O dia em que Hernán Crespo silenciou a Juventus

Quem acompanhou o futebol italiano nos anos 1990 sabe: o Parma viveu um sonho sem precedentes durante aquele período. Acostumado à vida nas divisões inferiores do futebol italiano, ascendeu à elite no início da década e logo alcançou resultados impressionantes. Não houve surpresa quando o time bateu a Juventus, no segundo turno da Serie A 1998-99. O anormal foi a performance de um jogador em especial, o goleador Hernán Crespo.

Crespo Parma 1999
Foto: Empics/ Arte: O Futebólogo


Momento histórico para o time Gialloblù


A sorte do Parma começou a mudar no final da década de 1980. Com ele, o clube recebeu importante aporte financeiro. Patrocinado pela Parmalat, se fortaleceu. Em pouco tempo, passou a disputar a contratação de craques com as principais equipes nacionais — assim como as primeiras posições das competições em que atuava.

Entre as temporadas 1990-91 e 1997-98 — que antecedeu o ano da brilhante atuação de Crespo ante a Juve —, a pior colocação alcançada pelos Gialloblù na primeira divisão italiana foi o sexto lugar. Nesse momento histórico, o time venceu a Coppa Italia de 1991-92, a Recopa Europeia do ano seguinte, assim como a Supercopa Europeia. Já em 1994-95, foi a vez de levantar a Copa da Uefa. E não pararia por aí.


Meses depois da destruição à Juventus provocada por Crespo, o Parma voltaria a liberar o grito de campeão. Duas vezes. Primeiro, de outra Coppa Italia. Depois, de mais uma Copa da Uefa. Não dava para brincar com os comandados do treinador Alberto Malesani — um time cujo onze começava em Gianluigi Buffon e terminava justamente nele, Crespo. No período, os gigantes do Bel Paese continuaram ganhando taças, mas foram constantemente ameaçados pela emergente força daquele time amarelo e azul.

O massacre de Hernán Crespo


Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
Era jogada a 20ª rodada do Campeonato Italiano — dia 07 de fevereiro de 1999. O Parma havia viajado aproximadamente 250km, deixando a Emilia-Romagna e seguindo para o Piemonte. O estádio Olímpico de Turim estava cheio. Quase 45 mil pessoas aguardavam a oportunidade de alentar a Juventus. Os Bianconeri viviam um momento tenso. Depois de alcançar o título nacional no ano anterior, ocupavam apenas a 9ª posição. Por sua vez, o Parma estava rindo à toa, olhando a Vecchia Signora lá de cima, na 3ª colocação.

Marcelo Lippi, cujo destino estava em jogo, alinhou um time em que chamavam a atenção nomes como Zinedine Zidane e Edgar Davids. O problema é que Malesani contava com Buffon, Fabio Cannavaro, Lilian Thuram, Juan Sebastian Verón, Enrico Chiesa e ele, Crespo. O esquadrão visitante só não fez chover. Mas antes, um susto. Aos 14 minutos da etapa inicial, o volante Alessio Tacchinardi acertou um chute daqueles que, popularmente, chamamos de “pombo sem asa”, um potente tiro de canhota que Crespo não conseguiu travar, abrindo o marcador para os anfitriões.

Apesar disso, o argentino tinha outros meios de parar o adversário que não envolviam ações defensivas. Aos 34’, Chiesa foi à linha de fundo e cruzou: Hernán superou a marcação do zagueiro uruguaio Paolo Montero e venceu o goleiro Angelo Peruzzi, empatando a disputa. Em choque, o beque charrua falhou outra vez, quatro minutos mais tarde. Um recuo curto para seu arqueiro foi interceptado por Chiesa que dividiu a bola com Peruzzi e rolou-a para as redes vazias,confirmando a virada do Parma: 2 a 1.

PARMA JUVENTUS CRESPO 1999 4-2
Arte: O Futebólogo
O nervosismo da Juventus só aumentou e dois minutos depois, aos 40’, Verón fez um lançamento longo daqueles que lhe eram habituais. A bola chegou à cabeça de Antonio Benarrivo, que fez uma assistência para ele, Crespo, também com a cabeça, cumprimentar as redes juventinas. Uma primeira etapa que começou com esperança, a partir de um petardo de Tacchinardi, terminou em desespero, ira e vaias.

A Vecchia Signora retornou do vestiário lutando por cada bola como se estivesse faminta e o esférico fosse um prato de comida. Porém, foi justamente em um lance de excesso de luta, bate rebate e confusão, que a pelota chegou aos pés de Verón, pela ponta direita do ataque do Parma. O argentino só teve o trabalho de rolar a bola para seu compatriota. Antecipando-se a Peruzzi, Crespo desferiu o golpe de misericórdia. Sem pudor, tocou de letra para o gol. A Juventus caía em casa com um 4 a 1 desmoralizante. Por outro lado, Hernán confirmava que aquele era um dos jogos mais emblemáticos de sua trajetória.


Ainda houve tempo para um último suspiro. Zidane lançou o uruguaio Daniel Fonseca, que tocou por cobertura e diminuiu o prejuízo alvinegro. Pouco depois, Crespo deixou o gramado, substituído Abel Balbo, apenas para ser aplaudido e receber o reconhecimento pela enormidade de seu jogo. Para a Juve, não adiantou nada o segundo gol. O 4 a 2 se consolidou e Marcelo Lippi pediu demissão, agravando a crise.

“Se o problema sou eu, me demito. Veremos se esse time, sem Lippi, o problema, será capaz de se recompor”, disse o treinador italiano ao se despedir em entrevista coletiva. Ele acabaria substituído por Carlo Ancelotti.

Recordes históricos


Aquela grande vitória do Parma reafirmou o poder dos Gialloblù em solo italiano, reforçando a confiança de que aquela temporada poderia ser dourada. Como foi. Além de alcançar os títulos da Coppa Italia e da Copa da Uefa, o clube terminou a Serie A em 4º lugar, atrás apenas de Milan, Lazio e Fiorentina. Classificou-se à disputa da terceira eliminatória da Liga dos Campeões. Contudo, não conseguiu parar os escoceses do Rangers e teve de se contentar com a disputa da Copa da Uefa no ano seguinte.

Quanto a Crespo, vencida a temporada 1999-00, ele deixou o clube por um valor recorde à época. A Lazio pagou cerca de €56 milhões por seus serviços, superando as cifras gastas pela Inter para assegurar a chegada de Christian Vieri, justamente junto à equipe romana. Quando mudou de ares, o hermano já era o maior artilheiro da história do Parma, com 80 gols. Ele ainda retornaria ao clube, antes de pendurar as chuteiras. Entre 2010 e 2012, somou mais 14 tentos, isolando-se ainda mais na liderança do ranking de goleadores máximos do Parma.

Foto: EFE/ Arte: O Futebólogo
Durante a década de 2010, o clube foi ao inferno, sendo declarado insolvente e descendo às profundezas da quarta divisão. Aos poucos, recuperou seu lugar na elite, mas em condição muito mais modesta do que aquela dos anos 1990. Crespo retornou à Emilia-Romagna uma última vez entre 2017 e 2018, mas agora fora dos campos, como vice-presidente da equipe, passando, a seguir, à condição de embaixador.

Mesmo tendo decidido se tornar treinador, já tendo passado pelo Banfield, Crespo possui laços inquebrantáveis com o Parma. Memórias como a do dia em que o argentino destroçou a Juventus, reafirmando o poder dos gialloblù e afundando um gigante em crise, só reforçam essa realidade.

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