Nos anos 1990, a Europa foi obrigada a notar a ascensão do Parma

Quando Carlo Ancelotti começou sua carreira, o Parma era um clube provinciano. Na temporada 1976-77, o quadro emiliano-romanholo andava na terceira divisão, lutando pelo acesso ao segundo escalão. Sua história se resumia a tentativas, na maior parte do tempo malsucedidas, de alcançar uma divisão mais elevada. Até então, os Crociati não haviam disputado a elite. Dez anos depois, quando o treinador Arrigo Sacchi se projetava no cenário italiano, as coisas não haviam mudado tanto. Era difícil imaginar o que veio a seguir.

Parma 1990-91
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo


De Arrigo Sacchi a Nevio Scala


Sacchi é um raro exemplar de treinador de sucesso que não foi atleta; não por falta de vontade. Não era suficientemente bom sequer para representar o time de uma cidade de pouco mais de sete mil habitantes. A desilusão foi breve e, ao invés de diminuir seu amor pelo esporte, amplificou-o. Era um jovem adulto, trabalhador da fábrica de sapatos do pai, quando começou a comandar o time local, na pequena Fusignano.

A virada de chave em sua trajetória veio quando assumiu o time primavera (categoria sub-19) do Cesena, no final dos anos 1970. Após poucos anos implementando suas ideias, Sacchi conduziu os garotos do quadro bianconero ao título nacional da categoria, em 1981-82. Com a ajuda do fundador do clube, Alberto Rognoni, conseguiu uma vaga na famosa escola de treinadores de Coverciano, onde se formaria.

Ao final da década, o ideário de Sacchi passaria a ser alvo de minucioso estudo mundo afora. Crítico do gioco all’italiana e apaixonado pela Holanda treinada por Rinus Michels, o comandante mudou o futebol italiano ao propor a marcação zonal e um estilo de jogo dinâmico, em que a qualidade do portador da bola era tão importante quanto a movimentação de seus colegas — e a gestão dos espaços era chave do jogo. Ele se revelou um italiano que gostava de atacar e que apresentou um jeito de se defender sem ter na defesa a ênfase de seu jogo.

Arrigo Sacchi Parma
Foto: Desconhecido/Arte: O Futebólogo

Nada aconteceu da noite para o dia. Depois de treinar a equipe principal do Rimini, e de conquistar o que era até então sua grande chance na vida, liderando os jovens da Fiorentina, acertou com o Parma. O time andava na terceira divisão e a revolução do comandante foi imediata. O acesso à segundona aconteceu já em 1985-86, sua primeira temporada ali. Os Crociati tiveram o quarto melhor ataque da disputa, mas o mais impressionante foi o comportamento da defesa, que concedeu apenas 14 tentos, em 34 jogos.

A saga do Parma estava apenas começando. Em 1986-87, terminou a Serie B na sétima posição, outra vez com a melhor defesa (que concedeu 26 tentos, em 38 jogos). No entanto, os comandados de Sacchi brilharam na Coppa Italia. Lideraram o Grupo 4, vencendo o Milan e eliminaram o mesmo Milan nas oitavas de finais — antes de perder, pela magra contagem de 1 a 0, para a Atalanta.

Esse desempenho convenceu os Rossoneri, recém-comprados por Silvio Berlusconi, a apostar em Sacchi. Fim da linha para o promissor projeto do Parma? Um intervalo se impôs.

Primeiro, o time tentou a sorte com o tcheco Zdenek Zeman, o que fazia sentido: muito pode ser dito sobre ele em tom de crítica, mas ele nunca abriu mão do ataque como princípio. Não deu certo e, logo, o comando do time passou para as mãos de Giampiero Vitali, que também não levou o Parma à elite. O curioso é que na Coppa Italia 1987-88, o quadro emiliano-romanholo voltou a liderar um grupo com o Milan, antes de cair nos mata-matas.

Nevio Scala Parma
Foto: Getty Images/Arte: O Futebólogo

Quando parecia que o clube estava fadado à se manter na insignificância, Nevio Scala chegou.

“Um treinador exigente. Entre nós, o chamávamos de sargento de ferro, ainda que no fundo não fosse tão durão. Ele exigia muito do time. Teve a sorte de ter um grupo fantástico à sua disposição; nós, de sermos treinados por um treinador que, na época, era considerado um inovador, que trouxe um futebol diferente. Encontrou um equilíbrio táctico decisivo para os nossos sucessos, com os três defensores e os dois alas, Benarrivo e Di Chiara, que subiam para se tornarem, de fato, atacantes. Foi uma combinação vencedora”, comentou Marco Osio, em entrevista ao portal 888Sport.

A Parmalat manda; chegam os grandes jogadores


Diferentemente de Sacchi, Scala foi jogador com uma carreira respeitável, embora sem clara identificação com qualquer emblema. Revelado pelo Milan nos célebres anos 1960, teve pouco espaço. Depois de um empréstimo à Roma, foi passando por várias equipes, inclusive pela Inter e retornando brevemente ao Milan. Passou quase todos os seus anos na primeira divisão.

Scala se tornou treinador e, em 1988-89, vivendo algo parecido com Sacchi, conduziu a Reggiana ao título da Serie C1. Então seu caminho se cruzou com o do Parma — e o da Parmalat.

Parma Pamalat


Não é difícil imaginar que o torcedor do Parma devaneie sobre os caminhos de seu time, caso Sacchi não tivesse aceitado a proposta do Milan. É natural que assim seja. Ainda mais considerando que, em julho de 1987, Ernesto Ceresini, presidente do clube, e Calisto Tanzi, manda-chuva da Parmalat, apertaram as mãos e selaram o início de uma das mais famosas parcerias da história do futebol. Zeman e Vitali não fizeram bom proveito das liras investidas no clube. Coube a Scala tamanha missão.

O Parma subiu, tornou-se time da elite. Em 1989-90, os homens da Emília-Romanha terminaram a Serie B em quarto lugar. A subida foi selada justo contra a Reggiana.


A felicidade com a ascensão, porém, contrastou com o luto da perda. Era 4 de fevereiro de 1990, o meio da temporada, quando Ceresini faleceu. O mais adorado entre os presidentes da história do Parma não viu seu sonho se concretizar — mas não foi esquecido. Anos mais tarde, daria nome ao museu do clube.

“Houve momentos muito complicados de gerir, até a nível emocional: a morte do nosso presidente Ernesto Ceresini deixou a equipe desesperada. Mas reagimos prontamente, encontrando energia e motivação incríveis”, disse Scala, à Gazzetta di Parma.

Paralelamente ao vácuo de poder vivido pelos Crociati, a Parmalat passava por um momento importante. Fazia pouco tempo que Tanzi conseguira listar a empresa na Borsa Italiana, a principal bolsa de valores do país, sediada em Milão. Era hora de expandir os negócios. Foi assim que o Parma passou a ser propriedade da empresa e Giorgio Pedraneschi assumiu como presidente do clube.

Logo no primeiro ano na Serie A, a agremiação anunciou a contratação de suas primeiras estrelas. Não eram nomes óbvios, mas como duvidar de que o Parma ambicionava voos altos? 

Do Internacional, veio o goleiro titular da Seleção Brasileira, Cláudio Taffarel; para comandar a defesa, outro jogador internacional, o belga Georges Grün, ex-Anderlecht; abrilhantando o ataque, o jovem sueco Tomas Brolin, proveniente do IFK Norrköping. Eles se juntaram a peças importantes, como Osio, Luigi Apolloni, Lorenzo Minotti e Alessandro Melli.


Acaso nenhum ajudou o Parma a terminar a Serie A 1990-91 na sexta colocação. Havia um trabalho em curso e dinheiro sendo investido. No ano de estreia na elite, o time se classificou para a Copa da Uefa, para o que seria sua primeira aparição em solo internacional.

Enchendo a sala de troféus


Apesar de ter dinheiro em caixa, o Parma não foi com tanta sede em busca de reforços para se apresentar perante o continente. O setor mais movimentado em 1991-92 foi a lateral. Destaque do time nas últimas campanhas, Enzo Gambaro acertou com o Milan. A reposição foi feita com sabedoria. Ex-Fiorentina, Alberto Di Chiara representava uma certeza; tinha vasta experiência na Serie A. Antonio Benarrivo nem tanto. Contratado junto ao Padova, era uma promessa vinda da segunda divisão. Foi uma tacada de mestre. Em um ano, já era titular da seleção italiana.

Scala estava montando um time de futebol de verdade.

O elenco foi insuficiente para passar pelos búlgaros do CSKA Sofia, ainda na primeira fase da Copa da Uefa? Sim, mas levou o Parma ao seu primeiro título de grande expressão. Depois de superar Palermo, Fiorentina, os rivais genoveses, Genoa e Sampdoria, os Crociati enfrentaram a Juventus na decisão da Coppa Italia.


De um lado, o já veterano Giovanni Trapattoni alinhava figuras como Angelo Peruzzi, Antonio Conte, Salvatore Schillaci, Paolo Di Canio e ele, Roberto Baggio. Do outro, Scala seguia com seu grupo de operários, veteranos e jogadores em ascensão. Em Turim, Baggio deu a vantagem do 1 a 0 aos Bianconeri. Porém, no Stadio Ennio Tardini, Melli (artilheiro do certame com cinco gols) e Osio resgataram o Parma, enfim campeão. Nada mais importava; a eliminação precoce na Copa da Uefa e o sétimo lugar na Serie A eram irrelevantes.

“Foi uma explosão de alegria! O 2 a 0 nos permitiu levantar a taça ao céu, o primeiro troféu, o primeiro gol histórico. Para o Parma, aquela Coppa Italia realmente significou um encontro com os grandes do futebol italiano. Toda a cidade comemorou conosco, mas acredito que naquela noite grande parte do público italiano aplaudiu e celebrou conosco, porque éramos realmente uma boa equipe”, lembrou Osio.

Os emiliano-romanholos voltaram às competições europeias. Desta vez, para jogar a Recopa 1992-93. O time começava a sofrer com a regra que só permitia a utilização de três estrangeiros. No River Plate, o Parma encontrou o selecionável argentino Sergio Berti. Ele teria pouco espaço e relevância. O mesmo não pode ser dito do outro sul-americano chamado a vestir amarelo e azul. O colombiano Faustino Asprilla, ex-Atlético Nacional, causou impacto imediato.


A estrutura do time se mantinha, mas havia problemas. Berti não seria o único ignorado. Depois de duas temporadas de titularidade inquestionada, Taffarel perdeu o lugar, preterido por Asprilla, Brolin, e Grün. Acabaria emprestado à Reggiana na temporada seguinte.

Nada disso impediu mais um ano de sucessos. Se na Coppa Italia a Juventus se vingou, eliminando o Parma nas quartas de finais, o clube amarelo e azul voltou a incomodar a esquadra de Turim, terminando a Serie A em terceiro lugar, uma posição acima dos Bianconeri. O fato mais impressionante, contudo, aconteceu na Recopa.

Superando Újpest, Boavista, Sparta Praga e Atlético de Madrid, com uma doppietta de Asprilla, o Parma foi à decisão, contra os belgas do Royal Antwerp. Mesmo sem o colombiano, autor de quatro tentos na campanha e que se recuperava de lesão, os italianos não tiveram dificuldades para arrebatar mais uma taça, 3 a 1, sua primeira internacional.


Reconhecido até pelos rivais


A temporada 1993-94 foi um hiato na senda de grandes vitórias do Parma, não nos bons resultados. Osio foi negociado com o Torino, mas o clube fez novos e determinantes investimentos, trazendo as virtudes defensivas e de liderança de Néstor Sensini, ex-Udinese, a qualidade de organização de Massimo Crippa e a magia de Gianfranco Zola, estes dois provenientes do Napoli. Scala ganhou alternativas e talento.

Para não ficar de mãos abanando, os Crociati bateram o Milan e ficaram com a Supercopa Europeia — gols de Sensini e Crippa. Na Coppa Italia, foram até as semifinais, perdendo para a Sampdoria; na Serie A, ficaram em quinto lugar; e, na Recopa Europeia, quase conseguiram defender o título. Deixando gigantes como Benfica e Ajax pelo caminho, o time sucumbiu diante do Arsenal na decisão, em Copenhague. Foi pela margem mínima de 1 a 0.

“É um jogo que deveríamos ter perdido. No papel, eles eram favoritos com os jogadores que tinham: Asprilla, Zola [...] Houve momentos do jogo em que eles estavam transitando pela entrada da grande área e olhávamos para Bouldy [o zagueiro Steve Bould] e ele dizia ‘tenho três por aqui’, para logo depois corrigir ‘bem, tenho quatro!’. Tony [Adams] sempre tinha dois e Nigel [Winterburn] outros três. Eu pensava que eles tinham 15 jogadores em campo”, recordou o lateral Lee Dixon, ao site oficial dos Gunners.


O ano sem grandes conquistas não foi um ano perdido. A convocação da seleção italiana de 1994 contou com cinco jogadores do Parma. O treinador Arrigo Sacchi, ele mesmo, chamou Apolloni, Benarrivo, Minotti, Zola e o goleiro Luca Bucci. Logo no início da temporada 1994-95, juntou-se a eles Dino Baggio. Foi uma contratação polêmica do Parma. O meio-campista da Juventus também era pretendido pelo Milan e ele desejava o movimento, que não se concretizou.

O mercado foi movimentado. Os Crociati ainda acertaram com o zagueiro português Fernando Couto, a promessa Stefano Fiore e o atacante Marco Branca. Por outro lado, Grün voltou para a Bélgica e Melli fechou com a Sampdoria.

Aquele foi um grande ano para a Juventus, campeã italiana e da Coppa Italia, vencendo o Parma na decisão. Contudo, nem tudo foram flores para os homens de Turim. Na Copa da Uefa, os comandados de Scala passaram por Vitesse, AIK, Athletic Bilbao, Odense e Bayer Leverkusen antes de encontrar a Juve no encerramento da competição. Era a hora de uma nova idolatria começar a ser construída.


“Eles [a torcida do Parma] me receberam com frieza. No primeiro momento, me vaiavam quando eu errava um passe. Fiz os torcedores me amarem pelo compromisso que sempre demonstrei no campo e pelos gols que marquei contra a Juventus”, contou Dino Baggio ao Calcio Mercato.

Na partida de ida, no Ennio Tardini, Dino deu a vantagem ao Parma, 1 a 0. Em Turim, Gianluca Vialli adiantou os comandados de Marcello Lippi no marcador, com o que se convencionou chamar de golaço. Seria ele, Dino, o responsável pelo tento do empate e do título. Era uma resposta ao time que o impediu de seguir para o Milan e à torcida que até então duvidava de sua lealdade. Era, também, mais um título continental para a galeria de troféus do Parma.

Princípio, meio e fim


Scala não tinha mais nada a provar. Sem receios, definiu que Asprilla, com problemas no joelho, não estava em seus planos para a temporada 1995-96. Jogador e comandante tiveram rusgas desde o princípio, sobretudo porque, admitidamente, o colombiano tinha problemas em obedecer ordens.

Faustino ainda ficou meio ano no clube, mas logo partiu para o Newcastle. Situação semelhante à vivida por Brolin, que seguiu para o Leeds United. Para o comando do ataque, o time havia contratado Filippo Inzaghi, trouxera Melli de volta e um gênio genioso, Hristo Stoichkov. A sementinha da discórdia fora semeada e começava a se abrir.

“O Stoichkov estava habituado a uma realidade diferente e isso trouxe desequilíbrio ao grupo. Foi difícil encaixá-lo na nossa formação, com Zola e Asprilla. Scala precisou mudar sua formação e o time sofreu”, contou Minotti, em entrevista à revista FourFourTwo.


O Parma, que também contava agora com Fabio Cannavaro na defesa, não repetiu o desempenho de outros anos. O sexto lugar na Serie A foi acompanhado de uma eliminação precoce na Coppa Italia para o modesto Palermo. Na Recopa Europeia, que o Parma disputou como vice da copa nacional do ano anterior, já que a Juventus jogou a Liga dos Campeões, caiu diante do PSG. Fim da linha.

No primeiro ano de validade da Lei Bosman, que autorizava os jogadores com passaporte europeu a transitar livremente pelo continente, o Parma escolheu se renovar. Permitiu as saídas de Zola, Stoichkov, Inzaghi, Couto e Minotti, e abriu os cofres para trazer gente como Hernán Crespo, Lilian Thuram, Amaral, Enrico Chiesa e Zé Maria.

Todo esse processo começava com a mudança de comando. Scala era uma realidade desgastada. Era a hora de os Crociati afirmarem outro treinador, neste caso, um velho conhecido: Carlo Ancelotti.

Comentários

  1. Aguardo a continuação da bela história do Parma com Crespo, Thuram, Chiesa e cia…

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  2. Também aguardo a continuação da história.

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