A escolha definitiva de Joseba Etxeberria

Um dos dérbis mais acostumadas ao transitar de jogadores de um rival ao outro é o basco. Não é difícil entender os motivos. Se por um lado o Athletic restringe seus contratos àqueles que têm alguma ligação com o País Basco, a Real Sociedad viveu semelhante situação até o fim dos anos 1980 e, mesmo após, seguiu apostando pesado na prata da casa. No entanto, a habitualidade desses movimentos não quer dizer que eles sejam bem recebidos — sobretudo pela torcida que se vê órfã. Pouca gente sentiu isso tanto quando Joseba Etxeberria.

Joseba Exteberría retires Athletic Bilbao
Foto: Miguel Toña/EFE/Arte: O Futebólogo


De San Sebastián a Bilbao


Filho da província de Guipúzcoa, Etxeberria tomou o caminho que a maioria dos meninos da região, que ansiava por um futuro no futebol, desejaria seguir. Com pouco mais de 12 anos, rumou para a cantera da Real Sociedad. Não chegou a percorrer 50km desde Elgoibar até San Sebastián. No entanto, a viagem só aconteceu porque seus primeiros testes não foram exitosos. Convidado pelo Athletic, passou um breve período no centro de treinamentos de Lemanza, mas não fez o suficiente para convencer o clube a mantê-lo.


A despeito disso, dadas as restrições autoimpostas pelos bilbaínos, no mercado de transferências, sua extensa e eficiente rede de olheiros nunca deixa de acompanhar o desenvolvimento dos talentos do País Basco. Ou seja, o Athletic sabia que, caso aquele jovem guipuzcoano evoluísse, deveria ter em conta uma possível compra futura. Contudo, o jogador completou sua formação em Zubieta, na casamata rival. 

Etxeberria já havia representado a Espanha em times de base, quando chegou o final do mês de janeiro de 1995. No dia 29, enfim, pôde trocar bolas com jogadores como o russo Valeri Karpin. Naquela noite, substituiu Iñigo Idiakez e jogou seus primeiros cinco minutos de futebol profissional. No curso da temporada 1995-96, disputaria mais sete partidas pela Real Sociedad, três como titular, e marcaria seus dois primeiros gols.

O menino só não atuou mais vezes naquela campanha — de sétimo lugar — porque, no mês de abril, foi chamado à disputa do Mundial Sub-20. Ao lado de figuras como as de Raúl González, Fernando Morientes, Michel Salgado e Iván De La Peña, foi um dos artífices da Fúria, que terminou a competição em quarto lugar. Ninguém fez tantos gols no certame quando o basco. Foram sete. Curiosamente, aquela equipe era treinada justamente por uma antiga referência do Athletic: Andoni Goikoetxea, usualmente lembrado como o Açougueiro de Bilbao.

Joseba Exteberria Real Sociedad
Foto: Real Sociedad/Arte: O Futebólogo
Sem perder tempo, os bilbaínos marcharam para San Sebastián ao fim da temporada. Aliás, como no ano anterior, em que seu maior investimento foi feito na contratação de Bittor Alkiza, ex-Real Sociedad. Não havia tempo para conversar: o Athletic simplesmente depositou o valor da multa rescisória de Etxeberria, convenceu-o a viajar mais alguns quilômetros e inaugurou um dos maiores cismas da história da rivalidade. Durante anos, não houve diálogo entre as equipes. Os homens de Guipúzcoa, inclusive, passaram a colocar cláusulas anti-Athletic no contrato de seus jogadores, buscando evitar a repetição daquilo, como contou Goikoetxea.

“A transferência de Etxeberria quase iniciou uma guerra civil. Lembro-me de quando o Etxeberria voltou ao estádio da Real Sociedad, Anoeta, depois da transferência. Os torcedores jogaram garrafas de água nele”, lembrou o jornalista britânico Phil Ball, radicado em San Sebastián, ao Bleacher Report.

É em Bilbao que quero ficar


Etxeberria custou 550 milhões de pesetas ao Athletic. Atualizado, o valor se aproxima dos três milhões de euros. Se houve alguma dúvida a respeito da qualidade daquele negócio à época, os anos trataram de a colocar por terra. Afinal, aquele talentoso meia-atacante permaneceu no clube dos 17 aos 32 anos. Entrou em campo 514 vezes — menos apenas do que José Ángel Iribar e José Francisco Rojo. Fez também 104 gols.

Exteberría Athletic
Foto: MARCA/Arte: O Futebólogo

Suas qualidades dentro do campo foram reconhecidas. Com 20 anos, disputou a Copa do Mundo de 1998. Ainda representou a Fúria nas Eurocopas de 2000 e 2004. Acima de tudo, esteve com o Athletic em todas as circunstâncias possíveis. Houve momentos em que o clube flertou com um inédito rebaixamento. Existiram chances de se transferir para o Real Madrid. Mas ele não abandonou o clube. Nunca. Aquilo era tudo o que o sentido torcedor da Real Sociedad não queria ver; Etxeberria foi encantado pela magia do clube de Bilbao. 

“Fui jogador do clube por 15 anos e vivi todos os tipos de experiências. Algumas muito boas [...] Mas houve também momentos difíceis, em que ficamos próximos do fundo da tabela, lutando contra o rebaixamento. É aí que você entende os sentimentos dos torcedores pelo clube. Quando o time vai bem, é fácil torcer. Mas quando o time realmente precisa do apoio das arquibancadas, nesses jogos tão dramáticos e necessários, o estádio estava cheio todo domingo. Isso só acontece em Bilbao [...] Quando você vive isso, entende que o Athletic é muito mais que um time de futebol, é um estilo de vida”, contou o ex-craque ao The Athletic.

Exteberría Spain
Foto: MARCA/Arte: O Futebólogo

A relação de Etxeberria com o Athletic alcançou uma profundidade tal que, em seu último ano como atleta, a temporada 2009-10, abriu mão de seus salários. Constantemente lesionado, o capitão da camisa 17, ofereceu sua campanha final gratuitamente, em agradecimento.

À época, o presidente do clube, Fernando García Macua, mostrou-se surpreso: “Não pensava em viver essa situação. Me enche de satisfação e orgulho a vontade de um jogador tão carismático como Joseba, de assinar uma renovação até 2010, sem custo algum para o clube, de forma a completar um ciclo inigualável de 15 temporadas”.

A verdade é que o ex-jogador nunca se desconectou do clube. Em 2015, trabalhou com Ernesto Valverde na comissão técnica do clube. Desde 2019, é o treinador do Bilbao Athletic, o time B dos bilbaínos. Chegou a se desligar do time, tendo trabalhado no Tenerife, mas acabou retornando. 

Joseba Exteberria Athletic Bilbao
Foto: Txetxu Berruezo/Arte: O Futebólogo
Poucas coisas em Bilbao são tão certas quanto o fato de que Exteberria pode até passar um tempo fora da cidade, mas sempre acabará voltando. Em 1977, Guipúzcoa o viu nascer. Em 1995, foi a vez da Biscaia presenciar seu renascimento. Joseba não olhou para trás e se confirmou exemplo vivo da força que o Athletic exerce no País Basco. Algo que pode até incomodar equipes como Alavés, Eibar e Osasuna, mas nada perto do que acontece em face da Real Sociedad.

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