Da Real Sociedad de John Toshack ao Barcelona de Johan Cruyff

Os anos 1980 nunca abandonarão a memória do torcedor da Real Sociedad — tampouco a do fã do Barcelona. No início da década, os Txuriurdin alcançaram o feito inédito de conquistar La Liga. Por duas vezes, com a geração que consagrou nomes como o do goleiro Luis Arconada, do meio-campista José María Zamora e do atacante Roberto López Ufarte. Para os catalães, por outro lado, foi mais uma década dolorida, com poucos títulos e alguns fracassos. Porém, ao final daquele decênio, os dois haviam retomado a luta pela reafirmação e atravessariam o caminho um do outro.

Bakero Txiki López Rekarte Barcelona
Foto: Diario AS/Arte: O Futebólogo


Para mudar de mentalidade, um galês em San Sebastián


Ex-jogador do Liverpool, onde foi treinado pelos lendários Bill Shankly e Bob Paisley, o galês John Toshack desembarcou no País Basco às vésperas da campanha de 1985-86. Era um tempo de transição, já que alguns atletas haviam superado seu pico de forma e outros estavam chegando ao melhor momento. Ele foi o escolhido para substituir Alberto Ormaetxea, que, dentre as funções de atleta, auxiliar técnico e comandante principal, estava no clube há 26 anos. 

Joaquín Aperribay, que à época era vice-presidente da equipe e é o pai do atual mandatário txuriurdin, Jokin, comentou sobre o que representou a chegada de Toshack à cidade de San Sebastián: 


“Antes de ele chegar, nosso jogo era muito estático [...] Os defensores não chegavam ao meio-campo, ele nos trouxe mais mobilidade. Ele queria que os jogadores corressem mais, fossem mais livres. Ele pegou José Mari Bakero, um ótimo ponta direita, e o transformou em um camisa 10, um playmaker. Ele era muito inteligente [...] tinha uma grande visão sobre o futebol”, relatou ao livro Mister: The Men That Gave The World The Game, do jornalista Rory Smith.

Lembrado como um sujeito exigente, conquanto não fosse intratável, Toshack moldou um time que não chegaria a ser muito vitorioso, mas disputaria com intenções os torneios da época. Nos primeiros quatro anos do galês em Guipúzcoa, a equipe conquistou a Copa do Rei de 1986-87, foi vice-campeã espanhola em 1987-88 e, na mesma temporada, ficou com a segunda colocação na copa. 

Toschak Real Sociedad
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

“Quando cheguei à Real pela primeira vez, no primeiro jogo o Arconada se lesionou. Um ano fora, não um mês [...] Assim comecei na Espanha. Então, tomei a decisão de colocar [o meio-campo] Juan Antonio Larrañaga no meio dos dois zagueiros. Me dei conta de que quem movia Gorriz e Gajate [os zagueiros], quem conversava com eles e os ordenava era Arconada e, sem ele, tínhamos apenas goleiros jovens [...] Havia muito espaço entre o goleiro e os centrais e ninguém se falava. Eu via problemas lógicos. Depois de uns jogos, com Larrañaga solucionei a situação [...] Adiantei os laterais, recuei López Ufarte ao centro do campo. À frente, Bakero e Uralde…”, recordou Toshack em entrevista ao Marca.

Seu último ano, 1988-89, o pior deles, anunciou uma queda de forma esperada. Porém, não mudou a boa relação entre o clube e o galês, que foi um dos primeiros nomes a deixar claro que, para competir, a Real deveria deixar de contratar apenas jogadores bascos e procurar estrangeiros, o que a equipe acabou fazendo já no ano seguinte, com o desembarque de John Aldridge — como Toshack, ex-Liverpool. 

Depois de sua saída em 1989, John retornaria à Real Sociedad para um triênio entre 1991 e 1994 e, mais tarde, voltaria em 2001 para salvar o time do descenso. Nesta ocasião, os txuriurdin inclusive pagaram multa junto ao Saint-Étienne para poder contar com seu velho mestre.

O Barcelona também se reinventava


Depois de viver anos de futebol bonito e falta de conquistas, treinado por César Menotti e apostando suas fichas na contratação mais estelar da época, Diego Armando Maradona, o Barcelona precisou tomar outra direção. Recomendado por Bobby Robson, o inglês Terry Venables desembarcou no Camp Nou para recuperar uma equipe que estava em frangalhos.


“As pessoas me paravam na rua e diziam que, desde que vencessemos o Real Madrid, teríamos tido uma boa temporada”, relatou o treinador à BBC.

Não havia confiança.

Terry Venables Steve Archibald Barcelona
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo
Aos poucos, o clube foi se reconstruindo nos campos mental e estratégico. Logo, passou a usar o esquema 4-4-2 e apostar suas fichas em atacantes matadores, como o escocês Steve Archibald e, após, o inglês Gary Lineker.

Assim, conquistou La Liga em 1984-85, a Copa da Liga do ano seguinte e chegou à final da Copa dos Campeões na mesma época, perdendo de forma inesperada para os romenos do Steaua Bucareste, na final disputada em uma Sevilla invadida por catalães. 

“O principal legado de Venables foi a importância de dar 100% e tratar cada partida como se fosse a última [...] Ele mudou a mentalidade do futebol de Barcelona. Foi importante para mudar a má sorte que o clube havia sofrido nos anos anteriores”, disse o repórter Toni Frieros, também à BBC.

Eventualmente, o trabalho perdeu força, Venables caiu e foi substituído por Luis Aragonés. O espanhol permaneceu apenas uma temporada, que não foi horrível por conta de um certo título da Copa do Rei.

Porém, a conquista foi insuficiente para as pretensões daquele clube que apostava, apostava e apostava, mas não conseguia sair da sombra do Real Madrid — até 1988-89, quando começou a grande revolução do futebol barcelonista. Quando, enfim, Johan Cruyff retornou à Catalunha, inaugurando uma era que entregaria ao Barça, definitivamente, um lugar dentre os maiores da Europa. Para isso, contando com as grandes virtudes bascas.

Faltou foco na final da Copa do Rei?


No dia 31 de março de 1988, Barcelona e Real Sociedad subiram ao gramado do estádio Santiago Bernabéu para decidir a Copa do Rei. Enquanto os catalães haviam superado Murcia, os rivais locais do Espanyol, o modesto Castellón, e o Osasuna na sua trajetória à final, os bascos deixaram pelo caminho Cartagena, Sporting Gijón, Atlético de Madrid e Real Madrid, impondo aos Blancos um incrível 4 a 0 fora de casa.

Aquele time da Real Sociedad, que terminaria La Liga com o vice-campeonato, estava voando e o Barcelona sabia disso. Tanto que, uma semana antes da final, a diretoria culé abordou os txuriurdin: queria tratar de negócios; buscava as contratações de Bakero, Txiki Begiristáin e Luis López Rekarte. Também ao livro de Rory Smith, o mencionado ex-vice-presidente da Real, Aperribay, indicou que aquilo poderia mesmo acontecer: “Estávamos em uma posição em que o clube precisava de dinheiro”.


Toshack escalou os três para a final, que revelou o solitário gol de outro basco, mas em prol da causa catalã. Alexanko, o capitão do Barça, aproveitou-se de cruzamento de Ramón Calderé que Gary Lineker finalizou para defesa difícil de Arconada e, no rebote, anotou o tento do título. Muitos dedos foram apontados para o trio “vendido” da Real Sociedad. Falta de foco foi o grande argumento.

Nada mudou a realidade: no início da temporada 1988-89, eles se apresentaram a Cruyff, que, no curso dos anos, extraiu o que tinham de melhor, com Bakero sendo, inclusive, o capitão do time por anos.

Bakero Barcelona
Foto: FC Barcelona/Arte: O Futebólogo
Para compensar os homens de San Sebastián, além do dinheiro, o Barça fechou a contratação do navarro Andoni Goikoetxea, ex-Osasuna, e o repassou ao time azul e branco, por duas temporadas. Depois, ele seria mais um nome a fazer sucesso vestido de azul e grená.

Como se sabe, para competir com o capital dos gigantes — o que se acentuou após o desfecho do Caso Bosman — a Real Sociedad flexibilizou seus padrões de exigência no que dizia respeito às contratações. Tudo para poder sonhar outra vez com os pódios, como seria nas épocas de Xabi Alonso e, uma década mais tarde, de Antoine Griezmann.

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