Quando o Sporting Gijón foi motivo de orgulho nas Astúrias

As Astúrias representam uma das regiões autônomas da Espanha que nunca presenciaram o título espanhol de futebol. Embora tenha contado com as presenças de Real Oviedo e Sporting Gijón na elite por muitas temporadas, a região nunca viu o troféu ser erguido — nem mesmo quando os asturianos revelaram gente como Luis Enrique, Abelardo e David Villa. Apesar disso, na segunda metade dos anos 1970, o Sporting chegou perto da glória maior do país, dando ao seu povo motivos para se orgulhar. 

Sporting Gijón 1979
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


O retorno de Vicente Miera


Toda a história começa em 1969, quando o Sporting trouxe do Real Madrid um defensor pouco relevante para o time merengue. Vicente Miera chegara ao clube madrilenho em 1961, depois de se destacar no Racing Santander. Foi multicampeão pelos Blancos, mas a verdade é que nunca foi titular. Aos 29 anos, o beque tinha a missão de ajudar os homens de Gijón a deixar a segunda divisão. A missão dada foi cumprida. O Sporting foi o campeão da segunda divisão, em 1969-70.

Ao final do ano seguinte, Miera se despediu dos gramados. Contudo, continuaria ligado às Astúrias. Depois de retornar à Cartabia, iniciou uma trajetória como treinador justamente em um time asturiano. O Langreo, da cidade homônima, foi seu primeiro porto, em 1973-74. O time se encontrava na terceira divisão e, rapidamente, as coisas mudaram. O segundo lugar do Grupo I o levou à disputa de um playoff com o Rayo Vallecano, que lutava para permanecer na segundona. 

O acesso não veio. Porém, a campanha foi suficientemente boa para levar Miera ao Oviedo; o comandante subiu ao segundo escalão do futebol espanhol, já que os Carbayones haviam acabado de ser rebaixados de La Liga. Dessa vez, o sucesso não escorreu pelas mãos de Miera: o Oviedo foi o campeão da segunda divisão. Mas a montanha russa de emoções não parou de funcionar.

Vicente Miera Gijón
Foto: Matilla/Arte: O Futebólogo

Em 1975-76, uma temporada horrível para o futebol asturiano, o líder não seria capaz de evitar mais um descenso dos Azules, que tiveram como único mérito não ficar atrás de seu maior rival, o Sporting, lanterna naquele ano. Foi então que o reencontro aconteceu. 

Depois de perder prestígio no Oviedo, Miera retornou ao Sporting. O contrato foi firmado em 28 de maio de 1976 e o objetivo era o mesmo de 69, retornar à elite. Entretanto, Vicente não mais podia fazer nada dentro dos gramados, ao mesmo tempo em que passou a ser o maior responsável por tudo o que viesse a ocorrer. Mas ele era um homem perfeccionista, que exigia organização tática exemplar, identificava os pontos fortes de seu time e os explorava, e sabia como alcançar um acesso. 

Logo em seu retorno a Gijón, somou mais uma taça secundina ao seu armário: os Rojiblancos conquistaram a Segunda División de 1976-77.

Quini, um artilheiro de sonho


A trajetória de sucesso de Miera no Sporting estava começando a ser forjada. Ela teria sido impossível sem a contribuição de um artilheiro mais que determinante. Enrique Castro González, o Quini, era um homem que parecia ter apenas um objetivo na vida: massacrar os goleiros adversários. Mais tarde, o asturiano seria diretamente responsável pela vida curta do bomber austríaco Hans Krankl no Barcelona, também obscurecendo a passagem de Roberto Dinamite pelo clube catalão.

Vicente sabia exatamente quem era Quini e o que podia esperar dele. Os dois haviam sido colegas, em uma época em que o atacante já era a grande referência ofensiva do time. Quando o treinador voltou ao estádio El Molinón, fazia sete temporadas que ninguém marcava mais tentos pelo Sporting, por ano, do que o goleador. Ele já havia, inclusive, sido o artilheiro máximo de La Liga, em 1973-74 e 1975-76 (superando o brasileiro Leivinha), a despeito do rebaixamento do Sporting.

Para a surpresa de quase ninguém, Quini, também lembrado como El Brujo, foi o artilheiro da segundona em 1976-77. Fez 27 gols, seis a mais do que Enrique Galán, do rival Oviedo. Desconsiderando outras participações em gols, o atacante foi responsável direto por 43% dos tentos do Sporting naquele ano. 

Quini Sporting Gijón
Foto: La Voz de Asturias/Arte: O Futebólogo

Isso tudo considerando que o Barcelona bateu à porta do Rojiblanco após o rebaixamento e Quini queria se mudar. Os asturianos seguraram seu artilheiro, a contragosto do próprio. E isso não abalou suas performances. 

“É o homem mais importante que tive em uma equipe. Ele parava o trânsito. Todo mundo sabia quem era Quini, um representante fantástico em todos os aspectos”, falou Miera ao Marca, em 2018, por ocasião da morte do goleador.

Aquela equipe contou com outros ídolos históricos do Gijón: o goleiro Jesús Castro, o zagueiro Antonio Maceda, o lateral esquerdo Cundi, ou o ponta argentino Enzo Ferrero. Todavia, ninguém chegava perto de ter a representatividade de Quini. No retorno à elite, essa história continuaria sendo escrita. 

Da segunda divisão à melhor campanha da história


O reencontro do Sporting com La Liga correu bem. Diferentemente do que havia acontecido quando subiu com o Oviedo, Vicente Miera conseguiu sustentar os Rojiblancos na elite. A temporada foi ótima. Os asturianos somaram apenas oito pontos a menos do que o campeão Real Madrid. Fizeram jogos excelentes, como na vitória por 1 a 0, ante o Barcelona treinado por Rinus Michels, ou frente à Real Sociedad, num triunfo por 6 a 2. 

A campanha de retorno serviu para mostrar que aquele time tinha a força necessária para lutar nas cabeças; o quinto lugar não deixou margem para outra interpretação. Mais, o time ainda avançou até as semifinais da Copa do Rei, caindo para o Las Palmas. O melhor estava por vir, entretanto. 

Em 1978-79, o Sporting venceu mais partidas do que o campeão Real Madrid. Isso mesmo: foram 17 triunfos asturianos contra 16 madrilenhos. Os homens de vermelho e branco, inclusive, tiveram a melhor defesa do certame, sofrendo parcos 35 gols. E aquela campanha não podia ter começado de forma melhor. Em casa, o Rojiblanco recebeu o Atlético de Madrid, vencendo por 4 a 1, de virada.

Não obstante, a sequência inicial seria dura. Até a décima rodada, o Sporting perdeu quatro vezes, superado por Espanyol, Real Sociedad, Valencia e Real Madrid. Contudo, uma vitória ante o Barcelona de Johan Neeskens, na 11ª rodada, recolocaria o time nos eixos. Os homens de Miera passariam mais 10 partidas sem perder. Na rodada 21, depois de triunfar no confronto direto contra a Real Sociedad (com gol de Quini no último minuto), que lutava pelo título, o Rojiblanco assumiu a liderança do certame. O sonho já não parecia algo tão absurdo. Era chegada a hora de colocar fim à espera asturiana?
Sporting Gijón Real Sociedad 1978-79
A despeito da ótima sequência sportinguista, o sonho durou pouco. A liderança foi logo ameaçada, quando o time perdeu para o Rayo Vallecano na rodada seguinte. Contudo, o Madrid apenas empatou naquele momento e o Sporting seguiu na ponta. Até o confronto direto, na 27ª rodada. 

No dia 14 de abril de 1979, o Sporting Gijón recebeu o Real Madrid. O time não conseguiu evitar o solitário gol de Santillana, que levou o clube da capital à liderança de La Liga. O pior é que ali acabou o gás dos asturianos. Na rodada seguinte, em visita ao Barcelona, todas as esperanças alvirrubras foram colocadas por terra — com requintes de crueldade. Em uma das noites mais felizes de Krankl, autor de uma tripleta, o Barça venceu por 6 a 0.

Até o final da temporada, o time de Miera teria desempenho irregular. Depois das duas derrotas fatídicas para os gigantes espanhóis, foram mais seis rodadas: duas vitórias, três empates e uma derrota. A perda do título foi inevitável. Apesar disso, o Sporting terminou a temporada em segundo lugar, a melhor colocação de sua história na elite espanhola. Em que pese a derrocada na reta final, o povo de Gijón ficou orgulhoso de seu time.

Mundo Deportivo Sporting Gijón 1979


Presença na Europa e finais caseiras


Durante um tempo, o Sporting Gijón seguiu alcançando desempenhos positivos em La Liga. A campanha 1979-80, em que Miera saiu brevemente para o Espanyol (voltando no ano seguinte), terminou com o terceiro lugar, com o time fazendo outra semifinal da Copa do Rei. Após, Quini enfim seguiu para o Barcelona, e o time deixou de estar nas cabeças, sem, contudo, lutar contra o rebaixamento.

Nesse tempo, o Sporting seguiu sonhando, agora a partir de aparições positivas nas copas nacionais. Em 1980-81, os asturianos chegaram à decisão. O castigo do Barcelona foi pesado. Nem tanto pelo placar de 3 a 1 imposto, mas principalmente por ele ter sido construído com dois tentos de Quini. No ano seguinte, o último de Miera na casamata do Gijón, o clube voltou à decisão, sendo nesta oportunidade derrotado pelo Real Madrid, 2 a 1. 


O período compreendido entre a segunda metade dos anos 1970 e o início dos 80 também é recordado com afeição por ter marcado as primeiras aparições do Sporting em competições europeias. 

O ano do vice-espanhol, em 1978-79, foi inesquecível também pela estreia dos asturianos na Copa da Uefa. Nascia o EuroSporting. O debute, contra o Torino de Francesco Graziani, é tido como um dos grandes momentos da história do clube. A vitória por 3 a 0, gols de Ferrero e Enrique Morán (duas vezes), seria suficiente para o clube avançar de fase, mesmo superado por 1 a 0 na volta.

Aquela participação terminaria logo na fase seguinte, diante dos iugoslavos do Estrela Vermelha. Em 1979-80 e 1980-81, os Rojiblancos voltaram a jogar a competição, caindo na fase inicial. Primeiro, foram superados pelo PSV Eindhoven; depois, pelos tchecos do Bohemians. Apesar das campanhas fracas, estar no cenário das disputas continentais, por si só, já se revelava um grande feito para os asturianos.


Embora sem tanta consistência, o Sporting permaneceria na elite do futebol espanhol até 1997-98, quando retornou à segunda divisão — e à vida de altos e baixos. Esse também foi o ano da aposentadoria de Miera, após passagens por Atlético de Madrid, Oviedo, Tenerife, pela seleção espanhola (conquistando o Ouro Olímpico, em Barcelona ‘92), Racing Santander, Espanyol e Sevilla.

No fim das contas, aquele momento atípico, marcado por várias “quase-glórias” e fins amargos, poderia ser visto como um cenário mal-sucedido. Porém, as lembranças são permeadas por sorrisos, que rendem ao período a alcunha de “Anos Dourados”. Aquele foi um tempo de crença, idolatria e apoio incondicional ao clube que é o grande orgulho da cidade de Gijón.

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