Nos anos 1990, Klinsmann foi o cai-cai preferido da Inglaterra

Nas décadas de 1980 e 90, Jürgen Klinsmann foi um das principais referências de ataque da seleção alemã. No contexto de clubes, passou com destaque por alguns países. O atacante podia ser tido como um andarilho quando bateu à porta da terra da rainha. Não pelo número de times representados, quatro, mas por seu trajeto, de país em país. Depois de começar a carreira no Stuttgarter Kickers e se destacar no rival famoso, o Stuttgart, viajou à Milão, representando a Inter. Depois, foi ao Principado, vestir-se de vermelho e branco e defender o Monaco. Então, partiu para a Premier League, ganhando ainda mais notoriedade e revertendo uma relação conflituosa; provando que amor e ódio andam juntos.

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Uma contratação polêmica


Apesar dos bons números representando o Monaco (84J e 36G), o desfecho da temporada 1993-94 sinalizou que o fim de sua passagem poderia ser iminente. Klinsmann era um nome grande demais para aspirar apenas a nona colocação da Ligue 1 — a despeito de o Monaco ter chegado às semifinais da Liga dos Campeões (apenas para ser massacrado pelo Milan, 3 a 0).

Foi aí que apareceu o Tottenham. Com a proposta do clube vieram duas circunstâncias tentadoras: jogar na recém-fundada Premier League, que entrava na sua terceira temporada, e viver em Londres. Tudo bem que a 15ª posição do Tottenham na temporada anterior era desencorajadora — assim como o fato de o time ter tido a pior sequência de derrotas daquela competição, sete. No entanto, o peso de uma disputa mais competitiva em uma liga mais rica e atraente não foi deixado de lado.




“Eu fiquei desiludido com o treinador Arsène Wenger. Ele é provavelmente o treinador mais inteligente e com mais cultura da França, mas, na minha opinião, muito gentil para a dureza do futebol profissional [...] Escolhi o Tottenham por conta da abordagem direta de Alan Sugar [proprietário do Tottenham] e de Ossie Ardiles [treinador]. Jogar por Ardiles significava muito para mim e, historicamente, o Tottenham era conhecido por seu futebol ofensivo [...] E a teoria de Londres? Não foi um grande fator, mas outra razão para escolher os Spurs, revelou o craque ao site The Totally Football Show.

Os londrinos pagaram £2 milhões para fechar o negócio, no que, 10 anos depois, seria lembrado pelo jornal Guardian como uma contratação acertada: “Houve outros estrangeiros mais bem-sucedidos na Premier League, outros que deixaram uma marca mais duradoura, ou fizeram mais diferença, mas ninguém alcançou mais impacto [do que Klinsmann] no curso de apenas um ano”.
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Em que pese tudo isso, a recepção não foi tão calorosa quanto se poderia supor — ao menos por parte da mídia. Na Inglaterra, muita gente se lembrava de Jürgen por duas circunstâncias, uma dolorosa e outro vexatória, segundo sua ótica.

O atacante alemão foi peça importante de seu país na eliminação inglesa da Copa do Mundo de 1990, em partida semifinal. Depois, na decisão, Klinsmann teria simulado uma agressão, após carrinho do argentino Pedro Monzón que conduziu a sua expulsão. Para os críticos, foi apenas mais uma mostra de que o alemão constantemente se jogava e simulava, tentando colocar os árbitros contra o adversário. Ainda assim, em 2004, o alemão confirmou que o incidente da final lhe rendeu um corte de 15cm.

A estreia do diver


A controvérsia não deixou os jornais até que, por fim, Klinsmann fez a sua estreia na temporada 1994-95. Na oportunidade, o Tottenham venceu o Sheffield Wednesday por 4 a 3 e o atacante marcou seu primeiro tento da campanha — em um belo voleio. E a comemoração… O alemão celebrou performando um dive, um mergulho, se jogando no gramado como supostamente faria diante da marcação de seus adversários. Por óbvio, um gesto de fina ironia.


O ato, que poderia ter consolidado o ódio local por sua figura, acabou o tornando um queridinho do público e da crítica. A capacidade de tratar a si mesmo de forma auto-depreciativa, debochada, encantou os ingleses — também conhecidos por seu humor aguçado. A maior prova disso se revelou no Guardian. À época da contratação, foi publicado um artigo cujo título foi “Porque odeio Jürgen Klinsmann”. Dois meses mais tarde, o mesmo autor, o jornalista Andrew Anthony, redigiu outra peça, intitulada “Porque amo Jürgen Klinsmann”.

Klinsmann não nega que, durante a carreira, saltou diante de muitas divididas, mas garante que sempre o fez em legítima defesa e que não deixava barato. “Eles [os defensores] vinham com seus cotovelos, e não era mostrado cartão amarelo. Disse a mim mesmo, 'Jürgen, a próxima vez que eu avançar e eles me derrubarem, eu os derrubarei também'. Me lembro de [Franco] Baresi. Eu quebrei sua escápula”, revelou à reportagem do Guardian.

Um brilho tão intenso quanto fugaz


Klinsmann foi intenso na temporada 1994-95. Formando dupla poderosa com Teddy Sheringham, terminou a Premier League com 21 gols, três a mais que seu companheiro. Além disso, entregou 10 assistências, em um ano em que os Spurs subiram da 15ª colocação do ano anterior para a sétima. O alemão integrou a seleção da temporada, eleita pela Professional Footballers’ Association (PFA), formando ataque com Alan Shearer e Chris Sutton, goleadores do campeão do ano, o Blackburn. Além disso, foi eleito pela Football Writers’ Association (FWA) o melhor jogador daquela Premier League.

Foto: Twitter @thfcnostalgia/ Arte: O Futebólogo
O problema é que o contrato assinado era de apenas um ano, apesar da possibilidade de prorrogação por mais dois. Havia também uma cláusula que dizia que, após 30 de junho de 1995, o jogador poderia sair por £1,4 milhões para onde bem entendesse. Essa teria sido a única rusga do atacante com o proprietário do clube, à época Alan Sugar, que lutou veementemente por sua permanência e, após, para receber um valor maior. 

Klinsmann logo deixou o Tottenham, após apenas uma temporada. Retornou à Alemanha, para defender o Bayern de Munique. Os Spurs chegaram a ir à FIFA, alegando que os alemães haviam agido mal na abordagem a Jürgen. Tal foi reconhecido, mas os ingleses receberam apenas aquele valor como compensação.

Volta menos explosiva, mas importante


O atacante alemão foi bem no Bayern, anotando 48 gols em 84 partidas, ao longo das temporadas 1995-96 e 1996-97 — apesar de ter tido atritos com Lothar Matthäus, seu companheiro de clube, a respeito da faixa de capitão da seleção alemã, passada a Klinsmann pelo treinador Berti Vogts. Em parte por conta disso, o goleador optou por romper seu contrato com os bávaros antes do fim. Voltou à Itália, agora para defender a Sampdoria, mas ficou por apenas seis meses. 

Em queda de forma, retornou ao Tottenham na janela de inverno europeia, na metade da temporada 1997-98. Voltou para socorrer um time em apuros. Os Spurs lutavam bravamente contra o rebaixamento. No dia 23 de dezembro de 1997, o Independent anunciou: “Klinsmann and Pleat trazidos de volta para resgatar o Tottenham”. No anúncio da volta, Sugar garantiu que o contrato seria até o final da campanha, “para não haver nenhum mal entendido”. Por sua vez, o atacante garantiu: “Sinto que estou voltando para casa”.

Cinco dias depois, ele já estava em campo. Estreou no dérbi contra o Arsenal e, de cara, assistiu Allan Nielsen, em um empate por 1 a 1. Pela Premier League, jogaria mais 14 jogos, anotando nove gols — destacando-se os quatro que marcou contra o Wimbledon na penúltima rodada


O Tottenham se salvou do descenso e Klinsmann cumpriu sua missão. Com o time e o futebol. O atacante jogou a Copa do Mundo de 1998, marcando três gols, apesar do fracasso germânico. Depois, deu adeus ao futebol. Jovem, aos 33 anos. Voltaria em 2003, jogando uma liga amadora nos EUA, pelo desconhecido Orange County Blue Star. Mas, como suas passagens pelos Spurs, por um período muito breve. O importante é que, em seu último momento de alto nível, o alemão provou, outra vez, porque merecia o amor do público inglês.

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