A revolução promovida por Jägermeister e Eintracht Braunschweig

A exceção que se transformou na regra. Até os anos 1970, camisas de futebol e propagandas não tinham quase nenhuma relação de afinidade, e o que existia se restringia, essencialmente, às empresas fornecedoras de material esportivo. Marcas de outros ramos não tinham espaço. Os fardamentos das equipes não eram vistos como um espaço potencialmente explorável por publicitários. Até que a necessidade de promoção de uma nova bebida se uniu à crise de um time; até que Jägermeister e Eintracht Braunschweig firmaram um pacto.

Eintracht Braunschweig Jagermeisteir
Foto: Imago/Arte: O Futebólogo


A crise é minha. O impacto, do mundo


1973. Era disputada a 10ª edição da Bundesliga e o Eintracht Braunschweig, apesar de ter sido um dos fundadores da competição, e de ter alcançado o título em 1966-67, caía pelas tabelas. Os problemas financeiros vinham desde o escândalo da Bundesliga, em 1971, quando jogadores dos Löwen foram acusados de receber mala branca, para vencer o Oberhausen. As pesadas multas impostas agravaram uma cena de contas problemáticas, o que se refletiu nos gramados.

Ao final da temporada 1972-73, o time da Baixa Saxônia acabaria rebaixado à Regionalliga. Antes disso, entretanto, começara um processo que o ajudaria a retomar seu lugar na elite alemã. Desde meados de 1972, o presidente do time, Ernst Fricke, vinha mantendo conversas com Günter Mast, o responsável pela empresa Jägermeister, também sediada na Baixa Saxônia. O primeiro precisava de dinheiro; o segundo queria divulgar sua bebida. 

A ideia era estampar nos uniformes do Eintracht Braunschweig a marca da empresa de Mast. Só havia um problema: a Federação Alemã proibia essa prática. Diante disso, ao final de janeiro de 1973, os parceiros usaram a criatividade para promover a troca do tradicional emblema do time, que tinha um leão ao centro, pela marca da bebida, representada por um veado. 

É claro que a mudança não seria fácil assim. Na tentativa de manter firme sua posição, a DFB alegou que aquilo seria uma afronta à história do clube, vetando a alteração.

Gunter Mast Eintracht Braunschweig
Foto: Imago/Arte: O Futebólogo

Então, foi promovida uma votação entre os sócios da equipe. Resultado: 154 votos favoráveis à mudança, sete contra. A compreensão de que a equipe precisava de dinheiro, com urgência, sobrepôs-se à tradição. Os 100 mil marcos alemães anuais que seriam recebidos eram mais que bem-vindos, ainda que a DFB tenha feito suas exigências: o símbolo não poderia ocupar mais do que 200 cm² na camisa.

O acerto entre Braunschweig, Jägermeister e DFB foi selado no dia 28 de fevereiro de 1973. A estreia do novo uniforme do time, devidamente inspecionado pelo árbitro Walter Eschweiler, aconteceu em 24 de março, em um empate, 1 a 1, contra o Schalke 04.

Em outras ligas menos relevantes no cenário internacional, como são os casos da Áustria, da Dinamarca e da Suíça, patrocínios já eram permitidos naquela altura, mas ainda eram mal vistos. Justamente por conta disso, o movimento do Braunschweig foi tão importante. Ao final daquela temporada, passariam a ser permitidos contratos de patrocínio na Alemanha. Logo, clubes como Hamburgo, Frankfurt e Fortuna Düsseldorf passaram também a estampar marcas em suas vestes. Não demoraria muito para o movimento ser adotado na Inglaterra e pela UEFA.

Reerguido e forte dentro dos gramados


Apesar do rebaixamento em 1972-73, apoiado pela nova injeção de capital, o Braunschweig não demorou nada a retornar à Bundesliga. Com tranquilidade, sagrou-se campeão da Regionalliga, em 1973-74. Os Löwen somaram sete pontos a mais do que o vice, o St. Pauli. Na volta, o time não passou por qualquer dificuldade, terminando a Bundesliga 1974-75 na nona posição, sem sustos.

No entanto, as pretensões do clube não eram pequenas. Afinal de contas, o Braunschweig fazia parte do seleto grupo de sete times que já haviam conquistado a Bundesliga. Em 1975-76, o time acabaria na quinta colocação; na temporada seguinte, 1976-77, chegaria ainda mais perto do topo. Apenas um ponto separou o time da Baixa Saxônia, que acabou na terceira posição, do campeão Borussia Mönchengladbach.


Aliás, vale dizer que, nos dois anos citados, a boa classificação na tabela significou acesso à Copa da Uefa. Em 1976-77, o time cuja imagem se misturava com a da Jägermeister não foi longe, entretanto. As únicas vítimas do time foram os dinamarqueses do Holbæk, derrotados por 7 a 1, no agregado. 

Na segunda fase, os alemães pararam no Espanyol, de Barcelona. Apesar da vitória na partida de ida, 2 a 1 consolidado por Wolfgang Frank — que, mais tarde, ganharia notoriedade como treinador e mentor de Jürgen Klopp — e Norbert Stolzenburg, a derrota na volta foi inevitável: 2 a 0 para os catalães e eliminação. Embora uma saída precoce não fosse bom agouro, o ânimo da equipe parecia inabalável, como viria a ficar evidente às vésperas da temporada 1977-78. 

Apostando em Paul Breitner


Paul Breitner Eintracht Braunschweig
Foto: Imago/Arte: O Futebólogo


“Depois de três anos de sucesso no Real Madrid, decidi deixar o clube. Me sentia muito jovem para ficar no Real para sempre [...] O Bayern soube disso e fez uma oferta na primavera de 77. Mas eu não queria voltar a Munique como o ‘filho perdido’. Estava próximo de fechar com o Hamburgo, até o diretor de então, Dr. Peter Krohn, me pedir para esperar mais algumas semanas. Mast me perguntou se eu gostaria de ir ao Braunschweig. O Bayern não foi atrás e a situação com o HSV ficou muito incerta para mim. Então, liguei para Mast, a conversa durou menos de dois minutos”, disse Paul Breitner, em entrevista ao site oficial da DFB.

Com a confiança de um time que quase alcançara o título nacional no ano anterior, o Braunschweig contratou um dos melhores jogadores alemães em atividade. Sem mais nem menos, buscou um craque do Real Madrid, deixando 1,6 milhões de marcos alemães nas contas merengues. Breitner não era um veterano. Tinha experiência, sim. Mas, aos 26 anos, ainda trazia muita lenha para queimar.

Mantida a base construída pelo treinador Branko Zebec, à qual se somou a liderança de Breitner, parecia que o céu era o limite para os Löwen. Contudo, na hora de escancarar as portas do paraíso, o time conseguiu apenas permanecer no limbo. O tiro saiu pela culatra. Na Bundesliga, o Eintracht terminou o ano em 13º lugar, uma queda de dez lugares em relação ao ano anterior. Na Copa da Uefa, depois de superar os ucranianos e noruegueses de Dinamo de Kiev e Start, o time caiu perante o PSV Eindhoven, dos irmãos Van de Kerkhof.

Eintracht Braunschweig
Foto: Mast-Jägermeister SE Archiv/ Arte: O Futebólogo

O pior é que nem se pode dizer que Breitner tenha decepcionado. Ele esteve presente em 30 das 34 partidas do time na Bundesliga, anotando impressionantes 10 gols, mais do que qualquer outro jogador da equipe. Aliás, dentro desses encontros, só não disputou os 90 minutos contra o Fortuna Dusseldorf e o Eintracht Frankfurt. Por outro lado, na competição continental, balançou as redes uma vez, em cinco encontros. 

O extracampo é que não andou bem naquela instância. Segundo Breitner contaria mais tarde, sua chegada provocou ciúmes de parte do elenco, o que não foi superado em momento algum: “Havia inveja e ressentimento no time, pelo menos de metade dos jogadores. No início, eu não era procurado, a bola continuava indo ao homem pior posicionado. Quatro semanas depois, perguntei ao time sobre isso, depois fui a Günter Mast. Todos concordaram que queríamos continuar tentando. Mas tudo seguiu no mesmo lugar”.

O sonho do Braunschweig durou uma temporada. Em 1978, Paul Breitner fez as malas e voltou para o Bayern de Munique, clube que representara, com estrondoso sucesso, entre os anos de 1970 e 1974.

Eintracht Jägermeister? Alto lá


Depois da aposta malfadada em Breitner, a situação do Braunschweig logo se deteriorou. O dinheiro da Jägermeister já não era suficiente para aplacar a grave crise financeira que se impunha ao clube. Depois de uma temporada de meio de tabela, em 1978-79, o time acabou retornando à segunda divisão no ano seguinte.

Ainda assim, após passarem por um play-off contra o Kickers Offenbach, os Löwen até conseguiram o acesso imediato à Bundesliga, voltando a fazer uma campanha de meio de tabela, em 1981-82. Porém, o cenário de queda livre voltou a ficar evidente na temporada seguinte, 1982-83, com o time da Baixa Saxônia escapando de mais um descenso por pouco, terminando o certame uma posição acima da zona de rebaixamento. 

Lutz Eigendorf Eintracht Braunschweig
Foto: HartungHartung/Arte: O Futebólogo

Nesse momento, o time também sofreu com a tragédia de Lutz Eigendorf. O meia, nascido na Alemanha Oriental e que fugira para o lado Ocidental, faleceu em março de 1983. As circunstâncias de seu acidente de carro nunca foram devidamente esclarecidas. Todavia, o rastro de ação da STASI, a polícia secreta da DDR, ficou pelo caminho. No fim das contas, ele seguia sendo considerado um traidor por sua pátria.

Em meio a essa cena, Mast tentou sua cartada final, ante uma dívida do clube de três milhões de marcos. O mandatário da empresa patrocinadora do time decidiu que queria também controlar a agremiação. Ou melhor: fazer dos dois uma coisa só. Günter concorreu à presidência do time em 1983, vindo a vencer e tentando dar seguimento ao seu mais ambicioso projeto: transformar o Eintracht Braunschweig em Eintracht Jägermeister, associando, para sempre, clube e empresa.

Como era de se esperar, a Federação Alemã fez tudo o que estava em seu alcance para evitar que isso se concretizasse. As longas disputas judiciais só tiveram final em 1986, com provimento positivo para Günter Mast. Entretanto, era tarde demais. Um ano antes, ele havia perdido a corrida pela reeleição. Por sua vez, com a lanterna da Bundesliga de 1984-85, os Löwen haviam sido rebaixados outra vez.

Agora, o acesso não só não viria com a mesma rapidez, com um outro rebaixamento, agora à terceirona, seria o destino do time, em 1986-87. E foi com a queda à Oberliga que a relação entre Eintracht Braunschweig e Jägermeister chegou ao fim. Na campanha seguinte, o clube voltou a estampar seu tradicional leão na camisa amarela. 

Um novo acesso à Bundesliga só aconteceria em 2013-14, uma altura em que o estranho já era encontrar um clube sem patrocínio. A exceção se transformara na regra, passando a movimentar valores muito mais elevados do que aqueles 100 mil marcos alemães de 1973. Se o futebol perdeu brilho em Braunschweig, segue sendo impossível ignorar a influência do time nas transformações vividas pelo futebol nas décadas que se seguiram aos anos 1970.

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