Em Niall Quinn e Kevin Phillips, Sunderland teve heróis e enfim sorriu

Em poucas regiões da Inglaterra o futebol tem tanto apelo quanto no nordeste. Mais especificamente, no condado de Tyne and Wear. Apesar disso, engana-se aquele que atribui tal fanatismo aos títulos. Sunderland e Newcastle não compõem o rol dos maiores vencedores do país. Nem por isso deixam de ser reconhecidos pela pujança de sua rivalidade. E foi em meio ao bom momento dos Magpies, que tinham Alan Shearer no comando de seu ataque, que os Black Cats foram resgatados pela dupla de ataque formada por Niall Quinn e Kevin Phillips.

Kevin Phillips Niall Quinn Sunderland
Foto: PA/ Arte: O Futebólogo

Pesadelo em vermelho e branco


O que pode ser pior para o torcedor de uma equipe do que ver seu time em mau momento? Ter que conviver, ao mesmo tempo, com o brilho do maior rival. Foi exatamente o que se verificou na segunda metade dos anos 1990. O Newcastle andava sob a presidência de John Hall, o comando técnico de Kevin Keegan e contava com Shearer para marcar gols. Assim, entre as temporadas 1993-94 e 1996-97, alcançou dos vices da Premier League.

Do outro lado do dérbi, as coisas iam mal. No ano do primeiro segundo lugar do time preto e branco, 1995-96, o Sunderland estava na segunda divisão. Pouco importa que tenha conseguido o acesso. 

Era evidente que o céu se encontrava aberto em Newcastle Upon Tyne e bem fechado, quase sempre anunciando tempestades, na vizinha Sunderland. Aliás, foi irrelevante aquele acesso vermelho e branco, porque no ano seguinte os Magpies voltaram ao segundo lugar, enquanto os Black Cats retornaram ao segundo escalão inglês. Naquela campanha de 1996-97 ficou sublinhado um dos grandes problemas do time: a falta de gols.

Enquanto Shearer rendeu 28 tentos ao Newcastle, o máximo que um jogador do Sunderland anotou foram quatro gols. Tanto Craig Russell quanto Paul Stewart tiveram a fraca marca como teto. Nenhuma sorte se manifestava no recém-inaugurado Stadium of Light. Isso ficou ainda mais evidente porque a maior esperança do time perdeu mais da metade da temporada, com uma lesão no joelho.

Niall Quinn Manchester City
Foto: Reprodução Twitter @ManCity/ Arte: O Futebólogo
Mesmo não sendo o protótipo do centroavante goleador, apesar da altura e a qualidade no jogo aéreo, o irlandês Niall Quinn, revelado no Arsenal, havia somado 21 gols nas últimas duas temporadas, pelo Manchester City. Fora isso que levara os Black Cats a desembolsar £1,3 milhões por seus serviços — então, um valor recorde para o time. 

Aos 30 anos, já era experiente, com 10 anos de serviços prestados à seleção irlandesa. Porém, teve pouco impacto na temporada do descenso. Foram apenas 13 os jogos que disputou e três as vezes em que balançou as redes.

Gols e recuperação


Após mais uma queda, grandes mudanças aconteceram em Sunderland. Enquanto Russell partiu para o Manchester City, que não hesitou ao pagar £1,25 milhões, os homens de vermelho e branco foram ao Watford — então na terceirona e que tinha conseguido o acesso — fazer uma aposta. 

Aos 24 anos, Kevin Phillips não tinha lá os melhores números, vinha de um passado trabalhando em uma padaria, um início de carreira como lateral direito no nanico Baldock, e somava apenas 25 gols em 65 partidas pelos Hornets. Mas era o que o bolso podia pagar.

“Quando ele bateu na porta, nenhum de nós sabia nada sobre ele. Ele não era nem um contrapeso — Peter Reid admitira que queria contratar David Connolly [...] Mas ele trouxe seu espírito indomável. Ele só queria conquistar coisas. Ele marcou em sua estreia e foi como ver um viralata se livrando de armadilhas. Ele era muito divertido, um cara incrível e um amigo maravilhoso”, disse Quinn sobre Phillips ao Guardian, em 2016.

Kevin Phillips Watford
Foto: Reprodução Crystal Palace/ Arte: O Futebólogo
E foi exatamente assim que tudo começou. Em sua estreia, ante o Manchester City, Phillips anotou seu primeiro tento. Quinn também foi às redes, no triunfo por 3 a 1. Nos primeiros cinco jogos, o novo contratado marcaria mais três gols. E depois de um breve jejum de sete rodadas, desembestou a fuzilar as metas adversárias. Em 1997-98, foram 35 tentos em 48 partidas, destacando-se a impressionante noite em que fez quatro contra o Rotherham, na FA Cup.

Quinn também foi muito bem no ano, registrando 15 gols em 37 jogos. No entanto, mesmo em profusão, os gols da dupla de ataque foram insuficientes para fazer o Sunderland respirar o frescor do ar da elite. O time parou na trave. Terceiro colocado na Championship, foi aos playoffs de acesso. Depois de eliminar o Sheffield United, caiu perante o Charlton Athletic e foi condenado a passar mais tempo na segundona. Phillips não jogou a decisão, machucado.

Em seu primeiro ano no Sunderland, Kevin dividiu a artilharia do campeonato nacional com o holandês Pierre van Hooijdonk, do campeão Nottingham Forest. Na campanha seguinte, foi ligeiramente menos prolífico, anotando 25 vezes em 32 jogos. Porém, somados aos 21, em 46 partidas, de Quinn, eles foram mais valiosos. 

Dessa vez, os Black Cats foram cirúrgicos; voltaram à Premier League com estilo, sendo campeões. Por trás do acerto entre a dupla de ataque, estava o trabalho do treinador Peter Reid.

Peter Reid Sunderland 1999
Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo

“Ele era um grande motivador. Tínhamos um sistema relativamente simples. Ele e seu número dois, Bobby Saxton, tinham uma forma de jogar que entrava nos jogadores — nós compramos isso e tínhamos alguém que marcava montes de gols. Em grande medida [o sucesso se deve] ao trabalho no campo, mas penso que trazer Kevin Phillips do Watford para o Sunderland e transformá-lo em alguém que venceu a Chuteira de Ouro da Europa, mostra o que Peter Reid consegue fazer em termos de extrair o melhor das pessoas”, recordou Quinn.

Com seu corpanzil, o irlandês era um mestre em dois ofícios, o de abrir espaços e o de marcar gols de cabeça. Por sua vez, Phillips possuía o instinto inato e o faro para se enfiar nesses espaços e arrancar a esperança dos torcedores rivais.

Fico assim sem você


Você não leu errado. Kevin Phillips, atacante do Sunderland, um clube apenas mediano da Inglaterra, recebeu a Chuteira de Ouro da Europa. Quando? Logo no ano de retorno à elite, seu mais goleador. Na temporada, também recebeu o prêmio de melhor jogador da Premier League.

Em 1999-00, não houve Alan Shearer, Andy Cole ou Thierry Henry capaz de superar o atacante inglês do time vermelho e branco de Tiny and Wear. Em 36 partidas, fez 30 gols. Estes, somados aos 14 de Quinn, ofereceram aos Black Cats a melhor posição da equipe na primeira divisão desde o quarto lugar obtido na temporada 1954-55. Em sétimo lugar, o time fez bonito e, finalmente, pôde zombar do rival. O Newcastle foi apenas o 11º colocado naquele ano.

Em especial, uma noite se tornou inesquecível naquele ano. No final de 1999, o Sunderland visitou o Chelsea, em Stamford Bridge. E deu show. O superlativo 4 a 1 no placar não é suficiente para revelar o que aconteceu. A substituição do campeão mundial francês Marcel Desailly no intervalo, sem lesão, apenas desorientado ante a missão de parar Quinn e Phillips, talvez indique melhor o que se viu. Cada um marcou duas vezes.

Kevin Phillips Niall Quinn Chelsea Sunderland 1999
Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
A parceria se manteve importante até a campanha de 2001-02, justamente a última de Reid no comando alvirrubro. No período, inglês e irlandês ajudaram o time a conseguir mais uma sétima colocação (em 2000-01), mas perderam fôlego no ano seguinte, voltando a lutar contra o descenso. Juntos, registraram mais 45 gols nas duas campanhas. E então, tudo se acabou.

Quinn entrou em campo pela última vez em sua carreira em outubro de 2002. Por sua vez, sem seu mentor no banco de reservas e seu fiel escudeiro no comando do ataque, Phillips fez uma temporada muito aquém de sua média. Foram nove gols em 36 jogos. 

Insuficiente, o Sunderland voltou à segunda divisão e o atacante optou por viajar toda a Inglaterra rumo ao sul. Assinou com o Southampton. No curso dos anos, ainda fez muitos gols, principalmente nos Saints e, após, no West Bromwich, mas nunca mais foi o mesmo.

Sem Niall, Kevin deixou de ser um atacante de destaque continental e selecionável inglês (fez oito partidas pelos Three Lions, entre 1999 e 2002). Assumiu a condição de artilheiro de times de segundo escalão. Em divisões inferiores ou lutando contra o rebaixamento na Premier League. O que não muda, em nada, o impacto que teve no Sunderland.

Com Niall Quinn e Kevin Phillips na linha de frente, o torcedor dos Black Cats não tinha motivo para invejar o Newcastle e seu astro Alan Shearer. Tinha quem lhe garantisse gols e boas campanhas. O acerto da dupla anglo-irlandesa, que não era magistral na arte do futebol, mas na dos gols, foi como se os astros tivessem se alinhado em torno da causa alvirrubra. Fez com que pela primeira vez o estádio da equipe fizesse valer seu nome, irradiando luz e aquecendo os corações da torcida.

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