Em Columbus, o soccer importa

Em 1988, ao anunciar os Estados Unidos como país-sede da Copa do Mundo de 1994, em detrimento de Brasil e Marrocos, além de atingir interesses comerciais e políticos, a FIFA esperava romper mais uma fronteira do futebol. Os estadunidenses tiveram contato anterior com o soccer, sobretudo nos anos de atividade da NASL. Mas, nunca houve interesse suficiente para a liga triunfar. Assim, a entidade máxima do futebol exigiu a criação de uma nova competição. A Major League Soccer surgia como ideia; o Columbus Crew entrava no horizonte.

Columbus Crew Supporters
Foto: Jamie Sabau/Getty Images/ Arte: O Futebólogo


Columbus? Sim, Columbus


Embora a MLS tenha se formado apenas em 1995, os preparativos para o seu lançamento começaram antes. No ano anterior, já se sabia que 10 cidades sediariam os fundadores da liga. Quando confrontada com localidades como Nova Iorque, Los Angeles, Dallas e Washington DC, Columbus não surgia como escolha óbvia. Inexistiam indícios de que a comunidade local abraçaria uma equipe, especialmente uma de soccer. A capital de Ohio não era representada nas principais ligas profissionais do país — o que poderia ser visto pelo prisma do copo meio vazio, mas também pelo da metade cheia.

Em 8 de junho de 1995, anunciou-se que Lamar Hunt e seu filho, Clark, geririam a equipe. O clã dos Hunt possuía vasta experiência no ramo esportivo. Entrava na MLS não apenas em nome do Columbus Crew, mas também do Kansas City Wizards (mais tarde Sporting Kansas City). Além disso, desde os anos 1960, liderava o Kansas City Chiefs, da NFL. E, entre 1967 e 81, conduzira o Dallas Tornado, na extinta NASL.

Segundo se conta, diferentemente da maior parte de seus compatriotas, era apaixonado pelo futebol. Em 1966, viajara à Inglaterra para acompanhar o Mundial e, a partir de então, frequentara todas as edições seguintes.

A resposta pública à ideia da fundação do Columbus Crew foi positiva. Em pouco tempo, 12 mil ingressos da temporada foram vendidos para o ano inaugural. Quando a bola rolou, em abril de 1996, o clube viu 25.266 pessoas acompanharem a goleada dos aurinegros diante do DC United, 4 a 0 — Brian McBride começando a exibir seu faro artilheiro. Era um público expressivo. Não fosse o fato de a partida ser disputada no Ohio Stadium, da Ohio State University. A capacidade total da praça era de aproximadamente 100 mil espectadores.


É curioso notar, ainda, que o nome do clube foi escolhido em votação popular. O acréscimo Crew derivou de um processo envolvendo alternativas como Explorers, Falcons, Kickers e Pride.

Seja como for, em comparação com os outros competidores, as marcas do Columbus eram notáveis. Em sua última partida em casa na temporada, contra o NY/NJ MetroStars, estabeleceu um novo recorde de público para a MLS, lotando 31.550 torcedores em mais uma vitória, agora por 2 a 0. Com o fechamento das cortinas do certame de 1996, a média de espectadores do Crew ficou em 18.949, a quarta maior entre os 10 disputantes, atrás de LA Galaxy, MetroStars e New England Revolution.

Porém, as médias despencariam. É verdade que os aurinegros não foram os únicos sofredores. A MLS não emplacou de início. Em 1997, o público médio do Columbus Crew caiu para 15.043. No ano seguinte, chegou a 12.275. Hunt tinha um combinado com a Major League Soccer para cumprir, e sua consumação traria efeitos de revelação divina para a liga. Contudo, não vinha sendo fácil tirar os planos do papel.

Brian McBride Columbus Crew
Foto: File Photo/Arte: O Futebólogo

A última colocação dos Estados Unidos na Copa do Mundo de 1998 não fez qualquer favor à promoção do crescimento do campeonato. O soccer não era popular e a ideia de apoiar um esporte que envergonhava a rica tradição esportiva do país não prometia muito.

Hora de fazer as malas


Quando a MLS foi idealizada, novos estádios não foram construídos. Um dos critérios para a escolha das sedes era a prévia existência de instalações esportivas hábeis a sediar os competidores. Pouco a pouco, isso se tornou um problema. Jogar em casas enormes, projetadas para outros esportes, diante de públicos rondando os 20 mil espectadores não era uma questão apenas para o Columbus Crew. O LA Galaxy, por exemplo, costumava usar as dependências do gigantesco Rose Bowl, com capacidade para 107 mil pessoas.

A desproporção se mostrava negativa por uma série de fatores. O impacto esportivo de uma praça às moscas impactava jogadores e torcedores, assim como não ajudava em nada a atrair o interesse de telespectadores. Grosso modo, gerava a ideia de ‘por que alguém acompanharia um evento que nunca está cheio?’. E ainda havia a dificuldade de transformar os jogos em acontecimentos esportivos lucrativos, com receitas de matchday compatíveis com os investimentos feitos.

Todavia, no caso dos aurinegros, encontrar os meios para construir uma nova casa vinha sendo difícil. A bem da verdade, a última vez em que um estádio para a prática de futebol fora erguido no país datava de 1913. Um outro problema era a iminente reforma do Ohio Stadium, prevista para 1999 e que desabrigaria o Columbus.

Columbus Crew
Foto: File Photo/Arte: O Futebólogo

Os primeiros planos de construção da nova casa do time começaram a ser forjados em 1996. Muito antes de ficar evidente a necessidade. As autoridades locais propuseram um investimento de $285 milhões, para a construção da praça esportiva, bem no centro da cidade. No entanto, a proposta envolvia a cobrança de impostos de 0,5%. Os debates públicos levaram a uma derrota para a iniciativa. Em 1997, 56% dos votantes decidiram não ser do interesse comum a construção.

O revés não pôs fim aos planos. Em setembro daquele mesmo ano, Hunt apresentou uma nova ideia: o The Crew. O proprietário decidira levantar um estádio com recursos próprios, em Dublin, nos subúrbios de Columbus. Contudo, pedia uma contrapartida. O Dublin City Council teria que adquirir o terreno e promover obras de infraestrutura na região. Nada feito. Em nova votação, a derrota foi ainda pior: 59% a 41%.

"Temos o problema real de não ter uma casa para jogar em 1999, e temos que resolver isso", afirmou Hunt, após novo insucesso.

Historic Crew Stadium Groundbreaking
Foto: Dispatch Photo/Arte: O Futebólogo

Não houve outra saída: Hunt levantou $28,5 milhões de recursos próprios e conseguiu arrendar 15 acres da Ohio Expositions Commission. Em julho de 1998, o projeto foi anunciado. O primeiro estádio de soccer da MLS saía do mundo das ideias. Com capacidade para 22.500 torcedores, projetava “combinar a atmosfera do futebol europeu com características de luxo americanas”, registrou o Dispatch. Em agosto, as obras começaram. E antes da inauguração, 9.282 season tickets já haviam sido vendidos. O público voltava a se mobilizar.

Menos de um ano após o começo das atividades obreiras, o Historic Crew Stadium era inaugurado com lotação máxima. No dia 15 de maio de 1999, na primeira partida dos aurinegros como mandante naquela temporada, o Columbus recebeu o New England Revolution, do goleiro-treinador italiano Walter Zenga. Venceu por 2 a 0. Jeff Cunningham foi quem primeiro balançou as redes, novinhas em folha, daquele estádio que teria importância seminal para a MLS.


Ao final da temporada 1999, o Columbus Crew tinha a melhor média de público da liga: 17.702, com dois jogos alcançando o sold out — partidas com ingressos esgotados. Dali em diante, a flutuação das médias seria pequena. A empreitada de Hunt era um sucesso, atingindo todos os objetivos esperados e, acima de tudo, engajando a comunidade em torno da causa aurinegra. Logo, esse caminho foi seguido por outras equipes.

Em 2003, o LA Galaxy inaugurou o Home Depot Center; em 2005, o FC Dallas ergueu o Frisco Soccer & Entertainment Complex; enquanto em 2007, o Toronto FC passou a jogar no BMO Field e o Colorado Rapids no DSG Park. A tendência seguiu nos anos seguintes. Em poucos anos, a MLS passou a ser disputada em prédios próprias para o soccer, a maior parte deles com capacidade entre 20 e 30 mil pagantes.

Bom, mas…


Após a construção do Historic Crew Stadium, o Columbus seguiu construindo sua história. Em 2002, venceu seu primeiro título. Após superarem Richmond Kickers, MetroStars e Kansas City, os aurinegros avançaram à decisão da U.S. Open Cup. O adversário era o LA Galaxy, o campeão vigente. Apesar da presença de nomes famosos como Alexi Lalas, Cobi Jones e do guatemalteco Carlos Ruiz, os californianos não evitaram o solitário e suficiente tento de Freddy García.

Em 2004, 08 e 09, os ohioanos fizeram a melhor campanha da temporada regular na MLS, recebendo a Supporters' Shield. Além disso, o clube acompanhou o argentino Guillermo Barros Schelotto, que já era ídolo do Boca Juniors, marcar sete gols, ofertar 19 assistências e ser eleito o MVP da MLS em 2008, forjando-se uma referência histórica da torcida aurinegra. Tal ano ainda seria marcado pela primeira vitória na MLS Cup, subjugando na final o NY Red Bulls, do colombiano Juan Pablo Ángel. 

A primeira década do Crew na novel residência fora excelente.


Entretanto, nem tudo foram flores. No final de 2006, o patriarca Hunt faleceu, vítima de câncer de próstata. Seu grupo permaneceu no controle do Columbus Crew até 30 de julho de 2013, quando foi anunciada a negociação dos direitos operacionais com a empresa Precourt Sports Ventures. Anthony Precourt assumiu a presidência do clube, alegando que “pretendemos ser bem-sucedidos, planejamos vencer e seremos membros ativamente engajados da comunidade de Columbus”.

Na altura, Clark Hunt engrossou o coro, garantindo que um ponto crucial para a negociação foi a garantia de que a franquia não se mudaria de Columbus. Mas palavras, como se sabe, podem não passar disso.


Save the Crew!


O início da nova gestão seria pacífico, mesmo porque, no campo, os aurinegros podiam contar com um novo ícone: Federico Higuaín, o talentoso irmão do artilheiro internacional Gonzalo. Fora dos campos, modernizações como um novo escudo também agradavam. No entanto, o negócio firmado entre Precourt e os Hunt previa uma exceção: caso houvesse a possibilidade de inclusão de uma franquia em Austin, Texas, seria possível levar os aurinegros para lá. 

Em 2017, conversas sobre uma mudança começaram a ficar sérias. Oficialmente, Precourt anunciou que exploraria suas opções, alimentando a boataria.

O gestor desejava construir um novo estádio para o clube, o que não parecia interessar às autoridades de Columbus. As de Austin, por sua vez, mantinham os ouvidos abertos. Por seu turno, a MLS avaliava junto ao prefeito da cidade texana a viabilidade de uma nova franquia. Outrora cautelosa em relação ao Crew, a comunidade local não esperou a tragédia se abater sobre seu clube para agir.

Em 22 de outubro de 2017, os torcedores se mobilizaram. Protestos na prefeitura pararam a cidade, que promoveu a hashtag #SavetheCrew nas redes sociais. Depoimentos foram gravados; assinaturas, colhidas. Em pouco tempo, os fãs angariaram a simpatia de diversos apaixonados pelo futebol, mundo afora. Torcedores como Morgan Hughes, que tinha 14 anos na fundação do clube, soltaram o verbo

“Fui criado aqui, moro aqui, vou morrer aqui. O Columbus Crew foi natural para mim. É minha pequena fatia de céu preto e dourado. É minha casa longe de casa. Às vezes parece minha primeira casa”.


No jogo seguinte do time, faixas exibidas pela massa aurinegra gritavam: “Respeitem nossas raízes!”. Em simultâneo, o estádio entoava em uníssono: “Save the Crew!”. A iniciativa tomou forma. Os torcedores se organizaram. “Reunimos uma comunidade internacional de torcedores de futebol preocupados”, acrescentou Hughes.

Os esforços eram notáveis, mas não pareciam levar a lugar algum. Precourt alcançou um acordo com a prefeitura de Austin em 2018. Mas, antes da firma do pacto, o procurador-geral de Ohio interviu em favor da comunidade para ganhar tempo. Utilizando-se de uma lei que passou em 1996, quando o Cleveland Browns, da NFL, mudou-se para Baltimore, Mike DeWine ajuizou uma ação. A estratégia foi exitosa. Lideranças da comunidade e empresários tiveram tempo de se unir e fizeram uma oferta de compra do clube. Em 12 de outubro de 2018, ele estava a salvo da indesejada mudança para Austin.

Em pouco tempo, a nova gestão, liderada pelo dono do mencionado Cleveland Browns, Jimmy Haslam, anunciou a construção de uma nova casa para o Columbus Crew. As obras começaram em outubro de 2019, ao custo de $314 milhões. Em julho de 2021, outra vez diante do New England Revolution, era inaugurado o New Crew Stadium, à espera da escrita de novas páginas.

Meses antes, porém, os aurinegros recuperaram o título da MLS Cup. Na vitória por 3 a 0 diante do Seattle Sounders, o show de Lucas Zelarayán proporcionou o encerramento perfeito da história do Historic Crew Stadium — um marco no desenvolvimento de uma das relações mais estreitas de uma comunidade com um clube da MLS; uma evidência da importância do soccer em Columbus.

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