A remontada que levou o Bayer Leverkusen ao seu primeiro título

Era apenas a segunda vez em que o Bayer Leverkusen disputava competições europeias. O time ainda vinha se estabelecendo na elite do futebol alemão, e nunca havia conquistado um título — tampouco alcançara uma decisão. Apesar disso, desde a metade dos anos 1980, os Werkself começaram a chegar mais perto dos pódios. Podiam imaginar que uma glória não tardaria, nunca sua forma. A final da Copa da Uefa de 1987-88 teve roteiro digno de filme.

Bayer Leverkusen 1987-88
Foto: Bayer Leverkusen/Arte: O Futebólogo


O Leverkusen vinha crescendo


Após a criação da Bundesliga, cuja edição inaugural foi disputada em 1963-64, o Bayer Leverkusen demorou a chegar à elite do futebol alemão. Foram necessárias 16 temporadas, o que inclui dois anos na terceira divisão. Enfim, em 1978-79, o clube da Renânia do Norte-Vestfália alcançou o aguardado acesso, ajudado pela eficiência do atacante Matthias Brücken, vice-artilheiro da 2. Bundesliga Nord, com 23 gols.

Os Aspirinas não desperdiçariam a chance de ouro alcançada. Logo, começaram a recrutar jogadores experientes, para evitar o efeito ioiô. No Colônia, o Bayer encontrou o meio-campista Jürgen Glowacz; no Stuttgart, Markus Elmer. Os primeiros estrangeiros também não tardaram a chegar. O atacante e selecionável norueguês Arne Larsen Økland puxaria a fila, vindo do Bryne FK. Inicialmente, permanecer na elite já era o bastante.

Em suas primeiras seis temporadas na Bundesliga, o clube terminou apenas uma vez entre os 10 melhores. O time ambicionava mais e o trabalho do treinador Dettmar Cramer, bicampeão europeu pelo Bayern e chefe do Leverkusen entre 1982 e 85, foi considerado satisfatório por um tempo apenas. O sétimo lugar de 1983-84 gerara expectativas que acabaram não se cumprindo no ano seguinte, marcado por um fraco 13 º posto na tabela de classificação. 

Ribbeck Bayer Leverkusen
Foto: Bayer Leverkusen/Arte: O Futebólogo

Em uma altura em que já contava com os gols do sul-coreano Cha Bum-Kun, contratado em um saldão forçado por uma crise no Eintracht Frankfurt, o entendimento era o de que o time tinha o que era necessário para seguir crescendo. Cramer foi substituído por Erich Ribbeck. Curiosamente, era um treinador que nunca havia conquistado títulos, acumulando passagens insossas por clubes como Frankfurt, Kaiserslautern e Borussia Dortmund. 

Era o trabalho na seleção alemã, como assistente entre 1978 e 1984, que credenciava Ribbeck. E não é que deu liga? Em 1985-86, os Werkself alcançaram a melhor posição de sua história no Campeonato Alemão. O sexto lugar, impulsionado por 17 gols de Cha Bum-Kun, foi uma evolução clara — não apenas em termos de classificação, mas também por ter permitido ao Bayer sua primeira participação em uma competição continental.

Hora de ensaiar


Classificado para a Copa da Uefa, o time fez a contratação mais cara de sua história; trouxe um homem acostumado aos grandes palcos. Chegando ao auge de sua carreira, o volante Wolfgang Rolff tinha um currículo invejável. Além de ter sido campeão europeu pelo Hamburgo, vinha frequentando a seleção alemã desde 1983 — estivera presente na disputa da Euro 1984 e acabara de retornar do México, após a disputa do Mundial de 1986. Logo, seria escolhido o capitão do Leverkusen. 

Apesar de ter se preparado para desempenhar bem em sua estreia na Europa, o Bayer não foi longe. O foco dividido com a Bundesliga não permitiu que os alemães progredissem na Copa da Uefa. A primeira impressão até foi boa. Boa não, ótima. Os Aspirinas viajaram à Suécia, para enfrentar o Kalmar FF. Retornaram com um seguro 4 a 1 na bagagem. Na segunda perna, os homens de Ribbeck confirmaram sua superioridade: 3 a 0. Mas a alegria durou pouco.

O adversário na fase seguinte foi o tcheco Dukla Praga. Os jogos foram bem mais duros. Na capital eslava, o zero não deixou o marcador; na Alemanha, outro empate consumou a eliminação do time da Renânia do Norte-Vestfália: 1 a 1. Os representantes do Leste Europeu avançaram no critério do gol marcado fora de casa.


A eliminação precoce não freou o ritmo do Leverkusen, contudo. Na altura do infortúnio, o time liderava a Bundesliga. Dias antes, havia vencido o Bayern, em Munique, 3 a 0. Os pontos baixos só vieram às vésperas da parada de inverno do certame. Os Aspirinas chegaram a cair para a oitava posição. Entretanto, faltando três rodadas para o final, venceram o Homburg, empataram com o Bayer Uerdingen, e golearam o Stuttgart. Outra vez, terminaram em sexto lugar. 

Aquele ano também seria marcado pelo início das obras no Ulrich-Haberland-Stadion, casa do clube.

A história se repetiu, e os Werkself não perderam a segunda chance


Classificados novamente para a Copa da Uefa, os Werkself voltaram a encher o carrinho de compras. De Schalke 04 e Frankfurt vieram os alemães Klaus Täuber e Ralf Falkenmayer, respectivamente. Do Homburg, o internacional polaco Andrzej Bucol, presente nas últimas duas Copas do Mundo. Por último, a partir de boas conexões com o empresário uruguaio Juan Figer, os germânicos recrutaram o brasileiro Tita, então no Vasco. Todos mostrariam seu valor, oportunamente.

Dessa vez, a vida do Bayer foi ainda mais dura. Com efeito, o time estava preparado. A única fase superada com tranquilidade foi a primeira. Os austríacos do Austria Vienna, que contavam com o veterano Herbert Prohaska, até conseguiram segurar o ímpeto germânico na partida de ida, 0 a 0. O problema foi a volta, especialmente no segundo tempo, quando o Leverkusen transformou um empate por 1 a 1 em uma enorme goleada: 5 a 1.

Adiante, o adversário foi o Toulouse. Comandado por um jovem Jacques Santini, que ficaria famoso no comando do Lyon anos mais tarde, o time d’A Cidade Rosa tinha jogadores importantes no plantel. Dentre eles um campeão do mundo, o argentino Alberto Tarantini, e um vencedor da Euro, o experiente Dominique Rocheteau. Na França, o jogo terminou com igualdade: 1 a 1. Na volta, a definição só veio aos oitenta minutos de partida: Christian Schreier marcou seu terceiro tento na competição, o único daquela noite.

Tita Bayer Leverkusen
Foto: Bayer Leverkusen/Arte: O Futebólogo

Próxima parada: Roterdã. Liderado pelo mítico Rinus Israël, o Feyenoord podia não ser uma potência, mas era um campeão europeu, e tinha alguns jogadores importantes no elenco, como o atacante dinamarquês Lars Elstrup ou o australiano-escocês David Mitchell, que teria passagens por Chelsea e Newcastle. No estádio De Kuip, o Leverkusen saiu mais uma vez ileso. Um empate por 2 a 2 não era um resultado dos sonhos, mas permitia começar a decisão classificado. Na volta, um solitário tento de Falko Götz levou os alemães adiante.

As quartas de finais reservaram um cenário novo para o time. A partida de volta seria fora de casa; o adversário, ninguém menos do que o Barcelona. O time de Luis Aragonés vivia seus últimos dias, antes da revolução que se iniciaria com o retorno de Johan Cruyff ao Camp Nou. Contudo, havia nomes pesados representando os catalães, gente como o goleiro Andoni Zubizarreta, o meia Bernd Schuster e o atacante Gary Lineker. 

Em Leverkusen, um empate sem gols obrigou os Aspirinas a buscar uma vitória na Catalunha. E ela veio, com uma pitada de brasilidade. No segundo tempo, um contragolpe perigosíssimo foi puxado por Schreier, pela ponta direita. Zubizarreta tentou decidir a parada, não conseguiu e, no ressalto, a bola sobrou para Tita fazer o único gol da partida, em plena Barcelona.


De novo em Barcelona, um dia para se esquecer


As semifinais trouxeram mais um teste de resistência para os Werkself. Comandado por Otto Rehhagel, o Werder Bremen era um adversário conhecido. Por isso, tão perigoso. Porém, o Bayer conseguiu neutralizar a referência representada por Karl-Heinz Riedle. No curso da eliminatória, apenas um gol foi marcado. Na partida de ida, após cobrança de falta, e bate rebate na defesa do time verde, o zagueiro Alois Reinhardt concluiu para a meta do arqueiro Oliver Reck, que nada pôde fazer para evitar o tento. 


Depois de muito suar, o Espanyol aguardava o Leverkusen na decisão. Os Pericos também não tiveram quase nenhuma facilidade em seu caminho à decisão. Apenas a primeira eliminatória se mostrou mais fácil, com um placar agregado de 5 a 1, ante o Borussia Mönchengladbach. Depois, os catalães deixaram pelo caminho os dois rivais de Milão, Milan e Internazionale, os tchecos do Vitkovice e os belgas do Club Brugge — em uma eliminatória pesadíssima. 

Depois de viajarem a Bruges e perderem por 2 a 0, os Blanquiazules conseguiram equilibrar a partida na volta, vencendo também por 2 a 0. A partida avançou para a prorrogação, sendo decidida apenas no minuto 119, com tento de Pichi Alonso. Não fora o acaso que levara o Espanyol, treinado pelo durão Javier Clemente, e que tinha nomes famosos como os do goleiro camaronês Thomas N’Kono e do atacante Ernesto Valverde, àquela decisão.

Enquanto aquela era a segunda aparição do Leverkusen em competições europeias na sua história, para o Espanyol ela representava sua primeira participação em 11 temporadas. Havia muita coisa em jogo. O primeiro jogo da final aconteceu em Sarriá, em Barcelona. Um bom primeiro tempo dos alemães terminou com um gol espanhol no finalzinho. Um cruzamento de Miquel Soler atingiu a cabeça de Sebastián Losada, que cumprimentou as redes.

Espanyol 3-0 Leverkusen

Moralizados pelo primeiro gol, os Pericos voltaram com tudo para a etapa final. Depois de outro cruzamento, a bola teimou em quicar na área dos Aspirinas, até chegar aos pés de Soler, que fuzilou a meta do goleiro Rüdiger Vollborn: 2 a 0. Sete minutos mais tarde, uma pixotada da defesa alemã ofereceu uma nova oportunidade de cruzamento para os catalães. De peixinho, Losada deu números finais à partida. E o placar poderia ter sido ainda mais amplo, se a finalização de Josep María Gallart não tivesse atingido a trave.

“Se temos a Copa no bolso? Homem! Eu não diria tanto. Acredito que me conformo em dizer que, neste momento, temos 70 ou 80 por cento. E isso digo com um tremendo respeito pelo rival, pensando, inclusive, que com essa vantagem de três gols, não vamos ter um jogo nada fácil. Por quê? Muito simples. Porque se aqui nós fomos capazes de marcar três gols, lá eles também podem fazer”, comentou Clemente após a partida, como reportou o Mundo Deportivo.

Em Leverkusen, um milagre


Sem se abater, o Leverkusen foi à luta, 15 dias mais tarde. Mesmo com algumas estruturas precariamente instaladas, o Ulrich-Haberland-Stadion recebeu a partida de volta. 18 mil torcedores da casa lotaram as arquibancadas, recheadas, ainda, com mais quatro mil visitantes barulhentos. Além deles, aproximadamente 300 milhões de apaixonados por futebol, em 20 países, acompanharam a partida.

Empolgação à parte, a crença no potencial germânico logo começou a se esvair. Um primeiro tempo fraco terminou sem gols — embora Tita tenha aberto o placar, em uma chance invalidada pelo árbitro holandês Jan Keizer, que admitiria mais tarde ter errado. “No intervalo, nossa euforia inicial tinha se transformado em evidente desânimo. O vestiário estava muito quieto”, contou o goleiro Vollborn, ao site oficial do Bayer Leverkusen. Veio o segundo tempo e o Leverkusen continuou martelando.

Vollborn Leverkusen
Foto: Bayer Leverkusen/Arte: O Futebólogo

A insistência acabou sendo premiada aos 12 minutos da etapa final. Uma bola cruzada por Herbert Waas originou uma falha impensável da retaguarda blanquiazul. Tita, mais uma vez, estava no lugar certo para aproveitar a chance. Cinco minutos depois, Täuber fez jogada pela esquerda e centrou para Götz, em outro peixinho, fazer o 2 a 0 alemão. A vantagem espanhola persistiu até o minuto 81, quando uma falta cobrada pela ponta direita do ataque dos Aspirinas terminou na cabeça de Cha Bum-Kun. Estava tudo igual, diante da incredulidade de Clemente que, impaciente, fumava à beira do campo. 

O bom uso da cabeça e o aproveitamento das falhas dos adversários ditaram os rumos daquela final, que foi à prorrogação e, mais tarde, aos pênaltis. E os alemães tiveram que conseguir uma nova remontada. Isso porque depois de Alonso inaugurar as cobranças com gol, Falkenmeyer desperdiçou sua chance. Depois, Job deu vantagem ao Espanyol. E foi o último balançar as redes germânicas.

Não se sabe até que ponto a dança do goleiro Vollborn, à moda de Bruce Grobbelaar, influenciou os catalães, mas Urquiaga acertou a trave, e Losada chutou sua cobrança para longe, enquanto Manuel Zúñiga foi parado pelo goleiro. Rolff, Waas e Täuber anotaram. O Bayer Leverkusen era campeão, enfim, e sua torcida invadiu o gramado.


“Foi uma das melhores finais de competição europeia que vi em vários anos. Foram marcados seis gols, se viu futebol, mas ao final tivemos que decidir na loteria dos penais. Uma verdadeira lástima”, comentou Ribbeck, ao Mundo Deportivo. Curiosamente, ele deixaria o time após a conquista, sendo substituído por Rinus Michels: “Essa é uma decisão que já está tomada. A verdade é que estou bastante cansado e minha saúde não é muito boa, por causa de uns problemas no meu joelho. O certo é que não me importo em passar um ano descansando, não seria nada mau”.

A festa do título aconteceu numa pista de patinação próxima ao estádio. E as celebrações seguiram madrugada adentro, movidas pelo som das incansáveis buzinas dos torcedores. “Para mim, foi a vitória mais importante que consegui. Sabe. Me lembro perfeitamente de como o treinador do Espanyol, Javier Clemente, disse depois do jogo de ida que tinham uma mão na Copa. E tinha razão. Como íamos recuperar um 3 a 0? Era quase impossível. Mas conseguimos, em uma noite mágica, que nunca será esquecida”, contou Tita ao site do Bayer Leverkusen.

Para um time cercado por dúvidas, sobretudo após a temporada 2001-02 — quando chegou às decisões na Bundesliga, na Liga dos Campeões e na Pokal, perdendo todas —, a conquista da Copa da Uefa 1987-88 dá testemunho de virtude. Ali, além de superar grandes times durante a campanha, o Leverkusen teve a qualidade e os nervos exigidos para alcançar uma improvável remontada, que avançou aos livros de História ao transformar uma final aparentemente decidida na partida de ida em uma das disputas mais emocionantes do futebol europeu em todos os tempos.
Leverkusen 3-0 Espanyol

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