O proveitoso final dos anos 1990 do Chelsea

A década de 1980 não foi a melhor para o Chelsea. Vivendo à sombra dos feitos do clube na transição dos anos 60 para os 70, quando os Blues venceram uma FA Cup e uma Recopa Europeia, aquele time começou o decênio oitentista na segunda divisão. Naqueles anos, foram cinco aparições no escalão inglês de acesso. Porém, a partir da subida de 1988-89 (de assombrosos 99 pontos), o time começou uma reestruturação que renderia grandes frutos na parte final dos anos 90.

FA CUP 1997 CHELSEA
Foto: Ben Radford/Getty Images/ Arte: O Futebólogo


Antes dos títulos, estabilidade


O retorno à elite ofereceu ao torcedor azul londrino uma temporada de sorriso. Em 1989-90, o clube terminou a primeira divisão em quinto lugar. As campanhas seguintes não seriam tão felizes, mas, ainda assim, o Chelsea viveria poucas dificuldades, fixando-se como um time de meio de tabela. Porém, uma série de movimentos poucos usuais começou a moldar um novo clube. 

Um dos jogadores ingleses de maior talento da história do país, Glenn Hoddle chegou a Stamford Bridge em 1993. Era um veterano. No alto de seus 36 anos, assumiu a atípica função de treinador-jogador. Até 1995, quando, enfim, decidiu pendurar as chuteiras, não foram muitos os jogos. Entretanto, sua visão acerca do futebol balançou as estruturas no oeste de Londres.

Hoddle havia vivido épocas laureadas no Tottenham e no Monaco; integrara equipes com grandes jogadores, e tinha uma boa ideia de que o Chelsea precisava de peças melhores. Apesar disso, as finanças do clube não andavam de vento em popa; o clube não era o mais procurado dos destinos para um atleta de ponta. 

Hoddle Gullit Chelsea
Foto: PA Sport/Arte: O Futebólogo

A necessidade de engrenagens mais qualificadas ficou especialmente evidente em 1994. Os Blues chegaram a sonhar com o fim do jejum de mais de duas décadas sem uma conquista relevante, na FA Cup daquela temporada. Porém, o Manchester United, de Sir Alex Ferguson, tratou de dar um choque de realidade ao Chelsea. Impetuoso, o escrete mancuniano massacrou: 4 a 0. 

Já em 1995, algumas coisas começaram a mudar, como contou o capitão Dennis Wise, ao Daily Mail:

“As coisas mudaram quando Glenn Hoddle trouxe Ruud Gullit e Mark Hughes. De repente, tínhamos bons jogadores, de alto nível, vindo para o clube. Quando você olha para esses caras no vestiário, começa a acreditar, acredite em mim. Eu mudei [...] Vi muitos jogadores virem e partirem — o padrão foi só subindo”.

A FA Cup da redenção azul londrina


Seria justamente Gullit o responsável por colocar fim ao marasmo vivido pelo Chelsea. Hoddle perdeu o emprego ao final da temporada 1995-96 e a diretoria azul preferiu manter a política que vinha ajudando o clube a crescer. Ofereceu ao holandês o posto do antigo chefe, mantidas suas funções como atleta. Suas aparições no riscado rarearam em relação à primeira temporada, mas o time triunfou. Como?

Uma das questões que costumam ser levantadas para justificar os sucessos que decorreram dessa escolha é a estabilidade do vestiário. 

Conta-se que, apesar das diferenças de alguns membros, evidenciadas, por exemplo, pela oposição dos caráteres do falante Wise e do silencioso Hughes, o ambiente era positivo. Dentre outras questões, a prevalência da língua inglesa na comunicação interna, a despeito das múltiplas nacionalidades presentes, era um ponto de coesão. O elenco, é bom dizer, também sofreu substanciais modificações naquele ano.

Dennis Wise Chelsea
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Dentre outros, desembarcaram em Stamford Bridge, os italianos Roberto Di Matteo e Gianluca Vialli, além do francês Frank Leboeuf. Isso no começo da temporada. No final de 1996, foi a vez do craque Gianfranco Zola chegar à capital inglesa, vindo do Parma a troco de seis milhões de euros. 

Destes nomes, apenas Vialli não foi escolha titular de Gullit no dia 17 de maio de 1997, também conhecido como o dia da libertação dos Blues.

Depois de superar West Bromwich Albion, Liverpool, Leicester (apenas no replay), Portsmouth e Wimbledon, o Chelsea subiu ao gramado do antigo Wembley para enfrentar o Middlesbrough, então carregado por Juninho Paulista. Naquela data, final da FA Cup, tudo saiu melhor do que a encomenda. Passados 42 segundos de jogo, os londrinos já venciam. Os marcadores do Boro deram espaço para Di Matteo, que conduziu a bola pela faixa central sem oposição, até acertar um tirambaço de longa distância.

“Eu estava avançando pela direita, esperando um passe e ele chuta [...] Fico pensando: ‘O que ele está fazendo?’. De repente, a bola está no fundo das redes. Foi alucinante”, recordou o jamaicano Frank Sinclair, zagueiro do time naquela tarde primaveril.

Já na fase final da partida, Eddie Newton receberia passe açucarado de Zola, dentro da área do Boro, e decretando o placar final: 2 a 0. Foi o primeiro título importante do clube desde a Recopa Europeia de 1970-71. Curiosidade: quem também estava no hotel Mayfair, onde aconteceu a festa de comemoração? O Rei. Não um membro da família real inglesa, mas o do futebol: Pelé, coroando um dia de sonho para o Chelsea.


Campeões em casa e no continente


Vitoriosos, os azuis de Londres não dormiram no ponto e trataram de providenciar a chegada de mais reforços para a campanha de 1997-98. Pela maior quantia paga até então pelos serviços de um jogador inglês, o time recontratou o talentoso Graeme Le Saux, que passara as últimas quatro temporadas no Blackburn. Também para melhorar o lado esquerdo, chegou o nigeriano Celestine Babayaro.

O gol recebeu o reforço do holandês Ed de Goey, vindo do Feyenoord; o meio-campo ganhou casca com o uruguaio Gustavo Poyet, ex-Zaragoza; e o ataque recebeu mais poder de fogo, na figura do norueguês Tore Andre Flo. 

“Ken Bates, o presidente naquela altura, teve coragem de ir atrás de mais e gastou um bocado de dinheiro. Isso quase levou o clube à falência, veja bem, mas assim ele conseguiu trazer Roman Abramovich”, falou Steve Clarke, antigo defensor do clube, ao Daily Mail.

Apesar disso, nem tudo foram flores no curso da temporada, mesmo que os resultados fossem absolutamente satisfatórios. 

Em fevereiro de 1998, com o Chelsea ocupando a segunda posição da Premier League, vivo nas semifinais da Copa da Liga Inglesa, e classificado às quartas de finais da Recopa Europeia, Gullit e Bates entraram em rota de colisão e o treinador holandês foi demitido, alegadamente, por diferenças quanto à renovação de seu contrato.

Vialli Chelsea
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

O escolhido? Em uma nova aposta no que vinha dando certo, Vialli assumiu a casamata azul — também como jogador-treinador. Foi assim que o clube conseguiu manter estabilidade no vestiário, definindo que a liderança seguiria com um de seus membros.

“Foi uma transição difícil e uma grande surpresa para nós. Luca [Vialli] deixou de ser um colega para ficar no escritório de treinador — e, obviamente, ainda estava jogando também. Acabamos sendo muito bem-sucedidos, então, claramente, isso não teve um impacto negativo no time”, lembrou Le Saux.

De fato, o time se manteve em alta. Com uma bela virada ante o Arsenal, na semifinal da Copa da Liga — o time perdera a partida de ida por 2 a 1, vencendo a volta por 3 a 1 —, foi a mais uma final de copa doméstica, agora da Copa da Liga. Outra vez, contra o Middlesbrough. Nesse turno, a disputa só foi resolvida na prorrogação. De cabeça, Sinclair abriu a contagem, aos 95 minutos. Pouco depois, Di Matteo completou uma cobrança de escanteio, confirmando mais uma derrota do Boro por 2 a 0.

Além disso, naquele ano, o Chelsea viveu uma nova glória europeia. Na Recopa, passou de passagem pelos eslovenos do Slovan Bratislava e destroçou os noruegueses do Tromso — que receberam os londrinos com uma nevasca recordada por Flo: “Eu sabia o que esperar. Os alertei de que em qualquer parte do ano se pode ter um tempo como aquele”. Depois, os Blues bateram o Real Betis, e superaram o Vicenza, após perderem a partida de ida. Enfim, chegaram à final, contra o Stuttgart.

A decisão foi um desses momentos em que tudo parece dar errado. Até dar certo. Wise e Zola vinham de lesões. De início, o capitão foi a campo, mas o craque italiano permaneceu no banco, para seu desgosto. Aos 71 minutos, acabou chamado. Entrou, e, de imediato, marcou o solitário gol do título, com um chute no ângulo do goleiro Franz Wohlfahrt. Com raiva.


Outra FA Cup para confirmar uma série de anos de ouro


Os sucessos continuaram na rota do Chelsea. Logo no início da campanha de 1998-99, os Blues bateram o Real Madrid, campeão da Liga dos Campeões, e ficaram com a taça da Supercopa da UEFA. A cortesia foi de Poyet, autor do gol solitário dos ingleses: um chute fortíssimo da entrada da área madrilenha, com assistência de Zola. Essa conquista acabaria sendo a única da temporada, mas não do período.


Ainda com Vialli no leme, em 1999-00, os Blues voltaram ao palco mais famoso da Inglaterra. Tendo superado Hull City, Nottingham Forest, Leicester City, Gillingham e Newcastle, o time londrino chegou a mais uma final da FA Cup. Dessa vez, a parada foi contra o Aston Villa.

O jogo, de poucas oportunidades, foi decidido por Di Matteo — mais uma vez. O italiano se aproveitou de uma falha do goleiro David James, após cobrança de falta de Zola e marcou o gol de mais um título azul. A conquista também foi a última vivida pelo antigo Wembley.


Na sequência, a campanha de 2000-01 começaria bem, com o time vencendo a Community Shield — superando o Manchester United por 2 a 0. Porém, poucos jogos depois, Vialli seria demitido. Ali, terminaria a gloriosa senda de vitórias da última geração do Chelsea anterior à chegada do magnata russo Roman Abramovich ao comando do clube.

“Quando estive no clube entre 1987 e 1993, só se falava dos sucessos do time dos anos 1970, que ganhou a FA Cup e a Recopa Europeia [...] Eles haviam sido o time de sucesso do Chelsea naquelas duas décadas [...] Voltar ao clube depois do título da FA Cup, em 1997, e viver toda aquela era até 2003, quando saí, Gianfranco saiu e Roman comprou o clube… aquilo foi fundamental para a história do clube”, lembrou Le Saux, ao Goal.

Com a troca de comando, também chegaria ao fim a estratégia de contratar treinadores-jogadores, a partir da chegada de Claudio Ranieri. A ele coube a responsabilidade de promover, no que diz respeito ao futebol do Chelsea, a transição de uma era difícil na maior parte do tempo — mas que teve um fim com muito brilho — para uma nova realidade, em que os títulos acabariam se tornando um habitué.

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