O Porto que superou o Bayern e conquistou a Europa em 1986-87

A história do Futebol Clube do Porto pode ser dividida em um antes e depois. Até 1982, era importante força nacional e já havia se consolidado como a maior potência do norte de Portugal. Ainda assim, seu recorde de conquistas era risível quando comparado ao dos dois rivais lisboetas, Benfica e Sporting. Porém, naquele início dos anos 1980, a partir da chegada de Pinto da Costa à presidência, tudo mudou. O primeiro grande ponto alto veio em 1986-87.

Porto Campeão 1987 Europa
Foto: imago/Kicker/Liedel/Arte: O Futebólogo


Mudando para melhor


Quando se tornou presidente do Porto, Pinto da Costa já carregava enorme capital de experiência na estrutura do clube. A chegada ao posto mais alto da ordem portista aconteceu mais de duas décadas depois dos primeiros contatos do dirigente com a agremiação. Apesar de uma breve ausência, entre 1971 e 1976, quando retornou e assumiu as funções de diretor de futebol, sempre esteve por perto. 

Que ele tenha rompido com Américo de Sá — o mandatário da época — em 1980, deixando, outra vez, a entidade, a realidade é que Pinto da Costa conhecia o Porto como a palma da própria mão, quando de seu retorno, em 1982. Além disso, tinha uma boa ideia do que queria fazer. Sabia que o clube tinha condições de rivalizar com as potências da capital e, além disso, tinha ciência de que precisava frear o crescimento de seu rival local, o Boavista, que, ainda nos anos 1970, vencera três vezes a Taça de Portugal.

E não foi só isso. Como relata reportagem do periódico Record, no mágico ano de 1987, o mandatário considerava ter dado resposta às 12 promessas feitas na época de suas eleições. Com relação ao estádio das Antas, antiga casa dos Dragões, promovera seu rebaixamento (com aumento do número de lugares) e conseguira aumentar as lotações. Também cumprira com o prometido nos clubes de basquete e hóquei em patins.

Pinto da Costa eleições Porto
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Além disso, recolocara o clube “equidistante” politicamente, o que era impossível na gestão de Américo de Sá, deputado do CDS. No futebol, recontratara o treinador José Maria Pedroto, que entregara os dois últimos títulos portugueses do clube, e também trouxera de volta o atacante Fernando Gomes, revelado no Porto e que estava no Sporting Gijón. 

Fora isso, negociação de dívidas com a previdência, e acordos com a União de Bancos Portuguesa, a Revigrés, e com uma agência de viagens também ajudaram a dar o fôlego necessário ao clube que recomeçava. Por fim, também foi aberto um bingo. Na mesma oportunidade em que destacou seus feitos dos últimos cinco anos, Pinto da Costa profetizou:

“O que posso garantir é que com a equipe que temos hoje e com a mentalidade do atual técnico [Artur Jorge], se formos à final da Copa dos Campeões da Europa não estaremos lá muito satisfeitos por lá estar mas sim empenhados em ganhá-la”.

A montagem do elenco campeão


Dos onze homens que subiram ao gramado do Praterstadion, no dia 27 de maio de 1987, apenas o lateral direito e capitão João Pinto, revelado em 1981, e o meio-campista Jaime Magalhães, formado um ano antes, já faziam parte do elenco portista quando Pinto da Costa retornou ao clube. A equipe foi sendo formada gradualmente. 

No primeiro ano, chegaram apenas o citado Fernando Gomes, o zagueiro Eduardo Luís, e o lateral esquerdo Augusto Inácio, ex-Sporting.

Em 1984, foi a vez de o clube buscar o volante Quim, ídolo do Rio Ave, clube pelo qual havia sido vice-campeão da Taça de Portugal, e de fechar a contratação de António André, ex-Varzim, e também conhecido por ser o pai de André André. No ano seguinte, chegaram o zagueiro brasileiro Celso, proveniente do Bahia, além do craque argelino Rabah Madjer, que havia sido o grande líder de sua seleção em uma surpreendente campanha na Copa do Mundo de 1982. 

Rabah Madjer FC Porto
Foto: FC Porto/Arte: O Futebólogo

É digno de nota o caso específico do meio-campista António Sousa. Ele foi jogador portista entre 1979 e 1984. No entanto, após a derrota para a Juventus, na decisão da Recopa Europeia de 1983-84, ele e Jaime Pacheco seguiram para o Sporting, como uma espécie de contrapeso. Naquela altura, o Porto havia conseguido seduzir a maior promessa dos Leões, um garoto de nome Paulo Futre. No entanto, duas temporadas mais tarde, Sousa e Pacheco retornaram às Antas.

Finalmente, para a temporada 1986-87, chegou a peça que faltava. Para o gol, foi contratado o arqueiro Józef Młynarczyk, então o titular da seleção polonesa. Já tinha 31 anos, experiência de Copas do Mundo e fazia jus à tradição de bons goleiros vindos do Leste Europeu. Depois de uma disputa pela titularidade com Zé Beto, foi o preferido nos momentos decisivos.

Outros nomes que tiveram seu destaque na campanha foram Frasco, Elói e Vermelhinho — além de um homem de presença talismânica, a ser destacado, oportunamente.

A propósito, os anos que transcorreram no intervalo entre o retorno de Pinto da Costa ao clube e aquela noite mágica de final de maio não foram vividos sem intensidade. Em 1984-85 e 1985-86, o clube se sagrou campeão português. 

Antes, em 1983-84, havia também conquistado uma Taça de Portugal. O curioso é notar que, na mesma temporada, os Dragões chegaram perto de conquistar a Recopa Europeia, perdendo a final para a Juventus. Curioso porque o time chegou à disputa como vice-campeão da mencionada taça, já que o Benfica, campeão e também vencedor do Campeonato Português, classificara-se à disputa da Copa dos Campeões.

“Foi das finais mais bem disputadas. A Juventus era o top das equipes, nós éramos principiantes. Fomos para uma final, praticamente sem nos conhecerem. Foi a partir daí que o FC Porto começou a ser conhecido”, disse Jaime Magalhães ao portal Mais Futebol.


Cada coisa no seu tempo.

A corrida para a vitória


A estrada para a glória europeia teve uma perda muito sentida. Em 1985, o treinador Pedroto faleceu, vítima de câncer. Considerado pelo portal português Sapo o “pai do portismo moderno”, o Zé do Boné, como era conhecido, deixou uma base sólida para Artur Jorge, seu substituto. Facilmente reconhecido pelo bigodão e filho da cidade, o comandante chegou justamente por indicação de seu antecessor. 

Com Artur Jorge na casamata, o Porto foi bicampeão português. Depois de uma primeira aparição na Copa dos Campeões da Europa breve, em 1985-86 — caindo ante o Barcelona, após superar o Ajax —, o time do norte de Portugal enfim brilhou, em 1986-87.

Artur Jorge Porto
Foto: FC Porto/Arte: O Futebólogo

Na primeira fase da competição, os Dragões tiveram um desafio tranquilo e passaram como um rolo compressor. Os malteses do Rabat Ajax nada entenderam a respeito do primeiro jogo: 9 a 0. Na construção do esmagador placar, destacou-se Fernando Gomes, autor de um poker. Na volta, os portugueses se limitaram a confirmar a passagem, com um magro 1 a 0. Precisava de algo mais? Na sequência, um susto.

O Porto viajou a Ostrava na fase seguinte. Contra o Vitkovice, que havia eliminado o Paris Saint-Germain na fase anterior, saiu derrotado, 1 a 0. O resultado teve o impacto necessário na equipe. Impiedosos, os homens de azul e branco não deram chance para o azar. Logo aos cinco minutos da partida de volta, o espectadores presentes no estádio das Antas viram André abrir a contagem. A tranquilidade veio em uma cobrança de falta potente de Celso, e a confirmação do avanço com Futre, já transcorridos 37 minutos da etapa final: 3 a 0.

Adiante, os dinamarqueses do Brondby não facilitaram, mas também não foram páreo. Com Peter Schmeichel na meta e Brian Laudrup no banco de reservas — além de contar com outros selecionáveis —, o time acabou derrotado na ida, afetado por um solitário tento de Madjer. Na volta, começou a aparecer a presença talismânica. Entre os minutos 36 e 74, o Brondby vencia, empatando a disputa. Até que Juary, um dos mais famosos Meninos da Vila, balançou as redes. Ele que não era titular regular, mas, desde 1985, fazia parte importante do elenco portista.

O placar da sorte: 2 a 1


Nas semifinais, o Porto se encontrou com um adversário poderoso. Treinado pelo genial Valeriy Lobanovskyi, o Dínamo de Kiev, dentre outros internacionais da URSS, contava “apenas” com dois vencedores da Bola de Ouro, Oleg Blokhin e Igor Belanov (o laureado do último ano, inclusive). Contudo, os portugueses foram cirúrgicos. 

Na ida, depois de sofrerem com o domínio soviético no primeiro tempo, abriram a contagem com Futre, em bela jogada individual. Pouco depois, os kievanos ficaram com um homem a menos e o Porto aumentou, cortesia de André, em cobrança de pênalti. Mais oportunidades seriam perdidas, até que Pavel Yakovenko ressuscitasse os homens do leste, diminuindo a contagem. Placar final: 2 a 1. 


Na volta, com três minutos, a parada já estava quase resolvida. De falta, mas com desvio, Celso abriu a contagem. Aos 10, de cabeça, Gomes aumentou. Alexei Mikhailichenko diminuiria, mas não evitaria a confirmação de mais um 2 a 1. O Porto estava na final e enfrentaria um sedento Bayern de Munique. O gigante alemão vinha de uma década desde o tricampeonato europeu, e de uma derrota para o Aston Villa, em 1981-82.


Os Dragões chegaram à final com um problema grave. Além de ter que lidar com a ausência do veterano capitão Lima Pereira, o time não poderia contar com o atacante Fernando Gomes, lesionado. Apesar de ter Juary e Walter Casagrande à disposição, Artur Jorge preferiu adotar uma estratégia mais conservadora, colocando Futre como um centroavante móvel. 

“O ataque dos dragões está entregue a Futre, o camisola 10. E só Futre. Grande parte da Europa está de olhos neste canhoto capaz de fintar dois e três adversários numa cabine telefónica, mas ele joga sozinho nos últimos 30 metros do campo. Por estratégia, nitidamente: Madjer baixa na direita para vigiar as subidas de Pfügler, Quim com a ajuda de Sousa tenta travar as investidas de um dos melhores laterais direitos da atualidade, Winklhofer”, narrou o Observador.

Porto Bayern 1987
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

E as coisas não começaram bem para os portugueses. Aos 25 minutos, Ludwig Kögl, em um peixinho surpreendente, inaugurou o marcador para os bávaros, no Praterstadion, em Viena. Para os lusitanos, toda a emoção ficaria para a fase final do encontro. 

“No primeiro gol, não sei o que deu na cabeça do Madjer”, disse Juary, que substituíra Quim no intervalo. A surpresa é natural, já que não é em qualquer final europeia que se vê a ousadia de um gol de calcanhar. Foi o que Madjer protagonizou, aos 77 minutos, três antes de o próprio Juary, o talismã, completar para as redes um cruzamento do argelino: 2 a 1. O gigante do norte de Portugal era o dono da Europa pela primeira vez.


“A minha intenção era marcar de cabeça, mas de repente a bola cai e fui lá com o pé, bate e entra. Mas a ficha só me caiu mesmo quando estávamos dentro do avião. Parecia que estava destinado”, garantiu o atacante brasileiro. 

Pelo mundo, nem o gelo foi obstáculo


No final do ano, em Tóquio, em um encontro marcado por uma nevasca, o Porto se encontrou com a tradição do Peñarol. Apesar do ambiente impróprio para a prática do futebol, e da nada usual bola amarela, o time saiu na frente com Gomes. 

Os comandados de Óscar Tabárez empatariam, com Ricardo Viera, mas, na prorrogação, ele, Madjer se aproveitaria da impossibilidade de a bola rolar e da desatenção adversária, marcando um gol icônico de cobertura e elevando o Porto ao posto de campeão do mundo. 


Ali, a história já era outra. 

Artur Jorge havia se mandado para o ambicioso Racing Paris e era o iugoslavo Tomislav Ivic quem dava as ordens nas Antas, mas não por muito tempo também. Isso ajuda a delimitar, no tempo e no espaço, um dos períodos mais gloriosos da história dos Dragões, que avançariam a novas décadas de muitas vitórias.

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