Dois jogos no mesmo dia? Em 1987, Mark Hughes fez acontecer

Antes de apostar em uma carreira como treinador, Mark Hughes viveu dias importantes como atacante. Em 1987, desfrutava de sua segunda experiência longe das Ilhas Britânicas, representando o Bayern de Munique. Aos 24 anos, já havia passado por Manchester United e Barcelona. Na Baviera, viveria uma situação insólita, mas que era permitida até então. No dia 11 de novembro, jogaria duas partidas oficiais.

Mark Hughes Bayern
Foto: imago/Arte: O Futebólogo

Em baixa no Barça, Hughes foi aposta do Bayern


O galês Mark Hughes despontou para o futebol no Manchester United e não tardou a ter impacto positivo em Old Trafford. Entre sua estreia pelos Red Devils, durante a temporada 1983-84, e sua partida, dois anos mais tarde, fez 121 jogos e anotou 47 gols. Paralelamente, o Barcelona, treinado pelo inglês Terry Venables, estava no mercado à procura de talento britânico, que se via tolhido das disputas continentais após a Tragédia de Heysel. Então, os catalães já contavam com os gols do escocês Steve Archibald, ex-Tottenham.

Para a campanha de 1986, o Barça fechou com Hughes, apostando pesado também no inglês Gary Lineker, que acabara de ser o principal artilheiro do Mundial do México. Naquele momento, só era permitido o uso de dois estrangeiros na Espanha. Inicialmente, Archibald, que havia sofrido lesões durante a última campanha, acabou preterido em favor de Hughes e Lineker. Tal quadro, entretanto, se alteraria.

No dia 22 de março de 1987, na reta final da temporada 1986-87, os catalães do diário Mundo Deportivo fariam uma pergunta pertinente: “Archibald… A solução?”.

Mark Hughes Barcelona Gary Lineker
Foto: BBC/Arte: O Futebólogo
Era jogada a 32ª rodada do Campeonato Espanhol, quando o escocês retomou lugar no time, deixando Hughes de fora.

O galês não se adaptara ao novo clube. Ainda pesava contra ele o clamor do público, que nutria afeição pelo companheiro escocês (que inclusive pedia ao clube para atuar no time B, para se manter preparado para uma necessidade). Mark não voltaria mais ao time e Archibald emplacaria quatro gols nas 10 partidas disputadas até o término da temporada.

Apesar disso, finda a campanha 1986-87, nenhum dos dois permaneceu na Catalunha. O Barça optou pelo retorno aos campos do alemão Bernd Schuster, que havia sido afastado do time por uma temporada, diante de problemas como presidente do clube, Josep Lluís Núñez. Como Lineker havia se saído bem na campanha de estreia, o Barcelona acabou emprestado Archibald ao Blackburn, e repassando Hughes ao Bayern de Munique.

Passagem rápida e reconhecida pela Baviera


Como as equipes inglesas seguiam fora das disputas europeias, Hughes preferiu continuar sua carreira no continente. Em 5 de novembro, foi firmado o contrato de empréstimo ao Bayern, válido até o encerramento da temporada 1987-88. “As três partes estão muito satisfeitas”, relatou o presidente do clube germânico de então, o Prof. Dr. Fritz Scherer. E a aposta se mostrou frutífera. Dois dias mais tarde, como titular, o galês marcou um dos gols da vitória bávara contra o Bayer Uerdingen, 3 a 0.

Mark Hughes Bayern Munchen
Foto: ESPN/Arte: O Futebólogo
Após aquela partida, as coisas começaram a mudar para o galês, conforme contou ao Guardian

“Eu comecei a receber os créditos por coisas que eram parte do meu jogo e que nunca eram mencionadas na Espanha. Passei a receber mais chances de entrar na grande área, o que raramente acontecia em Barcelona. Penso que posso ir bem. Quero compensar o Bayern pela fé depositada em mim”.

Chegou, pois, o dia 11 de novembro.

À tarde, foi disputada uma partida decisiva válida pelas Eliminatórias da Euro 1988. Com Hughes no time titular, a seleção do País de Gales viajou a Praga, onde enfrentou a Tchecoslováquia na disputa final por uma vaga no certame continental. Mesmo que tenha atuado ao lado de um atacante da importância de Ian Rush, Mark não conseguiu evitar o pior: derrota por 2 a 0 e ausência no campeonato europeu para seu país.


Apesar disso, o atacante não teve tempo para se lamentar. Como havia combinado previamente com a direção bávara, Hughes ainda tinha um compromisso naquele dia. Repetiria algo que o dinamarquês Soren Lerby havia feito em 1985.

Acredite se quiser: Hughes não está mais em Praga


Representantes do Bayern, liderados pelo ex-atacante Uli Hoeness, esperavam Hughes para uma viagem de Praga a Munique. Naquela noite, os bávaros jogavam a classificação às oitavas de finais da Copa da Alemanha, contra o Borussia Mönchengladbach. E o jogo foi difícil, tendo sido decidido apenas na prorrogação, com Michael Rummenigge, que veio do banco, marcando duas vezes e garantindo a vitória bávara.

Insolitamente, quem também surgiu da reserva foi Hughes, que chegou ao estádio de fininho, após o fim primeiro tempo.

Mark Hughes Bayern
Foto: Bob Thomas/Getty Images/Arte: O Futebólogo
Aos 63 minutos, depois de disputar a integralidade de uma partida — e de viajar mais de 350 km desde a capital tcheca —, o atacante foi chamado pelo técnico Jupp Heynckes. E jogou outra hora de futebol, quase marcando um gol de voleio. Aquilo conquistou a torcida bávara. Era a demonstração última de comprometimento. Aquele forasteiro não abrira mão de representar seu país e, tampouco, de honrar as cores do time que o pagava. Precisava ser valorizado.

“Ninguém acreditava. Era esperado que eu estivesse a milhas dali, em Praga. Não era possível. E ninguém ficou mais atordoado do que os jogadores do Borussia Mönchengladbach”, concluiu. 

Não era para menos, claro.

Hughes permaneceu apenas aquele ano em Munique. Fez um total de 23 partidas e somou sete tentos. O Bayern queria sua permanência definitiva ao final do empréstimo. Porém, quando o clube de seu coração bateu à porta, o atacante entendeu que precisava recomeçar. Voltou ao Manchester United, mas permaneceu lembrado pelos feitos do dia 11 de novembro de 1987; recordado pela valentia e o compromisso de atuar por seu clube e país em uma data que era importante para os dois.

Comentários