Suécia 1994: O digno bronze nos Estados Unidos

Estocolmo, 13 de julho de 1994. Naquela data, o desavisado que passasse por um ponto de vendas de jornais talvez não se desse conta de que havia uma semifinal de Copa do Mundo a ser disputada por seu país. A capa do Svenska Dagbladet, um dos principais periódicos da capital da Suécia, dedicou apenas uma pequena nota ao confronto que se realizaria em Pasadena, aproximadamente 8.400 km distante dali. Era o dia em que a seleção auriazul enfrentaria o Brasil, com uma das melhores gerações de sua história

Suécia Copa do Mundo de 1994
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo


Caminhando rumo à skytenkungarnas kamp — algo como a “Batalha dos Artilheiros”


Apesar da pequena nota a respeito da prodigiosa campanha sueca na página de apresentação daquele periódico, em seu interior, mais especificamente no caderno de esportes, foi dado destaque ao confronto — ilustrado com as imagens dos que eram, até ali, os principais artilheiros das nações envolvidas: Martin Dahlin, o camisa 10 sueco, e Romário, o 11 brasileiro. Aquele encontro era o ponto alto de uma trajetória de anos consistentes dos escandinavos.

Tudo começou em 1991. 

Depois do fracasso na Copa do Mundo de 1990, em que os suecos perderam todas partidas da fase de grupos (contra Brasil, Escócia e Costa Rica), o treinador Olle Nordin foi substituído por Tommy Svensson. Havia muito o que fazer. Alguns nomes precisavam entrar em pauta; outros tinham que sair; e havia, ainda, um terceiro grupo dos que tinham que melhorar.

A primeira mostra de que o trabalho de Svensson estava caminhando conforme esperado veio no ano seguinte. A Euro 1992 teve justamente a Suécia como país-sede. Na condição de anfitriã, ela não decepcionou. Liderou o Grupo 1, empatando com a França e superando a futura campeã Dinamarca, além da Inglaterra. Os auriazuis só seriam freados pela Alemanha, nas semifinais, em um apertado 3 a 2. 

Thomas Brolin Suécia 1994
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Tomas Brolin já conquistava as credenciais para ser um grande craque sueco, tendo sido um dos artilheiros da Euro, com três gols. Além dele, Jonas Thern atraía para si respeito, assumindo a condição de referência de meio-campo. A ele coube a honra de figurar na seleção da competição. Vale a lembrança: tanto Thern quanto Brolin eram remanescentes da seleção de 1990.

Chegar à Copa do Mundo de 1994, outro desafio importante


O sorteio dos grupos das eliminatórias para o Mundial dos Estados Unidos, em 1994, não foi generoso com a seleção sueca. Ela teve pela frente uma força tradicional do futebol europeu, a França, e uma equipe que mostrava ao mundo sua melhor safra da história, a Bulgária. 

Mesmo as equipes mais fracas não eram assim tão inofensivas e, em um dia bom, podiam ser uma pedra no sapato: Áustria, Finlândia e Israel.

Aconteceu o que se esperava: Suécia, França e Bulgária disputaram a ferro e fogo as duas primeiras posições do grupo, que asseguravam vaga no certame do mundo. Mas os escandinavos foram superiores. Chegaram à última rodada já classificados. O empate com a Áustria, 1 a 1, apenas selou seu destino. 

No curso das qualificatórias, os suecos perderam só uma vez, para os Bleus, em Paris. Martin Dahlin foi o artilheiro do Grupo 6, com sete gols.

O esquema 4-4-2 de Svensson vinha mostrando enorme eficiência. Tinha de tudo um pouco. A retaguarda não era brilhante, mas também não era ruim. Além disso, sabia que, caso fosse necessário, poderia contar com o excêntrico goleiro Thomas Ravelli, que, embora não viesse em sua melhor fase, faria uma Copa do Mundo brilhante.

Thomas Ravelli Suécia 1994
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Thern, Stefan Schwartz e Klas Ingesson eram meio-campistas na melhor acepção da palavra. Sabiam roubar bolas, passar e chegar à área adversária. Mais importante do que isso: corriam bastante. Tais credenciais permitiam a Brolin a liberdade necessária para que sua criatividade fosse uma vantagem para os suecos. 

No ataque, Kenneth Anderson e Dahlin garantiam muitos gols. E nem foi preciso mencionar as presenças de gente como Jesper Blomqvist e Henrik Larsson, no banco de reservas.

Por sua vez, franceses e búlgaros tinham um confronto direto. Era matar ou morrer. Liderados por Hristo Stoichkov, os Leões afastaram os gauleses, de Éric Cantona, em um dos jogos mais famosos de eliminatórias da história — e que crucificou David Ginola, mas essa é outra história.

De novo o Brasil, mas com uma nova narrativa


Em outro sorteio nada simpático, a Suécia acabou reencontrando o Brasil. Além das duas camisas amarelas, o Grupo B do Mundial de 1994 teve a presença dos russos, em sua primeira competição internacional após o fim da URSS, e os Leões Indomáveis de Camarões, surpresa na última Copa do Mundo. 

Dessa vez, a história foi diferente. Os escandinavos não perderam nenhuma vez, embora tenham registrado dois empates, incluindo um contra a Canarinho.

Quando brasileiros e suecos se enfrentaram, sabiam que avançariam às oitavas de finais. O empate, 1 a 1, apenas definiu quem seguiria com a liderança do grupo — o Brasil. A primeira fase também confirmou a ótima fase da linha de frente de Svensson, com Dahlin marcando três vezes.


Ainda era muito sonhar com coisas melhores; não era muito sensato projetar sucessos como os dos anos 1950, com a geração de Nils Liedholm, quando a Suécia foi terceira colocado no Mundial do Brasil, e vice-campeã, em 1958. 

Contudo, pelo menos uma vez, a Suécia acabou encontrando sorte. 

É verdade que a Arábia Saudita havia surpreendido na primeira fase, somando duas vitórias e ficando à frente da Bélgica. Mas era, sabidamente, uma das equipes mais fracas a avançar àquela fase. Os suecos não tiveram dificuldades para vencer, 3 a 1. Ali, mais que os sauditas, o calor foi um imponente adversário. Os termômetros passavam dos 40 graus.

Batendo em uma sensação, antes de um final controverso


As quartas de finais reservaram um desafio enorme para a Suécia. A Romênia viviam um momento singular em sua história, iconizada pela figura de Gheorghe Hagi. Depois de liderar um grupo com Suíça, Estados Unidos e Colômbia, os homens dos Cárpatos despacharam uma combalida Argentina, carente de seu líder técnico e espiritual, Diego Maradona, que havia testado positivo no exame antidoping.

O encontro entre romenos e suecos foi um dos momentos mais épicos daquele Mundial. Outra vez, a Suécia mostrou suas principais armas. A organização da equipe não ficou evidente apenas na forma como se postou em campo, mas também no minuto 78. 

Os suecos aprontaram uma cobrança de falta ensaiada e Brolin abriu o placar. Os romenos conseguiriam empatar pouco antes do apito final, com o artilheiro Florin Răducioiu. Também com ele, virariam na prorrogação.

Mas Kenneth Anderson usou a cabeça, quando eram decorridos 115 minutos e tudo parecia perdido — Schwartz tinha sido expulso. Nos pênaltis, brilhou Ravelli. A Suécia era semifinalista. Outra vez, contra o Brasil.


Para muita gente, o que a Suécia fez naquela semifinal não teve nada de natural. Aquele time equilibrado, e com muito poder de fogo, entrou em campo querendo empatar. Parecia não confiar em seu potencial, acreditando, entretanto, que Ravelli poderia os salvar outra vez, em eventuais penalidades. 

O 1 a 0 brasileiro não refletiu muito bem o que foi o jogo, um completo ataque contra defesa. O solitário tento de Romário, aos ‘80, foi um alívio, mas não contou a história da disputa.


“Nosso objetivo era só de ir além da primeira fase. As expectativas entre nós, vindas da imprensa e dos torcedores eram muito baixas [...] Minha ideia era essa, o único jeito para superar o Brasil seria pelos pênaltis", disse Ravelli ao Terra, anos mais tarde.

Mas houve também polêmica. A expulsão de Thern foi contestada por muita gente. A entrada em Dunga não pareceu suficiente para tirar o sueco da contenda. Houve um entendimento de que bastaria um cartão amarelo. Tal questão ficou ainda mais problemática quando se levantou a questão de a partida ter sido apitada por um sul-americano, o colombiano José Torres Cadena.

Despedida com o melhor futebol sueco


Após a derrota nas semifinais, sobrou para os suecos a disputa do terceiro lugar. Contra uma Bulgária combalida — além de cansada, notoriamente desanimada —, a equipe escandinava foi impiedosa. Mesmo sem Dahlin, aplicou um sonoro 4 a 0, cortesia de Brolin, Hakan Mild, Larsson e K. Andersson. O bronze era uma realidade, e uma realidade aplaudida.

Aliás, vale dizer: a goleada significou que a Suécia foi o país que mais gols marcou naquele mundial muito lembrado por táticas um tanto quanto pragmáticas. Foram 15, quatro a mais que o campeão Brasil, o segundo que mais balançou as redes adversárias. Brolin, por sua vez, acabou escalado para o time da competição.


Os suecos estavam satisfeitos com seu desempenho. Andersson, que acabou sendo o goleador máximo de sua seleção, com cinco gols, chegou a fazer um questionamento bem humorado, ao livro Football Cultures and Identities

“A comunidade mundial do futebol algum dia nos perdoaria se tivéssemos eliminado o melhor time do mundo?”

O certo é que o jornal que pouca atenção deu ao jogo semifinal, ofereceu a manchete para a seleção sueca, após a conquista do terceiro lugar. 

“As estrelas brilham ao redor do bronze”, ou algo assim, em uma tradução inexata do sueco. O mesmo se repetiu no dia seguinte, quando a equipe desembarcou em seu país, cercada por milhares de fãs. Os suecos estavam orgulhosos. Um bronze inesperado garantiu àquele elenco uma recepção destinada apenas aos heróis.

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