Os 44 dias malditos de Brian Clough no Leeds United

Brian Clough não tinha completado sequer 40 anos quando foi escolhido para dirigir o melhor time da Inglaterra. Porém, havia motivos para se acreditar na competência do jovem técnico. Sob a sua batuta, o Derby County mudara de patamar, deixando a segunda divisão e chegando ao título inglês, em 1971-72. Porém, a reputação de Clough o acompanhava. Ele era visto como uma figura volátil, e que não fugia de um enfrentamento. Sua contratação pelo Leeds United foi uma tacada de risco.

Brian Clough  Leeds United
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


O primeiro adeus a Peter Taylor


Após um início de carreira como treinador não muito promissor, em meados dos anos 1960, Clough trocou o Hartlepool United pelo Derby County. Naquela altura, já trabalhava com Peter Taylor. Descoberto em seu período como chefe do Burton Albion, ele se tornou o braço direito de Brian, notabilizando-se no ofício de descobrir jogadores baratos e adequados aos seus times. Nos Rams, esportivamente, as coisas caminharam muito bem.

Com Clough e Taylor na casamata, o clube de Derbyshire conseguiu chegar à elite e conquistar o título nacional — mais do que isso: jogando um futebol que atraía os espectadores, baseado em posse e toques pelo chão. Também assim, o time avançou às semifinais da Copa dos Campeões da Europa, em 1972-73. Na oportunidade, o Derby foi eliminado pela Juventus, sob acusações de que a arbitragem favoreceu os italianos. “Não falo com vagabundos ladrões”, teria dito Clough aos jornalistas italianos, após a eliminatória, segundo reportou o Daily Mail.

Esse tipo de declaração, nada diplomática, dizia bastante sobre o caráter de Clough, que permaneceu em rota de colisão com a direção do Derby County por muito tempo. Cada vez que não via uma de suas exigências atendidas, ameaçava deixar os Rams. Houve vários momentos de atritos, como quando contratou o defensor David Nish por um valor recorde, £225 mil, sem avisar a direção.

Peter Taylor Brian Clough Derby County
Foto: Goal/Arte: O Futebólogo

Em abril de 1972, em um blefe, Clough pediu demissão, ao que a direção do Derby respondeu com um aumento. Em outubro de 1973, a mesma atitude não terminou tão bem: a demissão foi aceita. Assim terminou a conturbada relação de amor entre clube e treinador. Entretanto, esse não foi o único efeito desse acontecimento. Taylor não queria deixar o Derby County, e não concordava com a agressividade adotada por Brian. Também não gostou do que veio a seguir, quando Clough tentou de toda forma pressionar o clube a recontratá-los.

Em baixa, e mal visto no mercado, o treinador receberia uma oportunidade do Brighton & Hove, então na terceira divisão. Aceitou, levando toda a sua comissão técnica com ele — incluindo Peter Taylor. Porém, conta-se que o Derby não deixava sua cabeça. Enquanto Taylor se adaptou à vida no sul da Inglaterra, Clough lutava contra seu passado. Não estava focado.

Quando o Leeds United procurou o treinador, ele aceitou sem pestanejar — e sem projetar as consequências que viriam no pacote. Feliz em Brighton, e sentindo que tinha uma dívida de gratidão para com os Seagulls, Taylor optou por permanecer em Goldstone Ground, assumindo a vaga de comandante principal. Isso abalou a relação entre a dupla. Afinal, Taylor não era um mero assessor obediente a Clough. E, para muitos, a chave dos sucessos de Brian estava diretamente ligada ao papel exercido por seu auxiliar.

Críticas e férias pegaram mal


No dia 22 de julho de 1974, Clough assinou contrato com o Leeds United. Os Peacocks eram os campeões vigentes do Campeonato Inglês. A troca de treinador se baseou em uma questão da mais alta relevância. Ídolo do clube, Don Revie foi o escolhido para suceder ninguém menos do que Alf Ramsey, o campeão do mundo em 1966, no comando da seleção inglesa. E Revie não era uma pessoa qualquer.

“O que Don fez em Leeds foi inacreditável. Ele não revitalizou o time. O Leeds não tinha história. Ele criou um time do nada. A área era ligada à liga de rugby. Para nossa primeira partida, quando estávamos na segunda divisão, havia 15 mil pessoas presentes”, falou John Giles, um dos astros da equipe, ao Guardian.

Don Revie Leeds
Foto: Leeds Live/Arte: O Futebólogo

Revie era conhecido pelo estilo agressivo, enquanto pessoa. Mas era também um técnico minucioso e atento aos detalhes. Antes de cada partida, costumava instruir seus jogadores sobre as forças e fraquezas de seus rivais. Ainda assim, em muitas ocasiões, seu Leeds acabou ficando lembrado por um jogo violento. Clough costumava se referir aos time, que foi um de seus grandes adversários nos tempos de Derby County, como Dirty Leeds, clamando que o time só alcançou seus resultados apelando para o jogo sujo. Apenas por esse motivo, o casamento entre Clough e Leeds já começava conflituoso.

“Não éramos anjos, não me entenda mal. A primeira coisa, na Inglaterra, era dizer: ‘Precisamos entrar nesses caras’. A cultura do jogo era diferente nos anos 1960 e 70. Mas isso era aceito. Não havia proteção dos árbitros. Mas não nos jogávamos ou fingíamos lesões [...] Nos envolvemos em alguns jogos duros. Mas não toda semana. Era ocasional. Veja os vídeos em que jogamos contra Manchester United e Southampton, isso foi um pouco do melhor futebol que já se viu”, continuou Giles.

O cenário da chegada de Clough já era ruim. A ausência de Taylor, somada ao passado de críticas ao Leeds, não ajudava. Retornar à sua viagem de férias após o acerto com os Whites, em um momento em que era esperado que ele assumisse o time imediatamente, não impressionou ninguém. Depois de mais alguns dias em Palma de Mallorca, no calor das Ilhas Baleares, Clough chegou a Elland Road. E encontrou um cenário hostil.

Outra razão foi a expectativa frustrada de Giles, um dos líderes do elenco. Em final de carreira, o meia aspirava assumir o comando do time. Não aconteceu, e ele permaneceu como atleta. E Clough não teve receio de chegar a um novo clube colocando mais gasolina no fogo que já começava a se propagar. “Joguem suas medalhas na lixeira, porque não venceram nada com justiça; vocês conseguiram isso trapaceando”, teria famosamente dito Clough.

John Giles Leeds United
Foto: Valery Picture Agency/Arte: O Futebólogo

Um time que já contava com vários veteranos vencedores não recebeu nada bem as farpas de um treinador tão jovem e polêmico. Além disso, a equipe base tinha uma relação muito estreita com Revie, lembrando-se das palavras não menos agressivas dirigidas por Clough ao antigo mestre, no passado. Norman Hunter, Terry Cooper, Billy Bremner e Giles já haviam rompido as barreiras dos 30 anos, e não jogariam na base da intimidação.

Dentro do campo, deu tudo errado


A impressão registrada por Giles, quase 40 anos depois daqueles acontecimentos, diz bastante sobre o que veio a seguir. “No primeiro dia em que ele entrou, ele estava com o jovem Nigel [seu filho], certo? Minha patroa não sabe nada de futebol, mas me disse: 'Isso mostra total insegurança. Eu não posso acreditar nisso'. Soube depois que ele não era o mais seguro dos caras, apesar de ser bombástico. Ele era um cara rude e arrogante, mas isso era parte de seu gênio”, pontuou.

Há quem diga que, além dos fatores extracampo, o time do Leeds havia deixado tudo na última temporada. Estava cansado e com a sensação de dever cumprido — algo questionável, considerando que o Leeds foi finalista vencido da Copa dos Campeões 1974-75, superado pelo Bayern de Munique. 

Seja como for, as coisas não funcionaram. Aquele era um desafio novo para um treinador que não tinha, então, o preparo mental ideal para assumir o melhor time do país. Diferentemente do que vivera anteriormente, não podia colocar o pé na porta, diminuir seus comandados e, assim, impor sua autoridade. No Leeds, muitos de seus jogadores se viam como figuras maiores do que o próprio treinador.

De toda forma, houve alguma margem de manobra para Clough trabalhar. Do Derby County, trouxe dois homens de confiança — que inclusive o seguiram após sua saída de Elland Road. John McGovern e John O’Hare eram caras amigáveis, em meio a um vestiário tenso. Mas isso não ajudou em nada. No dia 10 de agosto de 1974, Clough viveu sua estreia. Na disputa da Charity Shield, enfrentou o Liverpool. Depois de um 1 a 1 no tempo normal, os Reds venceram nos pênaltis. Era a primeira derrota do treinador dentro das quatro linhas.


O Campeonato Inglês começou com duas derrotas: fora de casa, 3 a 0 para o Stoke City; em casa, 1 a 0 para o Queens Park Rangers. Não apenas o time começava sem somar pontos, mas também iniciava sua campanha perdendo jogos inesperados, em que a vitória era cobrada. Os jogos que se seguiram não foram menos complicados. Exceto por um triunfo ante o Birmingham, os Peacocks não venceriam mais sob a batuta de Clough. Além da insatisfação geral, o técnico ainda teve que lidar com uma série de problemas físicos que se abateram sobre seus atletas.

Empates com QPR e Luton Town, entremeados por uma derrota para o Manchester City, foram a gota d’água. Também porque, na primeira fase da Copa da Liga Inglesa, o time mostrou enormes dificuldades para enfrentar o Huddersfield Town, que estava na terceira divisão. Após uma empate por 1 a 1, obtido no finalzinho da partida, e jogado sob os olhares atentos de Don Revie, a situação de Clough ficou crítica. Conforme se conta, os jogadores levaram a cabo uma votação, alcançando um veredito: eles não confiavam no treinador. 44 dias depois de sua contratação, Clough estava na rua, com a reputação destruída e, ainda, sem Taylor.

Logo depois, em uma famosa entrevista transmitida pela Yorkshire Television, em que foi confrontado por Don Revie, Clough atingiu o fundo do posso ao ser perguntado por seu antigo antagonista: “Se nos criticava tanto, dizia que tínhamos que estar na segunda divisão [...] por que aceitou o trabalho?”. Ao vivo, o treinador ficou ainda mais desmoralizado.

“Naquela época, e isso foi antes de o Liverpool começar a crescer, o Leeds United era de longe o time do país, senão da Europa. Dizer aos campeões da liga, jogadores como Bremner e Giles, que eles deveriam colocar suas medalhas no lixo, não foi um grande começo para ele, e não acho que os jogadores do Leeds engoliram bem [...] Mas quando Peter Taylor reapareceu, ele rejuvenesceu”, pontuou Martin O’Neill, um de seus jogadores de confiança, em seu futuro clube, ao Leeds Live.

 


No Nottingham, reencontro e nova história


No início de 1975, Clough aceitou recomeçar. Outra vez, deu alguns passos para trás, com o objetivo de progredir aos poucos. Contratado pelo Nottingham Forest, voltou à segunda divisão e, no primeiro momento, fez apenas uma campanha de segurança, ainda longe do acesso. Contudo, a segunda temporada seria um novo divisor de águas. 

Em julho de 1976, Peter Taylor rescindiu seu contrato com o Brighton e se reconciliou com Brian. Parecia que Clough não era um bom treinador sem Taylor; e Taylor não lidava tão bem com os holofotes todos virados para ele.

Já no retorno da dupla, o Nottingham Forest alcançou o acesso à elite. E, com um sucesso sem precedentes, os Foresters conquistaram o Campeonato Inglês em 1977-78, somando ainda, a Copa da Liga à sua carteira de conquistas. Era o início de uma história incrível, que culminaria com um bicampeonato europeu. Mais tarde, Clough e Taylor romperam de modo definitivo, já que o eterno assistente técnico faleceu em 1990, antes que a dupla pudesse reatar sua relação.

Brian Clough Peter Taylor Nottingham Forest
Foto: Goal/Arte: O Futebólogo

Nos 14 anos vividos após o passamento de Taylor, Clough o homenageou de diversas formas. Não era para menos, tendo em vista a senda de sucessos que, unida, a dupla alcançou. Entretanto, não se pode olvidar que o grande fracasso de Brian aconteceu na ausência de seu braço direito. Peter não quis se mudar para o Leeds United. Parecia prever o estrepitoso erro que aquilo seria. Em 44 dias, Clough colocou sua carreira em risco. Mas, teve tempo e humildade para voltar atrás, resgatar laços e estabelecer um segundo amor, que não conviveria com tanta polêmica quanto o primeiro.

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