O sonho que a Roma fez de tudo para viver

Roma é uma cidade apaixonada por futebol. A capital italiana vive em modo binário: de um lado os seguidores da Roma, do outro seus arquirrivais da Lazio. Todos os componentes para a formação de uma metrópole futebolisticamente efervescente estão presentes. No entanto, à paixão local não correspondem resultados. A verdade é que a Cidade Eterna vive à sombra dos êxitos do norte, das glórias de Juventus, Internazionale e Milan. No entanto, muita coisa poderia ter sido diferente, não fosse a marca da cal. Em 1984.

Foto: The Sun/ Arte: O Futebólogo


A construção de um campeão


O ano de 1979 jamais será esquecido pelos romanistas. Era vivido o mês de maio, felizmente o fim da temporada 1978-79, já que a Roma fora apenas a 12ª colocada na Serie A — então disputado por 16 equipes. Então, o clube mudou de direção. Para presidi-lo, chegou o polêmico Dino Viola.

Ali, iniciou-se um patriarcado de quase 12 anos. É bem verdade que ele já era membro atuante no clube desde os anos 1960, quando passou a integrar seu quadro de sócios e, posteriormente, o conselho diretivo. Aquele era um momento de crise, e Viola chegava para tapar o buraco deixado por conselheiros que abandonaram o náufrago que era aquela Roma. Com o novo mandatário, chegou também um velho comandante. O sueco Nils Liedholm, que havia passado, sem sucesso, pelo clube entre 1975 e 1977, seria o treinador. Ele aceitara deixar o Milan, que acabara de levar o Scudetto.

Já no primeiro ano da dobradinha Viola-Liedholm, a Loba venceu. Conquistou a Coppa Italia de 1979-80, batendo o Torino. Na ocasião, vitória nas penalidades máximas, o time já contava com peças importantes. O goleiro Franco Tancredi, os meio-campistas Carlo Ancelotti, Agostino Di Bartolomei e Bruno Conti e o centroavante Roberto Pruzzo já estavam a serviço de Nils. Entretanto, os ajustes foram sendo feitos gradativamente.

Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
A notícia mais impactante do período chegou logo em 1980. Depois de conquistar seu terceiro título nacional pelo Internacional, Paulo Roberto Falcão partiu para a Cidade Eterna. Embora houvesse confiança, não se sabia que aquele negócio mudaria para sempre a história do clube. O brasileiro chegou como craque, mas, quando por fim deixou o clube, assumira a majestade, era o Rei de Roma. Com ele, chegou Dario Bonetti. Por sua vez, o zagueiro Ubaldo Righetti ganhou suas primeiras chances como profissional.




Em 1981, foi a vez da chegada de Sebastiano Nela outro símbolo daquela Roma, que defenderia até 1992. Já o ano de 1983, que provou que sonhar não só era permitido como algo realizável, trouxe consigo Toninho Cerezo e o experiente Francesco Graziani, as cerejas do bolo.

Vale tudo por um sonho?


Para quem só havia conquistado um título italiano, na década de 1940, colecionava quatro títulos da copa nacional, e havia levado uma Copa das Cidades com Feiras, em 1960-61, estava passando da hora de conquistar um novo título de grande expressão. Ele chegaria em 1982-83. 

Na referida temporada, a Roma levou muito a sério a missão de não perder. Em 30 rodadas da Serie A, só foi derrotada três vezes, para Sampdoria e a grande adversária do momento, a Juventus, duas vezes. Perder justamente para sua principal perseguidora não era promissor, à exemplo dos 11 empates obtidos. Mas, em um campeonato equilibrado, os Giallorossi ainda conseguiram uma vantagem de quatro pontos, tendo vencido 16 encontros. Assim terminou uma espera de 41 anos e começou a expectativa por uma novidade.

Foto: Desconhecido/ Arte: O Futebólogo
A Copa dos Campeões da Europa só era disputada pelos vencedores de nacionais, o que quer dizer que a Roma nunca havia jogado uma edição, até então. Seria demais sonhar com uma conquista? Provavelmente, mas era válido. Principalmente, porque a final seria disputada justamente em Roma, no Stadio Olimpico. Assim, os romanistas foram indo. 

O primeiro desafio já foi, por si só, desafiador. Os escandinavos do IFK Göteborg apareceram no caminho romanista. Não era o título sueco que entregava esse estatuto ao adversário, mas o fato de que duas temporadas antes ele havia vencido a Copa da Uefa. Sem pestanejar, a Roma logo marcou 3 a 0 em casa. Na volta, a derrota por 2 a 1 não se fez sentir. 

Na sequência, dois 1 a 0 levaram a Loba adiante, deixando o CSKA Sofia pelo caminho. E a história da primeira fase se repetiu na terceira eliminatória: 3 a 0 na capital italiana, 2 a 1 fora. Dessa vez, foram os alemães orientais do odiado Berliner FC Dynamo, o que clube da polícia secreta da RDA, a STASI, que pagaram a conta. Então, o jogo virou. 

Escândalo regado a whisky


Para manter o sonho da conquista europeia vivo, a Roma teria que eliminar os escoceses do Dundee United. Não parecia um bicho de sete cabeças. A partida de ida, no Tannadice Park, provou o engano. Categoricamente, os Tangerines impuseram um 2 a 0 histórico. Afinal, não eram favas contadas. Assustado com o que vira, Dino Viola já não vivia uma utopia, fora jogado à realidade como um saco de lixo rumo ao descarte.



Aquilo simplesmente não podia acontecer. A Roma não poderia perder a chance de ser campeã continental em seu estádio. Ou assim pensava o mandatário romanista. Articulando nos bastidores, Viola propôs um suborno ao árbitro do jogo de volta, o francês Michel Vautrot. Foram colocadas em jogo 100 mil liras italianas, na intenção de que o juiz fosse mais “permissivo” em benefício giallorossi

O pagamento foi feito. O jogo seguiu. Tudo dentro da normalidade, já que provocações e trocas de xingamentos e sopapos não eram exatamente atípicos naquela altura. A Roma venceu por 3 a 0 e o árbitro não teve de intervir. No entanto, a manobra não ficou muito tempo às escuras. Suspeitas foram levantadas, mas nada foi provado à época. Houve quem tivesse levantado dúvidas a respeito da marcação de um pênalti, mas a existência de outro lance polêmico, também favorável à Roma e que não foi marcado, colocou a tese por terra.

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Isso só ficou mais evidente quando a verdade veio à tona.

O dinheiro de fato saiu dos cofres de Viola. Seguiu para as mãos de intermediários e lá ficou. O árbitro nunca o viu. “A Roma estava sob pressão porque a final seria jogada no seu próprio estádio, mas isso não é desculpa para descer tão baixo ao ponto de trapacear para chegar lá. Fico feliz que a verdade foi revelada”, disse o treinador do Dundee à época, Jim McLean, ao Daily Record, em 2018.

No fim, os pênaltis


Finalista da principal competição europeia, a Roma só precisava dar mais um passo rumo à glória. Entretanto, o calouro precisaria bater um veterano. O adversário seria o Liverpool, tricampeão do certame, em 1976-77, 1977-78 e 1980-81. Os Reds haviam eliminado Odense, Athletic Bilbao, Benfica e Dínamo Bucareste em seu trajeto. E tinham vasta experiência nesse tipo de situação. 

Com a bola rolando, o lateral Phil Neal abriu o placar para os ingleses. A pelota foi cruzada da direita e o goleiro Tancredi a dividiu com um rival. Depois de alguns maus tratos ao esférico, ele acabou sobrando para o liverpuldiano, que apenas completou para as redes. No entanto, os italianos foram atrás do resultado, ainda no primeiro tempo. Pruzzo anotou o empate, de cabeça. Era o minuto 44, tudo estava em aberto.

No segundo tempo, conforme o tempo passava, a Roma acabou se conformando com um possível desfecho na prorrogação ou nos pênaltis. Ao menos, foi isso que Graeme Souness, o capitão do Liverpool, relatou em sua autobiografia, Football: my life, my passion: “Quando estávamos jogando a final da Copa dos Campeões de 1984, em Roma, o goleiro da Roma, Franco Tancredi, gritou com o gandula, por devolver a bola muito rápido”. A tensão era quase palpável.



Passaram os 90 minutos. E os 120. As penalidades se acercaram. Brilhou a frieza dos visitantes: pelo desempenho e pelo que tiveram que superar. O escocês Steve Nicol, que havia entrado no segundo tempo, isolou sua cobrança, a primeira. Porém, Conti e Graziani também perderam suas oportunidades, talvez desconcentrados pela dança que o goleiro dos ingleses, Bruce Grobbelaar, executava na linha do gol. Nenhum outro red errou. A festa do Stadio Olimpico deu lugar a um velório. A Roma tentou de tudo, dentro e fora de campo, mas não conseguiu. 

O consolo da temporada foi outra conquista da Coppa Italia. Contudo, o sonho que virou pesadelo não acabou ali. Em 1984-85, Di Bartolomei foi vendido ao Milan; Falcão praticamente não atuou e logo entrou em rota de colisão com Dino Viola, retornando ao Brasil. Depois de vencer outra copa nacional, em 1986 Cerezo também se cansou do mandatário romanista e rumou à Sampdoria. 

As conquistas foram ficando longe. Nenhuma outra veio com Viola. Meses depois da morte do polêmico presidente, em 1991, a Roma voltou a ganhar uma copa, mas foi preciso esperar mais 10 anos por outra conquista — o título italiano de 2000-01. Já a conquista europeia... Fica mais distante a cada ano.

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