O protagonismo do West Ham nos anos 1960

Tradicionalmente, o West Ham não integra o rol dos clubes ingleses mais vitoriosos. Tampouco, o dos londrinos. O time cuja origem está ligada aos trabalhadores da construção naval, no rio Tâmisa, escreveu sua história através de muito esforço. Apesar de não serem vastos, seus títulos são motivo de orgulho. Mesmo porque, em grande medida, acabaram sendo alcançados por jogadores de sua famosa Academia de Futebol. Como nos anos 1960.

West Ham Winners Cup 1965
Foto: Daily Mirror/Arte: O Futebólogo


Time vinha da segunda divisão, apostando na base


Foram vinte e cinco os anos em que o West Ham permaneceu na segunda divisão inglesa, entre 1932-33 e 1957-58. Ainda que seja necessário ter em mente que o Campeonato Inglês permaneceu suspenso entre os anos de 1939 e 46, em razão da Segunda Grande Guerra, aquele período longe dos grandes palcos foi longo demais. E não é como se os Hammers tivessem chegado perto do acesso no interregno.

Até a conquista do título da segundona, em 1958, o clube londrino somente se aproximou da subida duas vezes, alcançando o terceiro lugar, em 1934-35, e o quarto, na campanha seguinte. O principal responsável pelo fim da agonia seria Ted Fenton. Honrando a tradição de dar tempo de trabalho aos seus treinadores, o West Ham acertara a chegada do comandante em 1950. Ele foi apenas o terceiro técnico da história dos Irons: sucedeu Charlie Paynter (1932-50), de quem havia sido auxiliar e que substituíra Syd King (1902-32).

Tratava-se, todavia, de um reencontro. Em seu passado como atleta, Fenton fora revelado pelo clube, defendendo-o entre 1932 e 46. Não foi de todo surpreendente que seu sucesso como técnico tenha sido baseado na força das categorias de base dos Hammers. Além de ele próprio ter sido formado pelo West Ham, sabia que a margem para investimentos era limitada. Assim, preferiu aplicar a verba do clube no desenvolvimento de redes de olheiros e nas instalações dos times menores.

Ted Fenton West Ham
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Seu nome seria reverenciado, ainda, por seus métodos. Além das funções habituais de um treinador, Ted costumava propor discussões táticas a seus pupilos. Também os estimulava a obter as licenças de treinador da Federação Inglesa. Ele observaria, atento, a Academia de Futebol do clube ser vice-campeã da FA Youth Cup, em 1956-57 e 1958-59.

Seria Fenton, ainda, o responsável por desenvolver algo que ficaria conhecido como o West Ham Way, uma forma de se praticar um futebol atraente, baseado em toque de bola, câmbio de posições e com pouco espaço para o famigerado kick and rush, tradicional no país. A inspiração não poderia ser outra: a escola húngara que havia humilhado os ingleses no princípio da década. Como a maioria do time se conhecia há tempos, tal acabaria se tornando possível. Claro: a qualidade dos atletas produzidos também teve seu papel no crescimento dos Irons.

Com Fenton na casamata, o West Ham disputou 484 partidas, vencendo 193, empatando 107 e perdendo 184. Em circunstâncias mal esclarecidas, acabaria substituído em 1961. Seria Ron Greenwood, ex-zagueiro de Brentford, Chelsea e Fulham, e antigo auxiliar técnico do Arsenal, o escolhido para continuar seu inacabado labor. Ele acabaria colhendo os melhores frutos do trabalho de Fenton.

Preparando o terreno


Quando Greenwood assumiu o time, a base que viria a ser vitoriosa estava formada. Bobby Moore já era a principal referência da retaguarda e Geoff Hurst o atacante de referência. Apesar disso, os resultados na liga inglesa não vinham se materializando. Pior: pareciam estar decaindo. No primeiro ano de Ron, o time terminou o certame na oitava colocação, que foi seguida de um 12º e um 14º lugares. Porém, havia mais torneios em disputa.

A primeira sugestão de que coisas bonitas estavam por vir surgiu em 1963. Na ocasião, o West Ham foi convidado a disputar a International Soccer League. O torneio, sediado nos Estados Unidos, fora criado em 1960, imbuído de um ambicioso desejo de se fazer uma copa do mundo de clubes. Não é preciso dedicar muitas linhas ao fracasso da iniciativa. Ainda assim, aquele título foi um acontecimento importante para os Hammers.

Ron Greenwood West Ham
Foto: William Vanderson-Hulton Archive/Arte: O Futebólogo

Para chegar ao topo, os londrinos superaram os italianos do Mantova, os escoceses do Kilmarnock, o Sport Recife, além dos germânicos do Preussen Munster, dos mexicanos do Club Deportivo Oro, e dos franceses do Valenciennes. Uma campanha de três vitórias, dois empates e uma derrota foi o suficiente. Para alcançar o pódio. Porém, era preciso mais. E não demoraria.

Em 1963-64, Ron Greenwood já vinha fazendo o ajuste fino de sua equipe. Além dos muitos prodígios das categorias de base, buscara complementos em outras equipes. Do Luton Town, veio o goleiro Jim Standen, formado no Arsenal; do Crystal Palace, o atacante Johnny Byrne, na altura internacional inglês. Outro selecionável viria do Chelsea: o ponta direita Peter Brabrook. Por último, lá estava Alan Sealey, ex-Leyton Orient.

Os demais atletas da equipe vinham da base. Isso não incluía um talentoso Martin Peters. Aos 20 para 21 anos, o meia era reserva por opção de Greenwood, sobretudo após uma complicada derrota ante o Blackburn, 8 a 2. Era um time completamente inglês.

Hurst West Ham
Foto: West Ham/Arte: O Futebólogo

“Não seria exagero dizer que Ron Greenwood foi a figura mais influente da minha carreira. Considero um privilégio ter sido treinado por ele. Ele abriu as portas do mundo para o futebol moderno”, diria Hurst, ao Wales Online, em 2006, após a morte do treinador.

Foi com esse time que o West Ham se aproximou de sua primeira grande conquista.

Vencendo a competição mais antiga da história


Apesar de largar bem na FA Cup de 1963-64, superando o Charlton por 3 a 0, logo a situação se tornou mais complicada para os Irons. Na fase seguinte, a eliminação do Leyton Orient só seria obtida no replay. Adiante, o time deixaria o Swindon Town pelo caminho, 3 a 1, e o Burnley, em um apertado 3 a 2. Então, uma pedreira: em Hillsborough, o West Ham teria que superar o Manchester United, na semifinal.

Com a United Trinity em campo — Bobby Charlton, Denis Law e George Best —, os Red Devils se apresentavam como o maior desafio da equipe, até então. No intervalo, o placar ainda sinalizava 0 a 0. Ronny Boyce abriria a contagem para os londrinos. Homem do momento, também carimbaria o segundo tento. Law recolocaria os mancunianos na partida, mas Hurst anotaria o terceiro, para delírio da torcida dos Hammers: 3 a 1.


Mais tarde, seria revelado que Greenwood havia usado um argumento forte em sua preleção. No princípio daquele ano, John Lyall, também ele fruto das categorias de base do clube, havia sido obrigado a se aposentar, após sofrer grave lesão. Tinha 23 anos. O comandante pediu que o elenco tivesse em mente o privilégio que experimentava, exigindo que seus atletas estivessem à altura da ocasião. Curiosamente, Lyall viria a substituir Greenwood, anos mais tarde.

A final da FA Cup seria disputada contra o Preston North End. E, por muito pouco, os Lilywhites não conseguiram o acesso à primeira divisão naquela temporada. No dia 2 de maio, Wembley recebeu as equipes, com mais de 100 mil espectadores presentes. E o jogo não os desapontou. Contando com um jovem Howard Kendall na defesa, que, aos 17 anos, tornou-se o mais jovem a disputar uma final da FA Cup até então, o Preston logo mostrou a que vinha.

West Ham Preston North End 1964
Foto: Daily Mirror/Arte: O Futebólogo

Aos 10 minutos da etapa inicial, abriu o placar com Doug Holden. O West Ham empataria no minuto seguinte, cortesia de John Sissons. Contudo, pouco antes do final da etapa inicial, o escocês Alex Dawson recolocou os Lilywhites em vantagem. Na volta dos vestiários, Hurst precisou de sete minutos para devolver a igualdade ao placar. E a tensão se prolongaria até o minuto 90. Nele, Boyce, o homem das decisões, encontraria o gol do sonhado título: 3 a 2.

“Meu salário semanal dobrou de 15 para 30 libras depois da final e subiu até 50 libras até o Natal seguinte, o máximo que ganhei no West Ham antes de deixar o clube e me juntar ao Sheffield Wednesday, em 1970”, recordou Sissons, o autor do primeiro tento da final. “Eu não tinha meu próprio carro naquele tempo, tive que viajar no London Transport com minha medalha no bolso interno da minha jaqueta. Ninguém sequer me reconheceu”, lembrou o lateral Jack Burkett, ao portal West Ham Til I Die.


Alcançando notoriedade internacional


A conquista da FA Cup deu dois direitos ao West Ham: o de disputar a Supercopa da Inglaterra e o de jogar a Recopa Europeia. Também seria celebrada uma glória individual com Bobby Moore recebendo o prêmio de melhor jogador do ano, entregue pela Football Writers' Association.

No primeiro desafio de 1964-65, os londrinos empataram com o Liverpool, campeão nacional vigente, dividindo o título da Supercopa. Todavia, os Hammers conviviam com uma incerteza naquela altura: Moore havia sido diagnosticado com um tumor nos testículos. No fim das contas, o tratamento foi um sucesso, mas era impossível determinar se o líder seguiria sendo o mesmo jogador de sempre. O tempo, todavia, provaria que sim.

West Ham 1964
Foto: PA Archives/Arte: O Futebólogo

Enquanto o clube se preparava para mais uma campanha mediana na liga inglesa, desenhou-se a citada disputa da Recopa. Como na FA Cup do ano anterior, a vida do West Ham não seria fácil. Com Martin Peters de volta ao time titular, os Irons fizeram sua estreia no certame continental contra o Gent, na Bélgica. Um solitário tento de Boyce seria suficiente para colocar o time em vantagem. Na volta, Peters viveria mais uma jornada infeliz. Foi dele o gol contra que igualou as equipes, antes de Johnny Byrne providenciar o suficiente empate.

O time seguiria vivo, mas na conta do chá. Contra o Sparta Praga, os londrinos consumariam um 2 a 0 em Upton Park. Na volta, sofreriam até o fim. O resultado fatal sinalizou o 2 a 1 para os tchecos, que marcaram o segundo tento aos 43 da etapa derradeira e pressionaram até o apito final. Ante os suíços do Lausanne, mais loucura: na visita ao clube, vitória magra, 2 a 1. Na condição de anfitrião, triunfo maluco: 4 a 3, com gol de Brian Dear aos 44 do segundo tempo.

Aquele West Ham jogava, deixava jogar e, muitas vezes, reservava as maiores emoções da partida para os minutos finais.

Enfim, nas semifinais, os Hammers tiveram um adversário mais pesado. Ainda que sem conseguir o título nacional, o Zaragoza vinha incomodando os times mais tradicionais da Espanha — regularmente, terminando La Liga entre os cinco melhores. Pudera: com um ataque que dispunha dos serviços dos espanhóis Carlos Lapetra, Marcelino, Eleuterio Santos, Juan Manuel Villa, além do brasileiro Canário, todos eles selecionáveis em algum momento, os Maños vinham em grande fase.

Na partida de ida, em Londres, Dear e Byrne marcaram para o West Ham. Canário descontou. O time viajou a La Romareda em vantagem. Mas, seria necessária muita aplicação para avançar à final. Dito e feito. Lapetra colocou os donos da casa em vantagem já no primeiro tempo. Porém, na etapa final, Sissons resgatou os Irons. E foi só: 1 a 1 e vaga na final assegurada. Naquela altura, a imprensa internacional já começava a chamar o West Ham não apenas de Academia de Futebol, mas de Academia da Europa.


Para alegria dos torcedores do West Ham, a final seria sediada no famoso estádio de Wembley, na capital inglesa. Contra o Munique 1860, os londrinos contaram com apoio massivo de seus fãs — 97.974 lotaram a casa da Inglaterra.

Superando os alemães


“A final foi o melhor jogo em que estive envolvido. Foi na noite de uma quarta-feira, em Wembley. Casa cheia. O Munique era um time muito bom, cheio de selecionáveis. Rudi Brunnenmeier era um grande jogador. O goleiro deles, Petar Radenkovic, também era muito bom”, lembrou Boyce, ao site oficial do West Ham.

Os Hammers foram a campo com Standen no gol; Joe Kirkup, Burkett, Moore e Ken Brown na defesa; Peters, Alan Sealey, Boyce e Sissons no meio campo; Hurst e Dear no ataque. Por sua vez, os bávaros avançaram ao gramado com o goleiro Radenkovic; os defensores Manfred Wagner, Hans Reich, Wifried Kohlars e Stevan Bena; os meias Otto Luttrop, Alfred Heiss, Hans Küppers e Brunnenmeier; e os atacantes Peter Grosser e Hans Rebele.

“Eu tinha jogado em todas as partidas europeias, mas estava ficando um pouco frustrado, porque não tinha marcado um gol sequer. Isso aconteceu, em parte, porque Ron sentiu que precisávamos de algumas mudanças táticas, para nos adaptarmos bem-sucedidamente aos diferentes desafios”, disse Hurst. Essas mudanças revelaram tanto Bobby Moore quanto Ronnie Boyce no papel de líbero e ele próprio, Hurst, atuando mais recuado, atrás de Byrne, o centroavante isolado.


O fato é que aquela final teria nome e sobrenome: Alan Sealey. “Sealey (dois gols em dois minutos) mata os alemães, triunfo dos sonhos do West Ham — A Europa vê o que o futebol pode ser”, exaltou o Daily Mirror no dia seguinte à final. De fato, a manchete reproduziu com exatidão o que se viu. Além de uma exibição de alta qualidade técnica dos londrinos, Sealey acabou sendo o responsável por dois tentos, um aos 25 e outro aos 27 minutos da etapa final da decisão.

“A graça de seu futebol, seu excelente domínio das táticas e, finalmente, quando parecia que o título nunca viria, poder de finalização. Um jogo que chegou a milhões de telespectadores pela Europa restaurou a fé no que o futebol pode ser. Foi habilidoso, rápido, sempre empolgante. Um exemplo maravilhoso para aqueles que procuram liderar o jogo a novos caminhos de entretenimento”, continuou a publicação.


Mais tarde, também a BBC se renderia ao West Ham, entregando ao clube o prêmio de time esportivo do ano (o que vai além do futebol).

Do West Ham aos Three Lions


Dali em diante, o West Ham seguiria sendo um time respeitável. Apesar das campanhas medianas no campeonato inglês, os Hammers seriam semifinalistas da Recopa Europeia de 1965-66, caindo diante do Borussia Dortmund, e finalistas vencidos da Copa da Liga, perdendo para o West Brom. As aparições em finais, entretanto, rareariam. O caminho das vitórias só seria retomado em 1974-75, com mais um título da FA Cup.

Naquela altura, entretanto, muita coisa já havia acontecido. Ron Greenwood se despedira do clube ao final da campanha de 1973-74. Só voltaria a exercer uma função no futebol. Em 1977, assumiria o prestigioso posto de treinador da seleção inglesa, permanecendo até 1982. E foram justamente os Three Lions que sinalizaram de forma mais pujante a força daquele West Ham.

Hurst Moore Peters West Ham
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Em 1966, Bobby Moore, Geoff Hurst e Martin Peters foram escolhidos por Sir Alf Ramsey para representar a Inglaterra na Copa do Mundo daquele ano. A eles caberia o máximo protagonismo na final do polêmico título. O triunfo por 4 a 2, contra a Alemanha Ocidental, foi possível com três tentos de Hurst (dois na prorrogação) e outro de Peters. Após a vitória, foi Moore, o capitão, o responsável por erguer a Taça Jules Rimet. Três homens da Academia de Futebol.

Por mais que o West Ham tenha alcançado momentos de brilho no curso de sua história, nenhum deles superou os dias de glória vividos nos anos 1960. Neles, o clube uniu atletas que se conheciam há tempos. Surpreendeu pelo jeito de jogar. Venceu nacional e continentalmente. E alcançou o pódio máximo do futebol através de Moore, Hurst e Peters, eternizando uma história que começou quando Ted Fenton vislumbrou que o sucesso só viria através da base.

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