Quando o Monaco atropelou o Deportivo e se candidatou a brigar pelo continente

Não demoraria para a Europa se render às qualidades daquele Monaco. Apesar disso, o clube sequer era apontado como favorito à superar a fase de grupos da Liga dos Campeões — mesmo que os adversários não fossem as maiores potências. No entanto, no quarto confronto disputado, os monegascos mostraram o que valiam. O dia 5 de novembro de 2003 nunca abandonará a memória daqueles que assistiram aos 90 minutos em que o Monaco destroçou o Deportivo La Coruña.

MONACO DEPORTIVO ROTHEN PRSO EVRA
Foto: Twitter @ChampionsLeague/Arte: O Futebólogo


A fundação começou a ser feita em 2001


O ex-meio-campista Didier Deschamps era o responsável por armar aquele time do Monaco. O francês não viveu qualquer hiato entre a trajetória como atleta e o início de seu trabalho como treinador. Sem escalas, trocou o futebol do Valencia pelo comando do time do Principado e começou a montar um talentoso elenco. Começando em 2001-02.

Logo na primeira temporada, foram diversas novidades. Umas deram certo, outras não. Se as chegadas do goleiro Flavio Roma e dos meio-campistas Lucas Bernardi e Jérèmy Rothen — além da promoção do zagueiro Gäel Givet aos profissionais — renderam frutos, o mesmo não se pode dizer dos desembarques de Christian Panucci, Vladimir Jugovic e Oliver Bierhoff. Nenhum destes três teve vida longa no Stade Louis II.

DESCHAMPS EVRA
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo
Em 2002-03, novas incorporações complementariam aquele time em formação. Chegaram o lateral Patrice Evra, contratado junto ao Nice, e o grego Akis Zikos, do AEK Atenas. E, mais uma vez, um nome importante foi promovido: o do beque Sébastien Squillaci. Com o vice-campeonato da Ligue 1, ficando apenas um ponto atrás do Lyon, o Monaco se classificou à Liga dos Campeões.

Na janela do verão europeu de 2003-04, o clube lidou com as inevitáveis saídas de Rafa Márquez, ao Barcelona, e Marcelo Gallardo, em retorno ao River Plate. Entretanto, azeitou seu time: por empréstimo, foram contratados Édouard Cissé, Fernando Morientes e Hugo Ibarra. Além deles, o clube abriu os cofres e fechou com Emmanuel Adebayor, do Metz. Estes homens se juntaram ao astro Ludovic Giuly, ao meia tcheco Jaroslav Plašil, e ao competente atacante croata Dado Prso, formando a base daquela equipe.

Início forte e derrota cara


O Monaco foi colocado no Grupo C da Liga dos Campeões 2003-04. O cabeça de chave era o Deportivo La Coruña, o PSV Eindhoven havia saído do Pote 2 e os gregos do AEK foram os terceiros sorteados. Isso mesmo: com coeficiente baixo, o Monaco foi um dos últimos a ser alocado nos grupos.

Logo, teve um desafio complicado: enfrentou o PSV, na Holanda. O campeão vigente da Eredivisie não era um time qualquer. Em seus quadros, contava com Mark van Bommel e Park Ji-Sung no meio, tendo poder ofensivo em Arjen Robben e Mateja Kezman. Seu treinador era um daqueles líderes que já tinha vivido de tudo um pouco: Guus Hiddink. Mesmo assim, o Monaco calou o Philips Stadium. Com gols de Morientes e Cissé, deixou os Países Baixos com um 2 a 1.

Na sequência, em seu território, os monegascos não tiveram dificuldades para mandar o AEK de volta para Atenas de mãos vazias. Mesmo levando a campo jogadores que seriam campeões europeus com a Grécia, casos de Theodoros Zagorakis e de Kostas Katsouranis, os homens de amarelo e preto foram varridos. Em dois minutos, entre os 23 e os 25 da etapa inicial, Giuly e Morientes marcaram. Este faria mais um e Prso consumaria a goleada: 4 a 0.

GIVET PARK JI SUNG MONACO PSV
Foto: Twitter @OptaJean/Arte: O Futebólogo
Então, o alvirrubro do Principado, disputou o jogo que representava seu maior desafio naquela fase inicial. Viajou à Galícia e, no estádio Riazor, enfrentou o forte Deportivo. O treinador Javier Irureta tinha um time talentoso em suas mãos. Dentre outros, mandou ao gramado os meias Juan Carlos Valerón e Albert Luque, além do letal atacante Diego Tristán. Na retaguarda, apostava suas fichas na força da dupla de zaga composta por Jorge Andrade e Noureddine Naybet, e no goleiro José Francisco Molina. 

Como esperado, a partida foi dura. O resultado só foi consumado aos 83 minutos. E em um lance chorado. Pela direita, o argentino Lionel Scaloni ofereceu um passe em profundidade para Tristán. O artilheiro chutou, Roma defendeu e a bola foi quicando, aflitivamente, para o gol. Derrotados, mas com a cabeça erguida, os monegascos voltaram para casa. O Mundo Deportivo indicou o motivo: “Tristán foi o autor do gol do Dépor e Molina o protagonista debaixo dos paus”.


Um time de que não se poderia duvidar


A sequência de jogos de volta começou contra o time galego, mas agora no Stade Louis II. Mordido, o Monaco não quis nem saber de seu adversário, que contava com a volta do capitão Mauro Silva. Logo no segundo minuto de jogo, Rothen abriu a contagem. Um corte equivocado do lateral direito Manuel Pablo deu ao meia do Monaco a chance de encobrir Molina.

Aos 11’, após outro lançamento longo, Giuly surgiu nas costas da defesa do Dépor, driblou o arqueiro e fez o segundo. Sem Morientes, lesionado, coube a Prso ser o artilheiro que aquele time merecia. Aos 26’, o escanteio cobrado por Rothen encontrou a cabeça do croata. E, aos 30’, o mesmo Rothen alçou bola longa na área galega. A pelota chegou à cabeça de Givet, foi mal afastada, e voltou ao beque que passou, com a cuca, para Prso fazer o 4 a 0.

EDOUARD CISSE MONACO DEPORTIVO
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo
Antes do fim da primeira etapa, porém, Tristán resgatou o que ainda havia de honra para seu time. Assistido por José Emílio Amavisca, fez perfeito trabalho de pivô em cima do beque Julien Rodriguez e diminuiu o marcador. Pouco depois, já nos acréscimos, Tristán voltaria aos holofotes. De seu chute, defendido por Roma, surgiu o rebote aproveitado por Scaloni: 4 a 2. Assim terminaram os primeiros 45 minutos. Certo?

Errado. Prso completou um hat-trick no último minuto. Plasil recuperou a bola já lançando Giuly. O capitão do Monaco só rolou para o croata marcar sem goleiro. Agora sim: os times foram para os vestiários, 5 a 2. Desesperado com o que acontecia, Irureta promoveu logo duas alterações. Pasmem: o goleiro Molina, que segundo relatos estava com dor de barriga, foi trocado por Gustavo Munúa. Manuel Pablo, de muitos erros, acabou trocado por Pedro Munitis.

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Foto: Cesar Quian/Arte: O Futebólogo
A etapa final começou tal qual um deja vu. Com gol no segundo minuto e provando que, dentre vários problemas do time galego, o goleiro não era um deles, Munúa saiu da área para afastar uma bola de cabeça e o fez mal. Plasil só teve que ofertar um chute por cobertura para marcar o sexto. Em pânico, o Dépor não evitou o 7 a 2, dois minutos mais tarde. Com liberdade, Rothen correu pelo flanco esquerdo e passou a Prso, que marcou o quarto e saiu comemorando com uma metralhadora. Não era para menos: havia marcado quatro gols em 49 minutos. Detalhe: no dia do seu aniversário de 29 anos.

Aos 52’, Tristán, que não tinha nada com aquilo, fez linda jogada individual. Superou três marcadores e tocou sutilmente, por cima de Roma, para fazer o terceiro dos espanhóis. Contudo, seu caixão ainda estava aberto. Coube a Cissé, aos 67’, fechá-lo. Com muita liberdade, o volante conduziu a bola até ter ângulo para a finalização de canhota: 8 a 3.


Apesar de tudo, um belo futuro para Monaco e Deportivo


No dia seguinte, o Mundo Deportivo fez o que qualquer jornal na Espanha faria: intitulou o resumo daquele encontro como Debacle. Fiasco, em bom português. A seu tempo, o MARCA falou em Desastre. Por outro lado, os franceses do L’Equipe também não puderam deixar de reconhecer o extraordinário: Une soirée de folie. Uma noite de loucos. 

DADO PRSO MONACO DEPOR
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

“Me sinto muito bem. Antes do jogo, o treinador me disse que me daria um presente de aniversário. Não poderia ter sido melhor. Eu já havia marcado hat-tricks em amistosos, mas nunca havia feito quatro em um jogo antes”, falou Prso ao Guardian

Dali, o Monaco arrancou à liderança do grupo. Depois, superou Lokomotiv Moscou, Real Madrid e Chelsea, antes de, finalmente, ser batido pelo Porto de José Mourinho na final. Morientes foi o artilheiro do certame, com nove gols. O Deportivo também fez uma campanha memorável: chegou às semifinais, igualmente vencido pelos Dragões, depois de deixar Juventus e Milan (os finalistas do ano anterior) pelo caminho. O que só aumenta a representatividade daquele histórico 8 a 3 para os homens de vermelho e branco.

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