após o jogo se iniciou a especulação de troca de comando no Feyenoord. Contudo, Mario Been foi direto ao ponto: 

“Todos estavam quietos [no vestiário]. Se não houver confiança [em mim] entre os jogadores, ficará claro para mim [que tenho de deixar o clube]. Se não houver fé em mim da diretoria, ficará claro para mim. Mas, enquanto eu não receber esse sinal, não vou parar, porque amo esse clube [...] Com 10 a 0, você chora internamente. É uma grande página negra na história de um grande clube como o Feyenoord e doi demais [...] Foi ultrajante como nos defendemos no segundo tempo”, disse o comandante, que permaneceu até o fim da temporada.

Já o meio-campista El Ahmadi, reiterou a confiança do time no treinador: “Isso não teve nada a ver com o treinador. Temos que nos olhar no espelho”. Já os holandeses do Volkskrant deixaram claro o que já se podia imaginar: “O Feyenoord está sofrendo com a falta de qualidade, mas tem jogadores talentosos, apesar de ainda imaturos. Nesse sentido, o talento morre. Veja Martins Indi. Ele promete muito, dizem no Feyenoord, mas não no domingo. Ele fez tudo errado”.

Ao final daquele ano, a Eredivisie voltou a ser vencida pelo Ajax. O PSV terminou o ano em terceiro e o Feyenoord apenas em 10º.

Ninguém na Holanda vai esquecer o que aconteceu naquele domingo. O massacre do PSV é o segundo maior resultado da história da Eredivisie, atrás apenas de um 12 a 1 do Ajax, de Johan Cruyff, contra o Vitesse, em 1972. Porém, dada a dimensão dos clubes, nenhum resultado foi tão impactante quanto a derrocada do Feyenoord — um dia em que o azar, o despreparo e a imaturidade condenaram o torcedor do maior de Roterdã ao pior pesadelo de sua vida.

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