Como uma passagem pela Suíça deu rumo à carreira de Élber

Lisboa, 30 de junho de 1991. A marca da cal é o que separa um confiante anfitrião, Portugal, e o Brasil do troféu de campeão mundial de juniores. São 127 mil os presentes, que esgotaram as entradas com três dias de antecedência. Existe muita confiança nos garotos lusitanos, chefiados pelo treinador Carlos Queiroz. Os 120 minutos deixaram os nervos à flor da pele. E são justamente eles que se colocam à prova agora. O travessão, o goleiro português, Brassard, e a perícia dos de vermelho prevalecem. No entanto, o vice e o pênalti que parou no poste nada mudam na vida de Élber, de malas prontas para Milão.

Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo

Milão? Não, Zurique


O acerto de Élber com o Milan aconteceu em um momento importante para os Rossonerri. O clube vinha de um período de vitórias expressivas. Sob o comando de Arrigo Sacchi, havia alcançado conquistas como um bicampeonato europeu. Para a vaga daquele jovem brasileiro de Londrina, que nunca havia atuado profissionalmente, os milanistas dispunham de um tal Marco van Basten. Aliás, depois de acompanhar a ascensão da Sampdoria na temporada que acabara de se encerrar, havia pressão intensa por títulos no Milanello.

Não era, evidentemente, o melhor timing para o jovem atacante receber oportunidades. Todos sabiam disso. Dessa forma, a contratação soou mais como uma tentativa de assegurar um jovem talento para o futuro do que como um negócio para render frutos imediatos. Sumariamente, Élber foi emprestado. Um dia antes daquela final lisboeta, já estava selado o destino do centroavante.


O L’Expresse, de Neuchâtel, deu a negociação por encerrada. “Campeão Suíço, o Grasshopper anuncia a chegada do brasileiro Giovanni Élber de Souza. O atacante, internacional de 19 anos, vem por empréstimo de um ano do Milan. O prestigiado clube lombardo contratou o jogador que estava evoluindo no Londrina. A contratação terá efeito a partir de 1º de outubro”. Em 2010, entrevistado pela Trivela, o atacante confirmou a importância daquele momento em sua trajetória: “Tive que ter paciência. Sabia que a minha hora iria chegar. Tinha que trabalhar. Por isso, fui para a Suíça e até fiquei meio sumido do futebol. Lá comecei o meu trabalho visando três, quatro anos depois”.

O tempo provaria que o Milan não tinha um plano para Élber. Um ano de cessão logo se transformou em três. Mas ele sabia o que fazer. Tudo era difícil. Não saber o idioma, atuar em uma liga fraca e não ter notícias de casa. Ao menos essa última parte ele tinha como compensar. Conforme reportou Placar, em abril de 2006, semanalmente o atacante costumava se dirigir à estação ferroviária de Zurique. Lá, comprava edições do jornal O Globo. Matava um pouco da saudade, enquanto trabalhava pelos dias de glória. Ao menos, não pôde reclamar do chocolate.



Se tornando um autêntico gafanhoto


Habitualmente, gafanhotos são vistos como pragas. O inseto costuma ser associado à ideia do fim do mundo. Estudos apontam que o aquecimento global vem ocasionando mudanças nos hábitos do animal, cujo apetite estaria aumentando, bem como a propensão a se reproduzir e destruir plantações inteiras de, por exemplo, arroz e milho. Analogicamente, é justamente isso o que os torcedores do Grasshopper esperavam do brasileiro: destruição, mas dos adversários.

O nome da equipe, traduzido ao português, é exatamente esse: Gafanhoto. E o apetite dele era grande. Campeão nacional, desejava manter a supremacia local e fazer algum estardalhaço continental. O problema, neste caso, foi que Élber nem pôde disputar a Copa dos Campeões da Europa de 1991-92. A queda precoce, na primeira fase e para o Anderlecht, deu-se antes de o brasileiro estrear pelo time suíço.

Foto: Keystone/ Arte: O Futebólogo
No nacional, o atacante debutou contra o St. Gallen, na 13ª rodada. Não marcou. Aliás, demorou a engrenar. Foi apenas em sua sétima partida que o garoto de 19 anos anotou seus primeiros gols. Isso mesmo, no plural. Contra o FC Wettingen e atuando ao lado de gente como Ciriaco Sforza e Alain Sutter, Élber fez dois gols. Na rodada seguinte, mais um, perante o Laussane Sports. Ele seria mais efetivo a partir da segunda metade da temporada.

O torneio era dividido em duas fases. Na primeira, os oito melhores avançavam, enquanto os quatro piores (eram 12), disputavam, com times oriundos da divisão de acesso, a permanência na elite. Vice-líder na fase inicial, o Grasshopper terminou a decisiva em terceiro, atrás de Sion e Neuchâtel Xamax. No entanto, Élber, titular absoluto, desencantou, somando mais seis gols, em 13 partidas.

Olá, Europa


Coletivamente, o ano seguinte foi ruim. Porém, seguiu sendo excelente para seu promissor atacante. O Grasshopper terminou a primeira fase do suíço em nono e precisou batalhar para ficar na primeira divisão. Élber fez 25 gols em 30 encontros (destaque para os assustadores 14, em nove jogos, que fez na repescagem). Em território europeu, o clube também não foi longe — caiu na segunda eliminatória da Copa da Uefa, para a Roma. Nesta competição, todavia, o brasileiro fez um de seus jogos mais emblemáticos.

Na fase inicial, os suíços enfrentaram o Sporting CP. Na partida de ida, como visitantes, os Leões mostraram que seu favoritismo era real. Treinados por Sir Bobby Robson, venceram por 2 a 1. Entretanto, em grande noite de Élber, os Gafanhotos deram a volta por cima, empesteando Lisboa. Na volta, o brasileiro marcou o gol inicial. E após Joël Magnin ampliar e Jorge Cadete diminuir o prejuízo lusitano, Élber decidiu na prorrogação: 3 a 1 e classificação. 


“Para mim foi excelente ter jogado na Suíça no começo da minha carreira porque pude aprender a jogar nas competições europeias sem tanta pressão como se tem jogando na Espanha, na Alemanha ou na Itália. Consegui desempenhar meu papel, tentando quebrar barreiras, aprimorando meu condicionamento físico, técnico e tático. No decorrer da minha carreira, pude ver o quanto foram bons para mim os três anos que passei no campeonato suíço”, disse ao Swiss Info.

A consagração de Élber como um autêntico gafanhoto ainda estava por vir, entretanto. Faltavam conquistas. Afinal, em 1991, ele chegara a um time campeão e não o deixaria na mão. 

Em 1993-94, concentrado apenas nas missões domésticas, ajudou a equipe a terminar o ano na liderança da primeira fase do Campeonato Suíço, terminando o certame com o vice, e fazendo 21 gols em 27 jogos. A redenção veio na Copa da Suíça. O Grasshopper bateu Freienbach, FC Gossau, Lugano, FC Baden, seus rivais do FC Zürich, na semifinal — com Élber decidindo no minuto final —, e o Schaffausen, na decisão.

Conexão germânica


Poucos países mantêm uma relação futebolística tão forte quanto Alemanha e Suíça. O intercâmbio de jogadores e treinadores é algo que se verifica há tempos. Como o Milan parecia decidido a não entregar a Élber uma chance — e a permanência na Suíça seria um atraso em sua evolução —, o brasileiro tomou um novo rumo. Sua fama artilheira, e seus números, convenceram o Stuttgart a lhe dar uma chance. 

Contratado em definitivo, em 1994-95, iniciou seu périplo germânico. Foram três as temporadas em que defendeu os Roten. Fez 95 jogos e balançou as redes 44 vezes. Levantou a taça da Copa da Alemanha e se credenciou a uma transferência ao Bayern. Na Baviera, ganharia quase todos os títulos possíveis, da Bundesliga ao Intercontinental, e ganharia chamados à Seleção Brasileira.

Foto: Getty Images/ Arte: O Futebólogo
Também se confirmaria, em 2002, o maior artilheiro estrangeiro da história do Campeonato Alemão, superando justamente um suíço, Stéphane Chapuisat. Seu recorde acabaria superado pelo peruano Claudio Pizarro, em 2010. 

Pouco conhecido no Brasil, só retornaria em 2006, depois de passar por Lyon e Borussia Mönchengladbach. No entanto, a passagem pelo Cruzeiro não foi das melhores. Logo, parou. Ficou eternizado por seus feitos na Alemanha, nenhum dos quais possível sem aqueles três anos de devastação, representando o Grasshopper. 

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