2001-02: Com Ivica Olić, NK Zagreb quebrou uma hegemonia

Enquanto a Iugoslávia concentrou os povos balcânicos, o esporte se tornou instrumento de defesa identitária. No futebol, para além de rivalidades locais, como a que separa os croatas Dinamo Zagreb e Hajduk Split, a animosidade se revelava flagrante quando enfrentavam adversários sérvios, Partizan e Estrela Vermelha. No limite entre o mito e a realidade, conta-se que a Guerra de Independência da Croácia começou durante um dérbi. Seja como for, o futebol manteve o vigor após o esfacelamento iugoslavo. Quem era grande seguiu grande. Hegemonias se engendraram. E como regras, admitiram raras exceções.

NK Zagreb 2001-02
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


Nasce o Campeonato Croata


Oficialmente, o conflito armado que culminou na Independência da Croácia começou em março de 1991. Duraria até o final de 1995, com resultados inenarráveis. Estes conduziriam o ex-presidente da Sérvia e da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, a julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes de guerra e violações das Convenções de Genebra. Não obstante a contenda estivesse em pleno desenrolar, o futebol recomeçou na Croácia.

Em 1992, estabeleceu-se a primeira edição do Campeonato Croata. Com duração curta, de cerca de quatro meses, concentrou os 12 melhores times nacionais, até então distribuídos pelas principais divisões iugoslavas. Eneacampeão da elite eslava, o Hajduk Split levantaria a primeira taça de um campeonato levado à fórceps, com várias equipes atuando longe de suas sedes, afligidas pela guerra. Surpreendentemente, o Dinamo Zagreb (sob o título de HAŠK Građanski), vice-campeão da liga iugoslava de 1990-91, terminaria apenas em quinto lugar.

A classificação decepcionante do gigante zagrebino seria um acidente de percurso, compreensível diante das inevitáveis vendas de jogadores como Zvonimir Boban, Davor Šuker e Željko Petrović, para Milan e Sevilla. A prova cabal da contingência seria o título nacional de 1992-93, marcando superlativos 84 gols, em 30 partidas; grande parte deles contribuição dos principais artilheiros da liga, Goran Vlaović e Igor Cvitanović, autores de 23 e 15 tentos, respectivamente.

Davor Suker Dinamo Zagreb
Foto: Lance/Arte: O Futebólogo

O título dos Azuis reforçava a ideia de que as potências de outrora seguiriam dominantes. Fazia sentido que assim fosse. Além da dupla imperante, entre croatas, só HŠK Concordia e HAŠK, dissolvidos em 1945, conquistaram o torneio eslavo — e nos idos de 1930, 32 e 38. 

Também eneacampeão iugoslavo, o Dinamo levaria mais cinco conquistas croatas nos anos 1990. As outras taças terminariam nas mãos do rival de Split. A hegemonia construída antes do início da Guerra de Independência se manteve, ainda que as duas potências não tenham feito sempre a dobradinha de campeão e vice.

O recomeço de uma promessa


No meio da fervente década de 1990, mas já após o final do conflito armado, com a assinatura do Tratado de Dayton, um novo talento despontou na Croácia. Aos 17 anos, Ivica Olić surgia. O contexto não era o melhor. Nascido na pequena Davor, o atacante iniciou a carreira no NK Marsonia, da vizinha, e consideravelmente maior, Slavonski Brod. Ainda assim, tratava-se de um nanico fadado ao insucesso. Ao final da temporada, a confirmação viria, com o rebaixamento à segunda divisão.

Apesar disso, Olić floresceu em meio ao deserto. Em seu primeiro ano completo, anotou nove tentos, em 25 partidas. Insuficiente, o desempenho individual da futura estrela não evitou um novo descenso, agora à terceirona. Nada que abalasse o desempenho do jovem. Em meia temporada, somou mais oito gols, em 10 jogos. Carimbou, pois, o passaporte para uma aventura no estrangeiro. Mas não estava pronto e a viagem a Berlim significou um passo maior do que o que ele podia dar.

Em dois anos no Hertha, Olić fez parcos três jogos — ou míseros 87 minutos. No restante do tempo, dedicou-se ao segundo time da Alte Dame. O desempenho não seria o pior, mas tampouco indicaria progresso. Sem chances na equipe de cima, o croata preferiu recomeçar. O retorno ao Marsonia veio a calhar. O clube retornara ao segundo escalão croata e, com a adição de Ivica, conseguiria ascender à elite.

Ivica Olic Hertha Berlin
Foto: imago/Arte: O Futebólogo

Finalmente, parecia que a carreira de Olić entrava nos eixos. Para o clube, a temporada 2000-01 foi trágica. Ficou em último lugar e voltou a ser rebaixado. Fez apenas 28 gols. No entanto, 16 desses foram assinados por aquele jovem com ares de redentor. Estava claro que no meio de um desastre, o veloz e destemido atacante se sobressaíra. Evidente era a constatação de que não poderia afundar junto com aquele clube-âncora. Assim, subiu um degrau: assinou com o NK Zagreb.

Que não fossem gigantes nacionais, os Brancos desempenhavam solidamente no Campeonato Croata. Vice-campeões na edição inaugural e, mais tarde, em 1993-94, também foram finalistas vencidos da Copa da Croácia, em 1996-97, perdendo para o Dinamo, de Mark Viduka. Aos 22 anos, Olić ainda tinha tempo para se recolocar no rol dos atacantes mais promissores da Europa.

Pessoas certas na hora certa


Do Marsonia, viria também o treinador Zlatko Kranjčar. Ou seja: em uma tacada só, os zagrebinos contrataram um dos maiores talentos locais e o treinador que, enfim, extraíra dele seu melhor futebol. No entanto, a batalha pela ponta da tabela seria duríssima. No ano anterior, o NK somara 28 pontos a menos do que o campeão Hajduk Split, ficando inferiorizado por 27 do Dinamo, o vice.

Esses clubes mantinham força. Por mais que o Dinamo vendera destaques como Bosko Balaban e Tomislav Sokota, para Aston Villa e Benfica, ainda conservava um elenco com internacionais croatas e promessas que alcançariam sucesso; Tomislav Butina, Jerko Leko, Eduardo da Silva, Niko Kranjčar... A vida do Hajduk não era diferente: negociara Mate Bilic com o Zaragoza, mas mantinha Stipe Pletikosa, Darijo Srna e Igor Štimac. O páreo era duro.

Para enfrentar as dificuldades, Zlatko armou a equipe em um esquema tático 3-4-3, sólido na defesa e confiante nas qualidades do goleiro Vladimir Vasilj, que fora opção na histórica campanha croata no Mundial de 1998. O time ainda apostava nas habilidades e capacidade de construção de jogadas do ponta Antonio Franja e nos gols do bósnio Admir Hasančić. Porém, a grande estrela da companhia era mesmo Ivica Olić. A esquadra se moldava para o ataque.

Ivica Olic NK Zagreb
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

A temporada começou da melhor forma possível. Diante do modesto Hrvatski Dragovoljac, Olić liderou o NK Zagreb em uma vitória tranquila: 3 a 0. O atacante marcou duas vezes. Um empate diante do Slaven Belupo seria apenas uma pedra no caminho, porque já na terceira rodada, com gol de Krunoslav Lovrek, o time da capital superaria o Hajduk, na primeira grande batalha da campanha.

A companhia de Zlatko Kranjčar só seria superada na 15ª rodada. O pequeno Kamen Ingrad conseguiu um suado 1 a 0, já no final da partida. Na altura, Olić já marcara 16 gols na competição. Momentos emblemáticos também haviam sido vividos, como um triunfo maiúsculo contra o Topolovac, 8 a 0 (com poker de Ivica), ou um empate emocionante na casa do Dinamo, 3 a 3 — em que Olic resgatou o NK três minutos antes do final do tempo regulamentar.

O ritmo da equipe não caía. Depois da primeira derrota, veio uma sequência de seis vitórias e dois empates — incluído triunfo ante o Hajduk, 2 a 0, e massacre contra o Osijek, 6 a 1. Um inesperado infortúnio diante do Cibalia seria logo reparado com um êxito tranquilo em face do Šibenik. E a última perda aconteceria na 27ª rodada, somente servindo de combustível para uma vitória histórica diante do Dinamo, 2 a 1 entregue por Dalibor Poldrugač, aos 43 minutos da etapa fatal.

Empates nas últimas duas rodadas não evitariam o incrível evento: o NK Zagreb se confirmaria o primeiro intruso no lugar mais alto do pódio do futebol croata. Além disso, Olić, artilheiro do campeonato com 21 gols, e Vasilj conquistariam lugar no grupo de 23 atletas chamados a representar o país na Copa do Mundo de 2002. Parecia um sonho.


Tudo como dantes no quartel de Abrantes


E continuaria parecendo, porque todo sonho acaba. Repentinamente, com o intrusivo ato de acordar. Após 2001-02, o poderio dos gigantes croatas ainda era incompatível com a realidade vivida pelos demais clubes. Quando o Dinamo Zagreb ofereceu €1 milhão para levar Olić, foi impossível recusar. Além disso, Kranjčar preferiu deixar o clube que no máximo seria uma segunda força capitalina, partindo para o principal representante da terceira maior cidade do país, o Rijeka.

Os dois pilares do NK Zagreb abandonaram o barco em 2002-03. Com o dever cumprido, sim, mas deixando um vazio no coração de um grato torcedor.

Classificado para a segunda fase da Liga dos Campeões, o clube caiu imediatamente. Diante dos húngaros do Zalaegerszeg — que famosamente venceriam o Manchester United, antes de sofrerem uma demolição —, a eliminação aconteceu no critério do gol marcado fora de casa. Outra chance de disputar a principal competição de clubes da Europa não voltaria a bater na porta.


Enquanto isso, na Croácia, os ares da normalidade retornaram. Em 2002-03, o título voltou às mãos do Dinamo, enquanto o Hajduk assegurou mais uma prata. Ao NK Zagreb coube um habitual e insosso sexto lugar. Não obstante, nem tudo o que o clube vivera no ano anterior fora acontecimento de uma única vez. Olić era mesmo produto de primeira qualidade, repetindo a artilharia do Campeonato Croata, agora com 16 gols.

Se a escadaria do futebol dizia que um destaque do NK Zagreb deveria subir para um clube maior da Croácia, ela também afirmava que os craques de Dinamo e Hajduk precisavam alçar voos mais altos, mudando-se para centros mais ricos de futebol. Então, o CSKA Moscou apareceu no caminho de Olić, com uma mala recheada de milhões de euros — cinco para ser exato. Ivica deslanchava de vez na carreira. 

Ivica Olic DInamo Zagreb
Foto: ALL/ Arte: O Futebólogo

Na Rússia, faria uma prolífica dupla de ataque com Vágner Love, antes de reconstruir sua vida na Alemanha, passando, com sucesso, por Hamburgo, Bayern e Wolfsburg.

Para os Brancos de Zagreb, restou a memória da temporada em que peitou a história. Ficaram os fragmentos de dias de uma vida inteira; resquícios de um período em que o NK estabeleceu um hiato na famosa hegemonia do futebol croata — o que só aconteceria outra vez em 2016-17, com uma conquista do Rijeka.

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